
05/03/2025
O é um espetáculo onde os corpos se entregam, se esbarram e se misturam com a mesma intensidade de um Rio de Janeiro quente e insaciável, exalando desejo, suor e liberdade, como se o próprio chão da cidade fosse feito de ritmos, cheiros e toques. Mas não é só o brilho do samba que nos cega por cinco dias.
O Carnaval é um convite à transgressão, a um tipo de anarquia sensorial onde as amarrasse desfazem como confetes ao vento. A festa é uma alegoria perfeita da nossa luta interna: o anseio por um mundo sem regras, onde as carências e as expectativas se dissolvem, deixando os corpos livres para tocarem-se sem negociações, sem promessas.
Em meio à fantasia e ao delírio, vislumbramos a liberdade, uma sensação efêmera de que, por um breve momento, é possível escapar das relações normativas — um campo em que somos ensinados a buscar aprovação, a negociar nosso desejo com contratos. Nesse microcosmo de confetes e brilhos, tudo é simples e imediato, um impulso, uma troca sem compromisso. E é isso que nos atrai, não é? O abandono momentâneo da necessidade de justificar nossos corpos e desejos para os outros.
Porém, a Quarta-feira de Cinzas despenca sobre a cidade como uma ressaca, nos forçando a voltar à realidade. A festa acabou, as ruas se esvaziam e o que era pura anarquia se transforma novamente em rigidez. O corpo, que antes se entregava sem reservas, passa a se conter, refreado pelas normas da sociedade, pela monogamia que, de repente, exige seu preço. O amor sem amarras começa a perder seu contorno e a exclusividade retorna como uma obrigação.
É quase cruel. O Carnaval, que por cinco dias ofereceu a ilusão de uma liberdade sem fim, logo se revela como um breve parêntese, um sonho fugaz. E, no entanto, há algo profundamente humano nisso: a busca constante pela libertação, a tentativa — sempre frustrada, talvez — de viver o amor sem correntes, de sair do lugar comum, de ser, se por um momento, algo mais do que as expectativas que nos moldam. No fim, o Carnaval é (entre outras coisas) isso: uma tentativa de escapar, mesmo que por pouco tempo, das estruturas que nos aprisionam. Um grito que ecoa nas ruas e desaparece quando a música silencia.