12/03/2024
MESMER E O MAGNETISMO
Anton Mesmer nasceu em 1734, perto do Lago Constança, na Alemanha e foi criado no campo, onde frequentou uma escola monástica dos 8 aos 14 anos. Ele era excelente aluno mas preferia perambular pelas margens do Reno observando as mudanças de estação. Depois de 4 anos, abandonou o curso de teologia na Universidade de Dillingen, na Baviera e entrou na Universidade de Ingoldstadt, para estudar Física, Matemática, Astronomia e Línguas (antigas e modernas). Ele fez o doutorado em Filosofia. É bem possível que Mesmer tenha estudado astronomia - que se tornara uma disciplina independente da astrologia - porque ele leu Paracelso e aceitou a teoria dele sobre a influência dos planetas. Depois, fez Direito na Universidade de Viena, por um ano. Ainda mais tarde, entrou na faculdade de Medicina em Leiden, Holanda, onde obteve, ao fim de 6 anos, o grau de Doutor em Medicina, com as mais altas honras. Apesar de ter passado a vida muito saudável fisicamente, quando Mesmer faleceu lúcido e aos 81 anos de idade, o mundo perdeu um homem tremendamente culto para a sua época.
A tese de doutoramento de Mesmer, em latim, versava sobre os efeitos físicos dos raios de sol sobre os organismos vivos, tendo como base as leis da gravidade de Newton e no qual ele afirmava existir "um certo espírito sutil" permeando a vida material. Essa força (fluido) animava os corpos vivos. Por isso, primeiro ele deu o nome de "gravitação animal". Mais tarde, substitui-o por "magnetismo animal". Segundo ele, a desarmonia entre o fluxo e o refluxo desse fluido universal, causaria doença no organismo vivo e no ambiente circundante.
Essa descoberta era pioneira e envolvia a manipulação do “magnetismo animal” (força da alma), um campo energético de todo mundo e que está relacionado com a saúde da pessoa. Hoje sabemos que o magnetismo já era praticado desde o Egito antigo.
O magnetismo animal punha em xeque acomodadas e obsoletas estruturas de conhecimento tidas por sagradas e intocáveis. Antes de 1800, a teoria galênica dos humores sobre o mecanismo da doença (bile amarela, bile negra, fleuma e bílis) e as práticas terapêuticas da medicina oficial eram falsas.
As terapias, apesar de perniciosas, eram mantidas por tradição e empirismo e incluíam sangrias, vomitórios, vesicatórios, doses de ópio, prejudicando os pacientes e lhes antecipando o óbito.
Os remédios eram intoxicantes, venenosos e exaustivos e tinham fundamentação científico-filosófica equivocada.
As cirurgias eram a escolha d e pacientes já sem esperança e eram feitas sem anestesia por homens habilidosos em decepar tumores a sangue frio e cauterizá-los rapidamente com um ferro em brasa. Por motivo obvio, os pacientes eram amarrados em tábuas e desmaiavam de dor. Isso era traumático e poucos sobreviviam, até mesmo por causa de infecções, por falta de assepsia. Apesar disso, ironicamente, esta medicina era vista como heroica. O único herói era o paciente sobrevivente.
Podemos afirmar que Mesmer criou a clínica moderna ao propor que houvesse uma retomada dos princípios da medicina científica, fruto da observação junto aos pacientes e do uso da razão, recuperando os princípios do grego Hipócrates, pai da medicina e reinserindo, no currículo de medicina, o estudo das ciências naturais, da física e da química, com as então recentes descobertas fisiológicas, dando base ao pensamento dos vitalistas científicos, que se contrapunham ao materialismo mecanicista da medicina oficial, de estruturas muito incompleta mas dominante no pensamento contemporâneo que, corporativamente, se esforça para bloquear e ignorar a realidade sutil do ser.
A terapia de Mesmer vai além da supressão do mascaramento dos sintomas empregada pela alopatia e vê os sintomas como fenômenos naturais fisiológicos que denunciam um desequilíbrio da economia orgânica. Hahnemann, fundador da homeopática, adotou e recomendou a perspectiva de Mesmer e denunciou a ilogicidade e o prejuízo causado pela medicina oficial que acreditava na extinção de doenças através da remoção das [supostas] causas morbíficas materiais e não reconhecer a natureza físico-mental do organismo como uma essência tão altamente potencializada que as modificações vitais nas sensações e funções, as quais são chamadas doenças, pudessem principal e quase que exclusivamente ser causadas e provocadas através de uma influência dinâmica não material. Era uma orientação materialista sem solução de continuidade desde Galeno.
As obras que falam sobre o mesmerismo se concentraram e retratar - quase ad nauseum - Mesmer como uma figura caricata, de personalidade mística e exibicionista e contra a ética científica e pessoal da época. Apesar dessa atitude preconceituosa estar longe de ser científica, ela é bem comum nos círculos científicos e ocorre sempre que a descoberta não se enquadra na estrutura do pensamento da época e tem a finalidade de ofuscar o interesse em dar-lhe maior atenção, sob a pretensa justificativa de que tal coisa é irracional, mística ou fútil. Foi isso que aconteceu com o assunto do magnetismo animal.
