
26/07/2025
Carta de um cérebro esgotado: o custo invisível da exaustão mental
Olá. Eu sou seu cérebro.
E já passou da hora de termos uma conversa realmente honesta. Preciso falar sobre algo que você insiste em ignorar: sua exaustão mental.
Você age como se eu fosse inesgotável — e depois se surpreende quando começo a falhar.
Não é falta de capacidade, é porque você ultrapassou limites há muito tempo.
Você me sobrecarrega diariamente com metas irrealistas, notificações incessantes, comparações implacáveis e autocobrança constante.
Chama isso de foco. Eu chamo de fadiga disfarçada de disciplina.
Você confundiu pensar com controlar.
Refletir com ruminar.
Produtividade com anulação pessoal.
Me transformou em gestor de crises emocionais, planejador compulsivo e censor dos seus afetos mais desconfortáveis.
Só que emoções não desaparecem porque você as ignora; elas se acumulam, transbordam, exigem ser sentidas — e, cedo ou tarde, cobram seu preço.
Eu não fui projetado para funcionar nesse regime permanente de alerta e repressão emocional.
Meu funcionamento saudável exige espaço para que emoções fluam sem pressa.
Requer silêncio, pausa, tédio e momentos sem cobrança — justamente o que você aprendeu a desprezar por parecer improdutivo ou ameaçador.
Mas há algo que talvez você não queira encarar:
Eu não sou uma máquina — sou parte de um corpo que sente profundamente.
E quando começo a colapsar, não envio alertas discretos; envio sintomas persistentes, desagradáveis e inevitáveis:
insônia,
falhas de memória,
irritabilidade constante,
ansiedade crônica,
tristeza inexplicável,
apatia profunda e
medos que você nem sempre consegue explicar — mas que continuam voltando.
Você insiste em chamar isso de fase.
Mas é exaustão mental crônica — e ela não desaparecerá sozinha.
Sei que nem sempre é fácil ou possível desacelerar e acolher as emoções difíceis.
Você vive contextos sociais, econômicos e profissionais que dificultam isso.
Mas reconhecer essa realidade não diminui sua responsabilidade — pelo contrário, aumenta a importância de uma ação consciente e corajosa.
Não adianta tentar me domar com técnicas, métodos ou aplicativos.
A lógica que causou o problema não pode resolvê-lo.
Preciso de algo mais profundo, mais radical:
Uma lógica mais humana, sensível e emocionalmente lúcida.
Pense menos como executor — mais como habitante.
Menos desempenho, mais presença.
Menos repressão emocional, mais escuta autêntica.
Menos ruído mental, mais sentido existencial.
Você não precisa me levar ao limite para ser digno.
Mas precisa aceitar, de uma vez por todas, que ignorar os próprios limites tem consequências inevitáveis — físicas, emocionais e existenciais.
A escolha agora é sua:
Continuar fingindo que eu aguento tudo,
ou finalmente começar a me escutar — inclusive, e principalmente, os medos e emoções que você aprendeu a silenciar.
Com exaustão e lucidez,
Seu cérebro
Mary Scabora - Psicóloga Clínica