01/11/2024                                                                            
                                    
                                                                            
                                            Por que o Aikido Não Compete: 
Filosofia, Realidade e Propósito.
Como instrutor de artes marciais, frequentemente me perguntam sobre a ausência do Aikido nas populares competições de combate. Para fins de esclarecimento, escrevi este breve texto. O Aikido é uma arte marcial que opta por não competir, e a razão para isso está na própria essência da prática. Diferentemente dos esportes de combate, em termos puramente técnicos, o Aikido não busca premiações ou vitórias, mas sim a integridade física e o retorno seguro para casa. A seguir, três fatores explicam essa escolha.
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1) Defesa pessoal em situações de desvantagem
O Aikido é, tecnicamente, uma arte de autodefesa, desenvolvida para lidar com a violência em contextos urbanos, onde a vítima é via de regra surpreendida de forma desleal, sem regras, juízes ou divisões de peso, e, frequentemente, por múltiplos agressores.
O cenário, portanto, é o oposto de uma arena de competição, onde oponentes escolhem se engajar em uma luta contra adversários bem treinados, dentro de um ambiente protegido e com suporte de enfermeiros, árbitros, entre outras medidas de segurança. Na vida real, os agressores não são lutadores profissionais, mas, de modo geral, pessoas em situação de desespero absolutamente despreparadas. O objetivo no Aikido, portanto, não é vencer, tampouco preocupar-se com o improvável encontro com um grande campeão, mas sim evitar o confronto e preservar a vida.
A pergunta sobre por que o Aikido não participa de competições é como perguntar por que um atleta de saltos ornamentais não compete nos 100 metros rasos: embora ambos sejam esportes praticados na piscina, são práticas absolutamente distintas e com objetivos diferentes. Em muitas técnicas do Aikido, o praticante parte de uma posição de desvantagem para simular o terror da realidade das ruas, onde o prêmio é sua própria vida.
Evitar o conflito é, portanto, no contexto da defesa pessoal, uma estratégia e uma forma de preservar a integridade física, respeitando o princípio fundamental da autodefesa, que muitas vezes significa não reagir, a menos que a vida esteja realmente em perigo. Afinal, o cemitério está cheio de heróis...
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2) Filosofia e princípios éticos.
O fundador do Aikido, Morihei Ueshiba, integrou princípios filosóficos do budismo e do xintoísmo, que pregam a humildade e alertam contra os perigos do orgulho. Segundo esses ensinamentos, a competição pode gerar uma falsa autoestima que, em situações de autodefesa, pode ser fatal. Naturalmente, há espaço para a competição saudável, e aqui não se busca criticar as competições marciais, mas, no contexto do Aikido e da defesa pessoal, o cultivo da humildade é também uma estratégia vital. Em uma situação de risco, enfrentar vários agressores armados requer uma postura prática e humilde – engajar-se para provar algo a si mesmo ou aos outros seguramente conduzirá a grave lesão ou óbito.
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3) A evolução do Aikido e seu propósito contemporâneo.
O Aikido anterior à Segunda Guerra Mundial era uma arte muito mais rigorosa, voltada para treinamento militar. Após a guerra, o filho do fundador, Ueshiba Kisshomaru, reformulou o Aikido para uma prática mais suave, com o objetivo de torná-lo acessível ao homem comum, como um exercício de saúde e bem-estar. Hoje, a vasta maioria dos dojos no mundo ensina essa versão moderna do Aikido, que não visa a defesa pessoal imediata, mas sim o cultivo físico e mental. Muitos desses praticantes não têm interesse tampouco estão preparados para esportes de combate ou mesmo para a autodefesa, daí a devida crítica que a arte recebe amplamente hoje. Entretanto, isso é um fenômeno compreensível que atingiu diversas outras artes marciais no Japão pós-guerra.
Historicamente, após a Segunda Guerra Mundial, as artes marciais foram proibidas no Japão durante a ocupação das forças aliadas, lideradas pelos Estados Unidos. Com a derrota do Japão, o governo aliado buscou desmilitarizar e pacificar o país, de modo que várias práticas militares, incluindo artes marciais tradicionais, foram restringidas. As artes marciais no Japão pré-guerra eram ensinadas no treinamento militar e foram particularmente afetadas, pois essas artes eram vistas como elementos de militarismo e nacionalismo japonês. Essa proibição resultou em versões diluídas e descaracterizadas dessas artes, enfatizando os aspectos esportivos, recreativos ou de bem-estar, como no caso do Aikido.
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4) Conclusão.
Apesar da intenção nobre e louvável de Kisshomaru Ueshiba ao suavizar o Aikido para promover saúde e bem-estar, essa abordagem revela certas limitações em países onde a violência urbana atinge níveis alarmantes, como o Brasil, que ocupa uma posição preocupante no ranking mundial de violência, especialmente no que se refere a homicídios. De acordo com o Atlas da Violência 2023, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país registrou 47.508 mortes violentas intencionais no último ano, representando uma taxa de aproximadamente 22,3 homicídios por 100 mil habitantes. Esses índices destacam a triste e gritante posição do Brasil entre as nações mais violentas do mundo, onde a inaceitável violência e o crime foram há muito normalizados e onde a necessidade de autodefesa real é uma urgência.
