19/11/2025
E é precisamente aqui que, enquanto sociedade, temos de parar e olhar de frente para aquilo que estamos a permitir que aconteça. Décadas de trabalho especializado, de formação exigente, de conhecimento acumulado e de experiência rara estão a implodir diante dos nossos olhos, e estamos a reagir como se fosse apenas mais um episódio do quotidiano, como se amanhã tudo pudesse voltar ao normal por magia.
Neste país continuamos muito preocupados com os resultados do futebol, com polémicas inúteis e com distrações mediáticas que nada acrescentam. Entretanto, os nossos direitos fundamentais, incluindo o direito elementar a cuidados de saúde especializados, seguros e qualificados, estão cada vez mais precários. E enquanto discutimos trivialidades, noutros países a evolução continua, as equipas crescem, os serviços especializam-se e a saúde avança. Aqui, assiste-se ao contrário: desinvestimento, desarticulação e destruição lenta do que levou gerações a construir.
Com tantos gestores, administradores, cursos de liderança, de team-building, qualidade, gestão de conflitos, blá, blá, blá!!! é legítimo perguntar se alguém ainda sabe ler a realidade, interpretar indicadores, assumir responsabilidades ou, simplesmente, lembrar-se do objetivo mais básico de toda esta estrutura: tratar do doente. Hoje, esse objetivo está a ser atropelado. Razões que ninguém explica e decisões que ninguém assume estão a ser sistematicamente colocadas acima do essencial, a vida humana.
A taxa de mortalidade infantil é, em qualquer país civilizado, o marcador mais sensível de qualidade, justiça e eficiência do seu sistema de saúde. É com esse indicador que somos comparados internacionalmente. É esse dado que mostra se estamos a progredir ou a regredir. E, se continuarmos neste caminho, arriscamo-nos a assistir a algo que julgávamos impossível nas últimas décadas: um retrocesso estrutural que nos empurra para níveis de risco e vulnerabilidade dignos da Idade Média.
Talvez precisemos mesmo de bater no fundo para acordar, para reencontrar o foco, para recuperar a humildade que é tão necessária a quem segura as rédeas do SNS e decide o futuro da saúde das crianças portuguesas. Porque o que estamos a viver não é uma mudança pontual, é um colapso anunciado.
O que está em causa não é apenas uma escala que não se consegue fazer.
É a saúde de recém-nascidos, é a segurança das famílias, é o futuro da Neonatologia e da Cirurgia Pediátrica em Portugal.
Se deixarmos cair estes serviços altamente diferenciados, serviços que não se improvisam, que não se substituem e que não se recuperam facilmente, estaremos a aceitar que cada cidadão fique por sua conta. Estaremos a legitimar um sistema onde “salve-se quem puder” deixa de ser um aviso e passa a ser a realidade nua e crua. Resta saber qual será o próximo serviço a desaparecer…
E isso, num país que se pretende moderno, estável e justo, é simplesmente inadmissível.