12/01/2020
Como uma ou um auxiliar de acção medica / assistente operacional / técnico auxiliar de saúde, que sou, irás ver-me a fazer certas situações e imediatamente me irás julgar. Irás olhar-me de soslaio e pensar em mim apenas como alguém que trabalha com fluidos corporais de outrem e que serve copos de chá.
Irás perguntar te, como consigo eu sair de um quarto e instantaneamente entrar noutro, esquecendo por vezes da manta que provavelmente prometi ao teu familiar ou ao copo de água que fiquei de trazer, por estar "distraída"(o) por outra situação qualquer.
Irás perguntar-te porque é que passei perto do quarto do teu familiar e não entrei, o porquê de algumas pessoas serem tratados antes do teu ente querido, e provavelmente irás chamar-me vários nomes em tom mudo enquanto esperas.
Irás pensar como é que eu tenho tempo para me sentar e escrever situações num caderno ao invés de arranjar e preparar tudo o que há para ser preparado, imediatamente.
Irás perguntar-te como é que em circunstância alguma posso estar a rir-me com uma ou um colega, já que achas que não é o sitio apropriado.
Assim que entro no meu turno, olhas para mim, e os teus olhos dizem que queres a minha ajuda, e certamente não entendes porque não o posso fazer logo de imediato.
Mas essa é a melhor parte. Se tiveres sorte nunca irás ver isso. Nunca irás entender.
Nunca me verás perder. Nunca me verás tirar as minhas luvas suadas e dizer adeus a alguém de quem cuidei por meses ou mesmo anos.
Nunca verás o peso que carregamos para casa. Por minutos, horas, dias ou semanas. Por vezes para o resto da vida.
Nunca verás a cara dos nossos filhos quando lhes damos um beijo e saímos à porta no dia de natal, um fim de semana, uma tarde, uma noite para que possamos dar um dia especial ao teu familiar.
Nunca verás o nosso coração partir e doer com a partida de alguém de quem cuidamos e daqueles que continuam a lutar.
Nunca verás as nossas mentes quando incansavelmente pensamos e repensamos cenários, perguntando a nós próprios se haveria algo que poderíamos ter feito melhor.
Nunca nos verás dar a notícia (novamente), que o marido ou esposa de um utente, de quem estiveram casados por muitos anos, faleceu, porque a doença os faz esquecer
E também não nos verás a conforta-los enquanto eles choram.
E eu estou bem com isso. Não faz mal que não vejas essas situações. É o meu trabalho não o teu. O meu amor pelo serviço está sempre presente para que a tua relação com o teu familiar continue igual a antes. Para que não tenhas que ser um cuidador. Eu faço esse papel por Ti.
De qualquer forma, sou honesta (o), por vezes gostaria que pudesses entender o porquê de o teu familiar estar à espera. Há vezes que gostava que entendesse a diferença entre urgência e emergência. É de certeza que por vezes gostaria de ser transparente o suficiente para te dizer que quando o teu familiar parte, também nos dói muito.
Da próxima vez que te cruzares com um cuidador, não te esqueças de apreciar o seu trabalho. E lembra-te que somos bem mais do que limpa-rabos.
Trabalhamos arduamente e o mais rápido que conseguimos e mesmo assim, grande parte dos dias não é suficiente.