09/10/2024
A SENHORA DOS ESPÍRITOS
O caso é bem antigo, lá do começo da década de 1980, no milênio passado! Programação Neurolinguística era ainda algo muito novo por aqui. Conhecíamos pouca coisa, o “Metamodelo de Linguagem”, a “Mudança de História Pessoal” e o “Reenquadramento em Seis Passos” que nos deixavam muito admirados por seus resultados. O “Squash Visual”, o “Acordo entre Partes” e as coisas mais avançadas, como as Submodalidades, as Estratégias e os Metaprogramas ainda não tinham espaço em nossa caixa de ferramentas.
A cliente, vamos chama-la de Carmem, veio a mim trazida por seu marido, com o diagnóstico não muito promissor de Esquizofrenia. A atitude amorosa do marido e sua resposta afetiva não falavam a favor de psicose e ela entrou sozinha ao consultório, deixando o marido na sala de espera. Em um início de interação meio difícil, ela acabou informando (o que eu já sabia pela pessoa que a encaminhou a mim) que era médium de um centro espírita Kardecista e que, literalmente, virou a mesa em uma sessão muito tumultuada e que passou a ser considerada louca a partir daí, pois enlouquecia a cada vez que tentava participar da mesa. O psiquiatra havia recomendado que ela não mais participasse dos trabalhos espíritas e que ela fosse internada para tratamento. Acrescentou que não deveria falar do assunto, de acordo com a recomendação do médico. Diante disso, disse a ela que eu f**aria em uma situação difícil, por causa do meu desconhecimento do espiritismo e perguntei-lhe, meio constrangido, se ela me indicaria alguém ou algum material de estudo em que eu pudesse buscar orientação.
Acho que foi meu interesse genuíno pelo tema que despertou nela intenso entusiasmo e ganhei dela uns 50 minutos de explanação sobre a doutrina espírita, uma verdadeira aula. Depois falou de quanto um espírito da escuridão pode prejudicar as pessoas e até as instituições, por pura maldade, citando seu próprio caso como exemplo. (Nesse ponto ficou bastante claro para mim sua fluência verbal e agilidade mental e seu bom contato comigo e com a sua própria realidade, o que em nada sugeria aspectos de doença mental).
Eu mesmo não acreditava muito em espíritos do mal e, pensando em utilizar o reenquadramento em seis passos, resolvi experimentar uma forma elegante de encaminhá-la para alguma intensão positiva, sempre possível no tipo de perturbação descrito por ela nas sessões tumultuadas. Busquei apoio na ideia da universalidade do Princípio da Intenção Positiva: disse a ela que não acreditava que existissem espíritos que fossem essencialmente do mal, uma vez que, se eles não tivessem pelo menos uma semente do bem, não seria possível que eles se desenvolvessem. Ela tentou discordar de mim, o que foi meio difícil para ela, já que eu estava usando argumentos da própria ideia de evolução dos espíritos das trevas para a luz que ela tão bem colocou para mim. Consegui coloca-la em dúvida, até que ela admitisse que a gente pudesse perguntar ao espírito qual seria sua boa intenção ao tumultuar a sessão. Ela perguntou se eu teria coragem:
Não é que eu não tenha medo, respondi. É que precisamos saber. Pergunte a ele o que ele quer fazer de bom por você, quando ele perturba a sessão.
Os olhos dela se moveram para baixo e fecharam. Em alguns segundos, uma voz grave e vibrante deu a resposta:
“É para evitar que ela enlouqueça!”
Levei um susto com a resposta e logo verifiquei, pela minha experiência com hipnose, que ela estava em transe. “Você pode me explicar isso melhor?”, perguntei.
“Explico: ela não f**a bem com muitas vozes falando ao mesmo tempo no pensamento dela”.
“Entendi: a intenção é protegê-la, você concorda?” Ela fez que sim com a cabeça.
Ela havia mencionado seu guia de luz na explanação acima. “Pergunte ao seu Guia de Luz se ele quer comunicar-se conosco, em consciência”. Ela olhou para cima, levantando a cabeça, e uma voz aguda e quase musical respondeu que sim. Agradeci (obrigado por querer comunicar-se conosco) e perguntei se ele poderia gerar três novos caminhos para que ela pudesse trabalhar e f**ar segura (protegida), sem ter que perturbar a sessão.
“Sim, ela não deve trabalhar onde houver mais de sete pessoas; não deve trabalhar doente; não deve trabalhar debilitada nem menstruada”.
Quem tiver aprendido PNL pode verif**ar facilmente os passos do reenquadramento em seis passos. Basta ler “Parte” onde estiver escrito “Espírito”. Faltava a verif**ação ecológica:
“Pergunte a todos os espíritos aqui presentes se algum deles tem alguma objeção, ou preocupação, ou mesmo alguma observação em relação aos novos jeitos sugeridos pelo Guia de Luz”.
Uma discussão acalorada teve início, com uma voz comunicando, em tom de reclamação que a médium não deveria perder o prestígio que tinha na comunidade e que seria um absurdo ela não poder participar da assembleia, enquanto outra voz dizia que ela poderia muito bem trabalhar com as pessoas uma a uma. Uma discussão incompreensível tomou conta dela e eu tive que interromper aquilo falando alto e batendo palma. Consegui propor uma experiência que, de acordo com o que eu pude entender da discussão seria a mais segura: ela deveria atender as pessoas uma a uma e deveria evitar a sessão plenária por três meses e, então, voltar com uma verif**ação.
Ela voltou três meses mais tarde, saudável e feliz. Relatou que passou a dar passes às pessoas individualmente e que havia fila de pessoas que buscavam aconselhamento.
Pude acompanha-la por mais uns 5 anos, através do marido que sempre voltava pelo fim do ano com algum presente e dava boas notícias dela. Segundo ele, eu seria grande médium!
Em minha opinião não-espiritualista, Carmem seria uma pessoa especialmente sensível que, quando em transe, perceberia o diálogo interno das pessoas. Se houvesse muitas pessoas presentes, ela f**aria confusa com percepção de pensamentos negativos numerosos na plateia. Ela poderia processar bem com um número de até 7 pessoas... Mas a verdade mesmo é que prefiro compreender aqueles fatos como normais e ao alcance da técnica que foi tão útil. Mauricio Tocafundo