06/06/2025
Em alguns momentos é preciso abrir mão de coisas que possuímos para ter outras, escolher às vezes nos implica perder algo, para ganhar em outro campo.
Recentemente fiz uma cirurgia, um enxerto, onde tirei pele de um lugar para por em outro e isso me fez pensar, como isso me soou contraditório, tive que perder para ganhar e evitar um dano maior a minha saúde, fiz uma questão sobre isso e levei para minha análise, a imagem desse vaso quebrado e reconstruído me veio a mente, fui pesquisar sobre e vi que é uma tradição japonesa de reconstrução de cerâmica.
Fiquei pensando que em nós existem tantas marcas e as preenchemos de diversas formas, uma fresta que representa uma falta, na minha pele foi feita uma sutura, ficou uma cicatriz, em nosso psiquismo essas marcas se revelam por meio de traumas, sintomas ou o que também chamamos de sofrimento, por vezes tentamos eliminar o sofrimento, mesmo que ele faça parte do processo, tem momentos que não é possível evitar, mas atravessar de uma outra forma, talvez essa reconstrução seja uma delas.
Estar diante do real, da falta escancarada é extremamente angustiante, porque nos coloca diante de nossa castração, da nossa incapacidade, mas nós não queremos saber disso, tentamos fazer de conta que somos completos e buscamos diversas formas de nos fazer sentir completos e algo do corpo, do real que desafia, tanto que é difícil nomear, extrapola as palavras é de uma extrema angústia e assim seguimos buscando contornar, adornando ou enfeitando essas rachaduras, essa falta, mas que vale dizer, não dá para negá-la, ela está lá.
Uma sutura, um remendo, um laço, uma cola, um abraço, uma escuta podem ser, trazer, ou fazer formas novas, podem dar novas formas a algo fraturado, mesmo que ali reste uma marca, pois sempre há um resto e é do resto que se faz algo.
A marca do que já foi, do que passou, e a nova marca, do que pode ser daqui em diante.
Karine Murara
Psicanalista