25/08/2025
Obs: Texto longo e reflexivo.
Tragédia em Sinop: o feminicídio da fonoaudióloga e o surto psicótico
Na tarde de domingo, 24 de agosto de 2025, Ana Paula Abreu Carneiro, de 33 anos, fonoaudióloga graduada pela UnB e cursando mestrado na FGV, foi assassinada com entre 15 e 20 facadas pelo namorado, Lucas França Rodrigues, no centro de Sinop (MT) . Ana era uma profissional querida, que compartilhava sua rotina e declarações amorosas nas redes sociais, o que intensificou a comoção pública .
Segundo a Polícia Civil, o suspeito foi encontrado em estado de surto psicótico, relatando o crime de forma perturbadora: ele enviou fotos do corpo da vítima à família dela e depois à família dele, antes mesmo da prisão . Ele resistiu à prisão e precisou ser contido com armas de choque .
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O contexto psicanalítico
Em uma abordagem psicanalítica, o episódio pode ser visto como o desfecho extremo de uma falha severa na estruturação do ego e uma ruptura com a realidade. O surto psicótico, caracterizado pela perda de contato com o mundo externo e a dominância de pulsões agudamente destrutivas, sugere a superação dos mecanismos normais de defesa (negação, repressão) por uma emergência psíquica sem mediação simbólica.
Psicanaliticamente, pode-se considerar que o objeto amoroso (Ana) foi desinvestido de sua dimensão simbólica e transformado em um alvo pulsional. O ato violento indica uma fusão entre desejo e destruição — a vítima, em última instância, encarna o real traumático que irrompe sem passagem simbólica possível.
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Punição e tratamento: qual o caminho?
1. Justiça penal
No atual ordenamento jurídico brasileiro, um crime dessa gravidade pode configurar feminicídio, cuja pena varia entre 12 e 30 anos de reclusão — podendo ser maior se agravantes estiverem presentes. Deve-se garantir um processo justo, com avaliação psiquiátrica e jurídica para definir capacidade de culpabilidade e eventual imputabilidade reduzida.
2. Tratamento psiquiátrico
Se confirmado que o suspeito estava, de fato, em surto psicótico, é necessário implementar:
Internação em unidade psiquiátrica, com supervisão médica rigorosa e adequada proteção do paciente e da sociedade.
Tratamento medicamentoso e psicoterápico voltado para estabilização clínica e melhor integração psíquica.
Avaliação contínua, incluindo laudos de peritos e revisões judiciais periódicas, para evitar abusos ou liberações prematuras.
3. Políticas públicas e prevenção
Fortalecer o acesso a serviços de saúde mental, com equipes multiprofissionais capazes de identificar sinais de desestruturação psicológica antes que resulte em tragédia.
Criar canais de denúncia e apoio voltados a relações abusivas ou comportamentos psicóticos emergentes.
Programas de educação emocional e empatia nas escolas, incentivando o desenvolvimento de vínculos saudáveis.
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Reflexão final
O caso de Ana Paula Carneiro é uma tragédia incomensurável — uma vida interrompida de forma brutal. Psicanaliticamente, evidencia o que ocorre quando o laço simbólico se desfaz e o sujeito perde a mediação entre o real vingativo e o desejo pulsional. Sob o ponto de vista legal e sanitário, impõe urgência na articulação entre justiça equitativa e cuidado psiquiátrico responsivo.
Só um sistema que assegure proteção à vítima, responsabilização adequada do agressor, e tratamento adequado aos distúrbios psíquicos graves, estará cumprindo a complexa função de prevenir novos episódios devastadores como esse.
Sandro César Roberto
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