14/06/2021
"Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também" - Caio F. Abreu.
A relação é como um barco a vela com dois pares de remos. Nela, ambos se dividem, remando, ora adiante, ora recuando, tentando de alguma forma alinhar seus movimentos e superar os obstáculos pelo caminho.
Isso nem sempre ocorre, claro. Há desajustes, falhas, mas aí é preciso dizer, verbalizar, para então se voltar para o prumo e seguir.
Só que há um detalhe. O barco que simboliza a relação está furado. E está assim porque ele é um recorte da própria vida. A vida é repleta de furos. Se assim não fosse, porque remar para se chegar a algum lugar? Era só deixar a maré levar, permanecendo inerte.
Mas há outro detalhe.
Quando somente um se põe a remar, se sobrecarrega.
Quem nunca escutou de alguém - ou de si - “me dôo por completo na relação”? Talvez aí esteja uma das grandes razões do (seu) sofrimento.
Se doar por completo é se tornar objeto. Sabe o remo? Esse sujeito que se doa integralmente passa a ser o próprio remo, objetificando-se.
Já o outro, que deixou de remar, se coloca numa posição que faz do remo (e do outro) o que bem entender.
Porém, ambos irão afundar.
Lembre-se: o barco está furado!
Só se chega a algum lugar se os dois, juntos, remarem. O investimento de força, de manejo dos remos, de absorver e aliviar o impacto das ondas da vida, há de ser compartilhado.
O outro, na relação, não pode ser a tábua de salvação. O outro não pode ser somente o cuidador, o que cuida-da-dor. Isso arruina a relação e a leva à ruína.
Um não pode ser apenas o remo enquanto o outro aprecia a paisagem (mesmo sabendo que irá afundar).
Freud tem uma célebre frase:
“Se você ama, sofre. Se não ama, adoece”.
Trazendo para a lógica do barco furado, diria que “se você ama, reme. Se não remar, afunda”.
Texto de Fernando Lino.