14/12/2023
Há dois grandes momentos em que percebemos quem são os nossos verdadeiros amigos. Aprendi isto muito cedo, há muitos anos, por experiência própria, e fui depois assistindo com outras pessoas, sendo tema recorrente em consulta.
Mas geralmente só se fala de um destes momentos.
Fala-se muito que é nos momentos difíceis que vemos quem são os nossos amigos. E sim, também.
Quando estamos numa fase em que não somos uma companhia espectacular. Quando não temos dinheiro para acompanhar amigos nas coisas que vão combinando e eles não têm o cuidado de se ajustar. Quando as nossas circunstâncias mudam e percebemos que afinal essas circunstâncias eram a verdadeira cola e não a amizade em si.
Mas há outro momento em que percebemos quem são os nossos verdadeiros amigos. E é nos momentos bons e na felicidade. Não é só nos momentos difíceis. Porque por vezes é mais fácil ser-se amigo de quem não está bem do que amigo de quem está bem. Por vezes, a felicidade do outro incomoda muito mais e gera reacções e comportamentos muito incoerentes com uma amizade.
Eu não consigo abrir-me e ser natural quando sinto que não f**am felizes comigo e por mim. E por vezes é algo que se sente com muita intensidade, mesmo quando nada é dito ou verbalizado. São expressões, são silêncios, são desconfortos que recebemos com muita nitidez, são palavras que denunciam. Vai-se acumulando, vai minando a relação. É delicado porque abordar coloca-nos numa posição difícil.
Quem é que vai assumir que não consegue f**ar feliz por nós? Mas não abordar também tem o seu efeito implícito, mesmo que consigamos perceber que na realidade aquilo não tem a ver connosco, tem a ver com o outro e com questões suas.
A tolerância, a compreensão, a normalização da imperfeição, também faz parte da amizade. O deixar passar, entendendo que geralmente não é contra nós. Mas também temos o direito de nos ressentirmos. Também é legitimo, por mais que racionalmente consigamos perceber, não querermos estar rodeados de quem f**a defensivo, critico, ambivalente no trato e visivelmente incomodado com o que nos corre bem. Sobretudo quando nos é fácil f**armos felizes pelos outros, nomeadamente até em coisas que sabemos que nunca vamos alcançar. E é fácil porque já valorizamos muito o que temos na vida, mesmo que seja aparentemente "menos" ou mais dificultado. É a nossa história, que honramos.
Todos temos fases melhores ou piores na vida. Calha a todos. A vida não é uma competição, embora ainda sejamos educados para tal. Hoje estamos bem e um amigo pode estar menos bem. Então ajudamo-lo. Hoje estamos mal e um amigo pode estar muito bem. Então, pedimos ajuda. Hoje estamos ambos mal e carpimos mágoas mutuamente. Hoje estamos ambos bem e festejamos.
Ninguém está por cima nem por baixo, ninguém é melhor ou pior. Vamos todos acabar no mesmo sítio.
Aprendi que estas coisas nunca devem ser cobradas. Podemos falar sobre o que não concordamos e o que nos magoa, mas em última instância somos nós mesmos que devemos saber gerir, processar, assumir a responsabilidade do que fazemos com isso.
Se percebemos que alguém, afinal, não é um amigo tão próximo como julgávamos, então devemos simplesmente aceitar, "libertar" a situação, entender que faz parte da vida e que ninguém é obrigado a nada nem nos deve nada. Cada um tem a sua história, os seus motivos.
Na verdadeira amizade, não há espaço para cobranças nem exigências. As coisas devem ser naturalmente fluidas e fáceis e temos sempre o poder de decidir se nos faz ou não sentido continuarmos a relacionar-nos com aquela pessoa ou com que regularidade, de que forma, em que grau de expectativas.
Resumindo, é isto. A amizade é nos maus momentos e nos bons momentos. Ao longo da vida. Algo que só passado muito tempo, uns bons anos, é que adquire ou não esse estatuto na nossa vida. Conta-se pelos dedos. Mas são um pequeno número precioso. E a sensação de f**armos felizes por um amigo e deste f**ar feliz por nós, nas coisas boas, é das coisas que mais nos aquece o coração.