14/11/2024
O filme impacta em tantos níveis diferentes que é delicado decidir por onde começar. E ele trabalha com diferentes níveis também, com nuances, entrelinhas, perspectivas... existe mais ali do que aparece.
Pensei em fazer um vídeo falando algo, mas pareceu um desrespeito diante da profundidade do filme, da solenidade da história. Na verdade fizeram um vídeo de mim, antes e depois da sessão, e eu me surpreendi ao ser capaz de rir em meio à lágrimas. Como é possível rir diante de uma humanidade tão cruel? Então lembrei do filme e pensei: sorriam! "Sorriam!" Vamos sorrir, sim. Sorrir é mostrar que existe vida, "ainda estou aqui" vivendo, sendo capaz de sorrir apesar de toda dor. Sorrir é resistir, é viver apesar dos silêncios aniquiladores de subjetividade.
A atuação de Fernanda Torres, que me fez sentir e perceber tanta coisa sem precisar emitir uma palavra... os olhares, cada músculo do rosto dela disseram, e gritaram... aquele grito mudo, o choro preso na garganta que ela fez virar potencia, movimento: poder a quem não tinha nenhum.
[SPOILERS A SEGUIR]
Da mesma forma que fez sua personagem, o momento em que Nice comunica aos filhos que vai voltar pra faculdade foi icônico pra mim: a inteligencia estratégica de uma mulher que percebeu, para além do luto que enfrentava, o pouco poder que tinha sem um marido que assinasse seus saques na conta bancária, uma mulher que precisou ser forte para que os cinco filhos pudessem respirar tranquilos. Uma mulher - apesar disso - privilegiada, que tinha bens pra vender, alugar, que tinha família a quem recorrer; uma mulher que usou de seu privilégio e de sua dor pra construir possibilidades - de luta, de direito pela própria vida e de outros também.
Também vejo no filme um retrato do impacto da palavra escrita - tal como de sua ausencia. Junto aos silencios gritantes: as cartas entregues sem alarde, os olhares emudecidos. A ferida aberta, deixada pela verdadeira censura - a que invisibiliza vidas.
***contiuação nos comentários***