16/06/2025
Bets: compulsão por jogos vira problema de saúde pública
Por Arthur de Souza
Um dos mercados mais polêmicos do país, as apostas esportivas e os cassinos on-line movimentam mais de R$ 20 bilhões por mês no Brasil. Em 2024, cerca de 22 milhões de brasileiros fizeram pelo menos uma aposta nessas plataformas. Especialistas ressaltam que essa compulsão pode ser tratada como um problema de saúde pública. Nos últimos dois anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou uma média de 1,2 mil atendimentos ambulatoriais relacionados a transtornos do jogo — 1.290 em 2023 e 1.263 em 2024. De janeiro a abril deste ano, foram 271 atendimentos, segundo o Ministério da Saúde (MS)
Para Carlos*, 28, morador de Vicente Pires, o que começou como entretenimento e diversão terminou com descontrole e dívidas. "Conheci o mundo das apostas esportivas por meio de alguns amigos, no fim de 2019. No começo era divertido, e eu achava que podia ser uma fonte de renda extra", lembrou. Carlos percebeu que a diversão havia se transformado em vício quando contraiu dívidas e viu que o jogo estava afetando o relacionamento com a esposa (agora ex), familiares e amigos.
Ele calcula que perdeu cerca de R$ 140 mil em apostas. "Isso por baixo. Pode ter sido bem mais", relatou. "Cheguei a pedir o salário da minha ex-esposa para apostar, com a promessa de que devolveria, mas perdi tudo", lamentou. Antes da separação, o morador de Vicente Pires foi incentivado pela ex e por familiares a procurar ajuda médica. "Fiz acompanhamento, tomei medicação para controlar a ansiedade, mas, após um tempo, voltei a apostar", confessou.
Desequilíbrio
Leandro Freitas Oliveira, neurocientista e professor de psicologia na Universidade Católica de Brasília (UCB), acredita que o vício em apostas é um problema de saúde pública. "Sobretudo pela capacidade de se disseminar entre jovens e adultos vulneráveis, impulsionado por algoritmos, plataformas digitais e propagandas que romantizam o jogo como estilo de vida", explicou.
Para ele, o vício não atinge apenas o indivíduo. Desestrutura famílias, compromete o desempenho escolar e profissional e sobrecarrega os sistemas de saúde e assistência social. "Estamos diante de um problema que apresenta uma alta prevalência, baixa taxa de percepção de risco e uma escassa oferta de tratamento especializado", completou.
De acordo com o especialista, o vício em apostas afeta a saúde como qualquer outra dependência: de forma sistêmica, silenciosa e progressiva. "O cérebro de uma pessoa com comportamento adicto apresenta um desequilíbrio funcional entre áreas responsáveis pelo impulso e aquelas responsáveis pelo autocontrole", comentou. "Como resultado, há uma redução da capacidade de resistir à tentação, mesmo diante de prejuízos claros. As apostas deixam de ser uma fonte de prazer e passam a ser uma necessidade angustiante", acrescentou
Suporte
Do ponto de vista cerebral, o que separa o lazer da doença é o grau de controle que o indivíduo tem sobre seu comportamento, explica Leandro Freitas. "Quando alguém aposta de forma eventual, por diversão e, principalmente, com consciência dos riscos, é um comportamento recreativo", assinalou. "Quando o ato de apostar passa a ser motivado por uma necessidade interna urgente, associada à ansiedade, impulsividade, agressividade e perda da noção de limites, é preciso ligar o sinal de alerta", ponderou o especialista.
Ele apontou que os sinais de que o comportamento está caminhando do entretenimento para o vício aparecem, geralmente, de forma sutil e indicam que o cérebro pode estar preso a um ciclo de dependência, momento em que é preciso buscar ajuda (leia Atenção aos sinais do vício).
O neurocientista ressaltou que é possível sair do vício. "O cérebro é 'plástico', ou seja, tem a capacidade de reorganizar seus circuitos, mesmo após períodos prolongados de comportamento compulsivo", esclareceu. "Esse tipo de reabilitação exige intervenções específicas e suporte estruturado. O tratamento mais eficaz combina atendimento psicoterápico, apoio familiar e, em casos mais graves, medicação para sintomas associados, como depressão, ansiedade e impulsividade", acrescentou.
Segundo o Ministério da Saúde, o SUS oferece cuidados em saúde mental para pessoas com transtorno do jogo. Os atendimentos especializados são ofertados na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), com base na Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Dr**as. Tanto a Atenção Primária à Saúde (UBS, e-Multi) como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), em todas as suas modalidades (CAPS I, II e III, CAPSad, CAPSi), podem acolher pessoas com necessidades decorrentes do jogo. No DF, de acordo com a Secretaria de Saúde, são 18 CAPS, e o acesso é por demanda espontânea, sem necessidade de encaminhamento para ser acolhido no serviço.
Sinais de vício
Mentir sobre o tempo ou o dinheiro gastos, negligenciando compromissos importantes e, mesmo diante de prejuízos financeiros e emocionais, continuar apostando;
Ter o hábito de apostar está tirando sua capacidade de decisão;
Apostar para aliviar emoções negativas, como ansiedade ou frustração;
Sentir irritação ao ficar sem apostar;
Tentar parar e não conseguir.
Fonte: Leandro Freitas Oliveira, neurocientista e professor de psicologia na UCB
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