Os índices de violência no Brasil, ressalte-se, têm mostrado uma tendência de aumento constante nos últimos 50 anos. Ainda segundo o IPEA e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2023 houve uma subida nas taxas de homicídios em diversas regiões do país, com destaque para os estados do Nordeste e Norte. Entre os principais fatores estão o crescimento de conflitos entre facções criminosas e o aumento da desigualdade social.
O impacto dessa violência vai além das estatísticas, afetando o bem-estar mental e emocional dos brasileiros. Estudos indicam que a exposição contínua à violência e a sensação de insegurança constante têm levado muitas pessoas a desenvolver sintomas de hipervigilância e ansiedade, prejudicando a qualidade de vida e aumentando a demanda por apoio psicológico e segurança pública. O aumento vertiginoso no consumo de álcool e outras dr**as também revela a busca por mecanismos de enfrentamento da dura e brutal realidade das cidades brasileiras.
Portanto, nessa realidade, muitos praticantes de artes marciais buscam mais do que condicionamento físico ou equilíbrio emocional – buscam, de fato, uma preparação para situações de autodefesa em um ambiente onde o risco de agressões armadas, assaltos e confrontos letais é uma ameaça cotidiana. Muito distante da paz social experimentada em países desenvolvidos, para o brasileiro médio, o Aikido precisa ter uma aplicação prática e eficaz em defesa pessoal, atendendo às necessidades de segurança e sobrevivência de quem vive em um dos países com os mais elevados índices de criminalidade do mundo. O Aikido, por aqui, não pode engajar-se na prática desonesta e falaciosa de vender defesa pessoal enquanto serve "terapia-seita" japonesa, criando muitas vezes o mencionado falso senso de auto estima.
Para o estudioso da arte, essa opção de diluir a prática feita pelo filho do fundador criou a chamada cisão do Aikido, que se dividiu em pré e pós-guerra, levando discípulos diretos do fundador, treinados militarmente, a se afastarem e criarem suas próprias organizações, buscando preservar o Aikido pré-guerra. É justamente por essa razão que o Jinmu Dojo opta por preservar o Aikido em sua forma pré-guerra, mantendo o rigor e a eficiência da arte original, destinada a contextos reais de autodefesa. Em um país como o Brasil, onde a violência faz parte do cotidiano, essa escolha é vital para que o praticante esteja preparado para se defender em situações de perigo verdadeiro. No Jinmu Dojo, o Aikido é treinado como uma disciplina que visa tanto a sobrevivência quanto o domínio de técnicas efetivas aplicáveis em condições adversas e inesperadas, preservando o espírito marcial da arte. No Brasil, infelizmente não podemos nos dar o luxo de treinar uma arte marcial apenas com fins recreativos. 
Some-se a isso o fato de que, em termos de desenvolvimento espiritual através das artes marciais – conceito amplamente difundido na comunidade do Aikido – a severidade é indispensável para o despertar da consciência e o fortalecimento do espírito humano. Diferentemente de muitos dojos de Aikido, que hoje se caracterizam por um clima amigável e familiar, o Jinmu Dojo acredita que essa atmosfera mais social reduz a intensidade mental e o foco necessários para uma transformação interior profunda. A prática rigorosa exige comprometimento e atenção constantes, elementos que evocam o verdadeiro potencial humano e afastam a arte de um mero passatempo social, devolvendo-lhe o papel de disciplina marcial profunda e espiritual.
É importante ressaltar que qualquer arte marcial que se autointitula uma "arte dos samurais" deve ser vista com ceticismo. Na era feudal do Japão, os samurais eram soldados armados, e artes marciais de combate corpo a corpo, como o Judo ou o Karate, eram o último recurso – na violenta e brutal era dos samurais, armas letais eram onipresentes.
Por fim, a ideia de que esportes de combate são o padrão para medir o que "funciona ou não" em autodefesa é falaciosa. Em situações reais de violência urbana, o critério de eficácia é a capacidade de evitar tornar-se mais uma vítima e garantir a segurança pessoal. É preocupante que muitos procurem artes marciais com a sincera intenção de aprender autodefesa, mas acabem sendo direcionados por propaganda a se tornarem lutadores competitivos.
Mais uma vez, ressalte-se, todo respeito é devido aos esportes de combate, e aqui não se pretende menosprezar a habilidade e o valor dessas modalidades. Mas, sob o ponto de vista da autodefesa e da preservação da vida, o Aikido do Jinmu Dojo mantém-se fiel às suas raízes, em uma prática que não visa prêmios ou fama, mas a excelência, a disciplina e a segurança pessoal.
Realisticamente falando, qualquer pessoa que esteja realmente preocupada com a escalada da violência, com a proteção da sua vida e de seus entes queridos, a indicação profissional é aprender a usar uma adaga e uma arma de fogo de forma proficiente, e praticar algum tipo de arte marcial que promova o estado mental adequado para lidar com situações de alto estresse.
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Na imagem, o fundador do Aikido Ueshiba Morihei O-Sensei, segurando firmemente sua kataná - a lendária espada samurai.