07/09/2022
TODA PSICOLOGIA É PSICOLOGIA EVOLUTIVA
Embora psicólogos de todo o país – graças à sua tendência em enxergar as áreas da psicologia como verdadeiros times de futebol – pensem na psicologia evolutiva como uma área à parte, o cérebro humano, assim como todos os órgãos e sistemas biológicos de todos os organismos do planeta, é produto da evolução. Por consequência, toda psicologia é necessariamente evolutiva.
Se alguém aceita que a evolução é verdadeira, é impossível negar essa conclusão. Pensar o contrário é pensar na existência de uma psicologia criacionista, o que dispensa comentários. Além disso, apesar de a psicologia evolutiva ser uma área razoavelmente autônoma, ela também é uma proposta metateórica que procura dar significado às diversas abordagens da mente e do comportamento.[1]
Fato é que, a longo prazo, de nada adianta entender desordens mentais e comportamentais, as motivações, tendências e preferências das pessoas sem uma base epistemológica que unifique tantas informações sem conexão óbvia em um único norte. Felizmente, quando aplicada à ciência psicológica, a teoria da evolução faz isso.
O cérebro humano, bem como o cérebro de todos os outros animais, é um conjunto de módulos computacionais, cada qual favorecido pela seleção natural para lidar com problemas adaptativos enfrentados em uma época remota e ancestral.[2] (O que comumente se debate é a definição, quantidade e o funcionamento desses módulos, não sua evolução.)[3]
Na nossa linhagem, por exemplo, existem vários sistemas especializados: motivação sexual, investimento parental, cooperação e inferência sociais, mentalização ou teoria da mente, julgamento sob incerteza e condicionamento, bem como habilidades visuais, linguísticas e armazenamento e aquisição de conhecimento, dentre outros.
Em relação à psicologia enquanto área científica, independentemente da posição filosófica assumida, o comportamento humano e as funções psíquicas + cérebro são mutuamente afetados. Ainda que os pressupostos evolutivos não afetem diretamente a prática clínica de um profissional da psicologia, a verdade é que as quatro questões clássicas da Etologia (mecanismo, desenvolvimento, valor adaptativo e filogenia) delimitam qualquer análise comportamental, seja uma resposta ou um distúrbio.[4]
Por exemplo, a primeira questão indaga as causas imediatas ao comportamento e requer explicações mecanicistas sobre o funcionamento de um organismo (p. ex., hormônios, feromônios, vias moleculares, fisiologia, anatomia) e como elas afetam o cérebro, eliciando um comportamento, emoção ou transtorno e vice versa. É aqui que psicoterapeutas, psiquiatras e neurocientistas estão focados.
A segunda diz respeito ao histórico e a experiência do indivíduo (i. e., traumas, aprendizagem, condicionamentos) e exige explicações desenvolvimentais e a observação das mudanças e interações no decorrer da vida, incluindo períodos críticos de imprinting ou aquisição linguística, “aprendizagem tendenciosa”, maturação, integração sensorial/motora e como a experiência modula, via plasticidade, o cérebro em desenvolvimento. Os psicólogos propriamente ditos trabalham aqui.
A terceira questão refere-se à função adaptativa (fitness) do comportamento para a sobrevivência e reprodução e pode ser vista em algum traço populacional que possua um ótimo na resolução de um problema à perpetuação genética, seja em ambiente ancestral ou atual. É aqui que os antropólogos evolucionistas e ecólogos comportamentais, também chamados de sociobiólogos, mais frequentemente trabalham.
Por fim, a quarta questão refere-se à história filogenética da espécie. Aqui entra o histórico evolutivo de uma dada população ao longo de várias gerações e de outras populações sob condições semelhantes. Essa questão é similar à primeira e a segunda, mas o foco está não na resposta individual durante a experiência de vida e sim na resposta populacional diante da experiência ecológica, social e geológica – fatores que selecionaram tendências comportamentais individuais, sociais e motoras idade-específicas exibidas hoje. É desse nível que etólogos e psicólogos evolucionistas mais dependem.
Se o behaviorismo diz X, a psicanálise diz Y, a psicologia piagetiana Z e a psicologia marxista Q, alguém tem que estar errado. É verdade que uma metateoria baseada na teoria da evolução não tornaria todos corretos ao mesmo tempo; pelo contrário, tornaria muitas dessas abordagens pseudociências, o que é verdade para boa parte delas e um desafio a muitos de seus fãs.
De um jeito ou de outro, fazer psicologia é fazer psicologia evolutiva. O sistema nervoso humano foi esculpido pelos mesmos processos que forjaram todos os outros sistemas biológicos e é impossível compreender plenamente um sistema biológico sem o suporte das leis da variação, hereditariedade, seleção e adaptação.
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