O magnetismo animal está na base do surgimento da psicologia, da parapsicologia, da psicanálise, da hipnose, do sonambulismo provocado, da lucidez sonambúlica. Eventual semelhança com certas práticas espíritas se explica pelo fato de que o espiritismo (também francês e pungente na época de Mesmer) tomou emprestada a ciência do magnetismo.
Sobre os atendimentos de Mesmer, quando ele começou a praticar curas, ele usava ímãs e atendia casos de apoplexia, epilepsia, histeria, melancolia e febre espasmódica. Logo ele descobriu que praticamente qualquer material - metal, papel, seda, pedra, vidro, água - conduzia o magnetismo animal. Então, não é de magnetoterapia este assunto, mas um entendimento que quando era ainda provisório, utilizava ímãs. Manter o nome magnetismo, foi um consenso que combinava com a Filosofia clássica, com o pensamento da época e com o início da pesquisa de Mesmer, que se ampliou. A prova disso é quando, em sua obra Mesmerismus, o autor ainda diz expressamente:
“A palavra magnetismo, que eu adotei de forma aleatória, apesar de ser um substantivo, não designa nenhuma substância, mas apenas uma conexão entre as forças da natureza e dos efeitos, ou da influência geral e específica do emprego, segundo os aspectos mencionados, em relação ao corpo do ser humano”.
O termo “nenhuma substância” rejeita a ideia de fluido vital como substância responsável pelo movimento dos seres vivos e funcionamento de seus organismos!
Em Paris, ele ficou famoso pelas curas "magnéticas" mas o corporativismo da classe médica de Paris, estava empenhado em centralizar nas mãos o poder político, acadêmico e financeiro, controlar as universidades e criar nelas academias sob o domínio absoluto desses médicos alopatas e da realeza. Essa elite, no entanto, enfrentava a oposição dos médicos vitalistas da universidade francesa de Montpellier e da escola científica de Boerhaave, van Swieten e seus outros discípulos, que retomavam os princípios hipocráticos originais.
O período do iluminismo foi complexo e diversificado. De um lado, tinha o grupo do vitalismo e com a clínica científica de Boerhaave e, do outro, o grupo do corporativismo dos médicos parisienses. Esse era o ambiente de Mesmer, em Paris.
Há bastante incompreensão sobre as bases teóricas do magnetismo de Mesmer. Uma delas diz respeito ao engano de achar que ele adotava a teoria fluidista, com a ideia de que uma energia material emanaria das mãos do magnetizador em direção ao paciente.
1. A teoria do fluido vital veio do mecanicismo da física da época (luz, eletricidade, magnetismo, calor, como sendo feitos por fluidos (átomos invisíveis e sem peso). Mesmer, não aceitava isso. Para ele, o fluido universal seria a fonte primária de todas as forças e de toda a matéria. A luz, por exemplo, seria um estado de vibração do éter, como o som está representado por ondas do ar. O magnetismo animal seria, portanto, um estado particular de vibração do fluido universal mais tênue do que o éter, um efeito do movimento nas diversas séries do fluido universal e um agente natural não observável pelos cinco sentidos mas de efeitos constatados no organismo (cura e sonambulismo provocado).
2. O suíço Charles Leonard Lafontaine (1803-1892), liderava um movimento de magnetizadores da 2ª geração, chamados “fluidistas”, empiristas e simplistas, do século 19, e que se opunham à teoria de Mesmer e defendiam a ideia de um fluido feito por átomos imponderáveis. Então houve magnetistas divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas (menos numerosos), que acreditam em um fluido material. A Física do século 20, porém, abandonou a teoria dos fluidos imponderáveis e passou a explicar os fenômenos eletromagnéticos por meio de ondas e campos.
3. Segundo Mesmer, como princípio fundamental do magnetismo havia uma sintonia entre paciente e magnetizador, que permitia a ampliação d a ação fisiológica e combate ao estado de desiquilíbrio pelo organismo do doente, acelerando assim a cura natural.
Recorrer às obras originais de Mesmer e de alguns seguidores dele, tais como o marquês de Puységur, o barão du Potet e outros teóricos da área, nos auxilia a visualizar a essência de seus experimentos e a fugir de falsas atribuições feitas ao cientista, que podem ser encontradas dentro das obras de Psicanálise.
Merecem lugares de honra os precursores Franz Anton Mesmer e o marques de Puységur.
Também merecem lugares de honra os seus destemidos continuadores: Joseph Philippe François Deleuze (1753-1835), Jules Denis (barão du Potet de Sennevoy, 1796-1881), Louis Joseph Jules Charpignon (1815-?), Charles Lafontaine (1803-1892), Eugène Auguste Albert d’Aiglon de Rochas (coronel de Rochas, 1837-1914), Julian Ochorowicz (1850-1917) e tantos outros.
Na obra de Mesmer chamada Mesmerismus, ele escreveu: “Na leviandade e imprudência daqueles que imitam meu método terapêutico sem conhecer sua natureza íntima está a causa de tantos preconceitos que se instauraram contra o mesmo”.
[Autor: Miguel Mello. Psicólogo. Psicoterapeuta. Doutor em Ciências Médicas. Psicanalista.]