19/06/2025
Nas minhas veias corre um rio antigo, feito de carne, silêncio e legado. Cada gota do meu sangue guarda nomes que foram gente, mãos que trabalharam até à exaustão, olhos que choraram perdas e sonharam futuros melhores, passos que cruzaram montes, vales e oceanos para que eu aqui existisse.
Sou Abbade, Alberto, Almeyda, António, Antunes, Arraes. Sou de famílias que souberam resistir ao frio das serras e ao calor das injustiças.
Sou Baptista, Barbaças, Bento, Bernardes, Braz. Herdei a ternura que sobreviveu ao luto, ao medo e à ausência.
Sou Cabete, Carreira, Carvalha, Cassão, Cigano, Chouriço, Coelho. Nomes nascidos do povo, da terra e da liberdade. São raízes de gente que se levantou da pobreza com dignidade, mesmo quando o pão escasseava e o trabalho era duro.
Sou da Cunha, de Abreu, de Figueiredo, de Freitas, de Jesus, de Lima. Descendo de sobreviventes de pestes e epidemias, de mães que enterraram filhos, de homens que voltaram da guerra com o silêncio nos olhos.
Sou da Motta, da Silva, Dias, Domingues, Duarte, Esteves. Sou filha de gerações que viveram o peso das invasões, dos reis distantes e da fome partilhada nas aldeias.
Sou Fajardo, Fernandes, Ferreira, Ferreiro, Francisco, Fonseca, Freitas, Gaspar, Gomes, Gonçalves, Grasina, Grillo. Sou feita da força dos que cruzaram o Atlântico em navios frágeis, de quem emigrou em busca de pão e voltou com saudade, ou nunca mais voltou.
Sou João, Jordão, Jorge, Lains de Aguiar, Lopes, Luís. Sou marca de um país pequeno em tamanho mas imenso em memória. Portugal, com as suas batalhas, recessões, impérios perdidos e sempre, sempre, a esperança.
Sou Machado, Maricato, Marinheiro, Marques, Martins, Mendes, Menezes, Monteiro, Moreno. Gente que soube amar na miséria e rezar na adversidade. Gente que sabia calar para proteger e agir quando já não havia tempo para hesitações.
Sou Neta, Neves, Olaio, Pardal, Pedrosa, Perdigão. Sou herança das ceifas, das migrações internas, das noites à luz de candeia, das roupas gastas por gerações de mãos calejadas.
Sou Pereira, Pires, Quinta, Rabialvo, Ratinho, Relveiro. Sou memória que ficou nas paredes de casas de pedra, em cartas dobradas, em histórias que quase se perdiam se não fosse esta procura.
Sou Rodrigues, Salgueiro, Santo, Santos, Simões, Telheiro, Teotónio, Thome, Vaz. Sou feita de migração — de famílias que se moveram entre o campo e as cidades, e também de quem cruzou fronteiras, fugiu a ditaduras, ousou começar de novo noutra língua e noutro chão.
Sou todos. Carrego no corpo e na alma o peso invisível de séculos cruzados. Não sou feita de enfeites ou ornamentos: sou feita de marcas de trabalho, de promessas guardadas no silêncio, de mãos que repetiram gestos milenares para fazer sobreviver os seus.
A genealogia ensinou-me que a identidade não é visível à primeira vista — é o pulsar antigo que se ouve quando o mundo está em silêncio. É o reconhecimento íntimo de que cada nome que trago é uma vida vivida, uma dor carregada, uma esperança passada de geração em geração.
E esta busca ainda não terminou. Ainda sigo, com reverência e chama acesa, atrás das raízes que me faltam — guiada pelo nome que carrego com alma e honra: Lains de Aguiar.
Sou feita de nomes. E os nomes, esses sim, sabem exatamente quem eu sou.