08/08/2024
Ouvi essa frase em uma vídeo-aula de psicanálise. O professor falava do que chamamos na teoria de "ego ideal", uma instância psíquica que decorre dos ideais de perfeição dos pais que introjetamos, e tanto buscamos com o objetivo de corresponder às expectativas. Acho curioso o quanto parece que essa frase foi retirada de algum poema ou conto.
Essa frase conversa comigo; eu presumo que ela pode conversar com você também. A gente adoece psiquicamente quando ficamos presos em alguma idealização; "se não for assim, eu nem quero". Adoecemos quando não admitimos outra ideia a não ser àquela perfeita de si mesmo, que pode ter origem lá na infância, mas que permanece até hoje. Contribuímos para que ela permaneça. Temos responsabilidade nesta prisão; porque, afinal, quem nos tirará dela a não ser nós mesmos?
É de se apaixonar mesmo esse eu perfeito, que não falha nenhum dia, que se alimenta bem, que estuda bem, que trabalha bem, que compra bem, que se relaciona bem, que vive bem. Só que o apaixonamento, como diria Ana Suy, não pressupõe a existência do outro, da alteridade, do que eu odeio. Quando nos apaixonamos, idealizamos o que vemos de nós nos outros. Quando nos apaixonamos pela idealização de uma ideia de si mesmo, podemos não ver o que é mais autêntico do nosso mundo interno, o eu real.
E o eu real falha. O eu real, por mais que procure negar a raiva, inveja e ciúme, sente dor de cabeça. Toda vez que explode, que se esquece, se frustra. Toda vez que se alimenta mal, que estuda mal, que trabalha mal, que compra mal, que se relaciona mal, que vive mal. Mas é o eu real que é capaz de amar; porque quando amamos, também odiamos. Quando amamos, nos aproximamos do que tem dos outros nos outros. Quando amamos o eu real, também o odiamos; aí o eu perfeito pode até sentar pra conversar, mas logo enxergamos o quanto nos faz bem permitir que o eu real tenha cada vez mais espaço dentro de nós.