16/05/2024
Por gostar muito de cinema e achar que pode servir para refletir, penso hoje sobre o filme Cisne Negro (Black Swan) realizado por Darren Aronofsky.
Para quem não viu e de forma muito resumida, o filme tem como personagem principal a bailarina Nina, convidada a participar na produção da peça Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky. Para isso, tem de interpretar o Cisne Branco - delicado, inocente e fragil, mas também o Cisne Negro - obscuro, provocador.
Ao longo do filme surgem temáticas do foco excessivo na perfeição e consequente medo de falhar: para não perder o papel, a personagem principal coloca-se numa posição de contínuo desconforto para alcançar o que ela considera ser perfeito, até se levar ao limite.
Ao mesmo tempo, vemos o relacionamento com uma mãe muito protetora, que possivelmente projeta na filha, também ela, um rigor enorme no seu desempenho e padrões excessivos de trazer a perfeição no que faz.
Para além destes temas que surgem como obstáculos rumo ao sucesso da personagem principal, há um conceito que tenho muito em mente quando vejo o filme - o conceito de sombra/shadow self.
Este conceito, falado por Jung é, de forma muito resumida, uma parte do nosso self que contém todas as experiências, emoções e características que consideramos inferiores e pouco aceitáveis em nós (por exemplo luxúria, ganância, inveja). Às vezes, por ser tão reprimido, o nosso lado sombra pode nem ser consciente e acharmos que não existe em nós. Mas ele está presente no nosso humor, nos nossos comportamentos verbais e não verbais, e também acaba por surgir nos aspetos dos outros que nós não aceitamos - como um espelho daquilo que também não aceitamos em nós. Quanto melhor conhecermos este nosso lado, mais fácil é acolhê-lo e integrá-lo no nosso self.
Dito isto, sinto que há uma exploração deste lado sombra no filme (representado pelo dito cisne negro) da personagem Nina que tenta, gradualmente e de uma forma não consciente, trazer ao de cima as características que a tornarão naquilo que ela aspira ser, de forma a encaixar perfeitamente no papel que desempenha. O desafio pode ser gerir este shadow self que rejeitamos - Como não o tentamos conhecer e estar em contacto com esse nosso lado, podemos criar um medo e negação do que lá está. Quais os custos que isso acarreta? Como trazer este lado obscuro ao de cima, integrando-o com o nosso lado mais puro?