02/04/2020
A história do Pássaro e o Medo
A minha história.
Gosto muito de animais, vejo cada um deles como criações divinas e, se creio que somos todos um só, também sou uma com esses animais.
Sempre fui uma pessoa amorosa e, inclusive, escondi isso por muito tempo em algum lugar dentro de mim, como um tesouro a ser protegido.
Cresci acreditando que demonstrar sentimentos era uma fraqueza, para isso temos um nome na Psicologia: "Crença Limitante" - quando acreditamos em algo que nos limita e não é, necessariamente, uma verdade a não ser para quem acredita nisso.
Mas sempre fui o que se dizia uma "criança chorona", hoje diria: uma pessoa sensível. Eu sou aquela que chora com filmes, aquela que chora com a maldade humana com os animais.
Eu também sempre gostei de animais, mas ao mesmo tempo, sempre fui uma criança medrosa. Sempre tive medo de tudo, principalmente, de sentir dor.
Hoje ainda tenho medo de sentir dor, mas quem não tem, não é mesmo? Mas hoje aprendi que precisamos deixar nossos medos para não cairmos no aprisionamento dos nossos sentimentos, do nosso lado amoroso e generoso e no egoísmo.
Aconteceu uma situação comigo bastante interessante e, também, triste: presenciei a morte de um passarinho ontem. Na verdade, já comecei o dia ontem vendo um post no Facebook sobre pessoas que são maldosas com cães, aquilo me enraiveceu profundamente e a primeira reação foi o pensamento de que gostaria que tais pessoas recebessem à altura do que fazem como punição e consequência. Em um segundo momento, parei para analisar que rebaixar meu nível de amor para o nível de ódio não faria sentido, coloquei a empatia em prática e me coloquei a rezar pedindo que o coração das pessoas maldosas sejam tocados pela luz do amor.
Pouco tempo depois, enquanto brinco com meu cachorro ocorreu o fato de um passarinho bater no vidro da minha casa e, surpreendentemente, ele não morreu, acredito que tenha machucado as patas. Aquilo partiu meu coração!
Eu não sabia o que fazer, como cuidar dele e, inclusive, me veio o medo de machucá-lo. Medo, o tempo todo. Como o medo pode sobrepor o amor, não é verdade? Quantas oportunidades deixamos passar batidas pelo simples fato de sentir medo de não saber lidar, não dar conta ou ser julgada?
Se, para muitos, cuidar de um pássaro com destino certo de morte é inútil, para mim é ato de amor à mim mesma, amor a natureza, amor ao todo.
Me veio à cabeça de tirá -lo de onde estava para que ficasse seguro e coloquei sobre um jardim, sob a grama. Eu não sabia o que fazer, medo de novo. Por alguma razão, tive medo de me aproximar e ser machucada: não é isso que acontece nos dias de hoje?
Eu o deixei lá até que pensasse em algo, como lidar com a situação? Eu não poderia curar suas patas, mal sabia o que se passava. Me senti impotente. Ele passou lá o dia todo e, de repente, enquanto eu processava tudo... Senti de tentar dar água para ele com um conta-gotas, um pouco de banana amassada numa seringa.
Não sei se fiz o ideal, mas eu senti que deveria alimentá-lo - como eu deixaria ele morrer sob meu olhos? - ele apresentou resistência e eu continuei, ele se debatia inicialmente tentando alçar vôo sem conseguir sucesso. Pacientemente, continuei na tentativa e ele foi cedendo ao perceber que eu atuava mais como uma mãe do que como uma ameaça.
Fiquei feliz por ajudá-lo, o medo foi embora. Ele parecia estar aceitando bem a ajuda, quando sem razão, ele começou a ficar quieto e fechar os olhinhos: estava enfraquecido por passar lá boa parte do tempo, ele morreu.
Fui tomada de uma tristeza inevitável e profunda, choro, não poderia ser diferente. Então eu me questionei sobre como ter tentado alimentá-lo antes poderia ter mudado seu destino, ainda que talvez ele nunca mais voasse...
E o que eu quero dizer com tudo isso?
Bem, o quanto nosso medo pode nos paralisar de ajudar pessoas e mostrar nosso lado amoroso, será que compensa todo esse medo? Se eu só me senti em paz quando eu deixei o medo e fui ajudá-lo, tive a sensação de ter feito todo o possível.
Com isso, vem outro aprendizado. Eu sei que talvez nada que eu fizesse mudaria seu destino, mas eu tentei dar o meu melhor, pois esse pássaro não é apenas um pássaro, é uma parte de mim e do todo, da natureza. E eu acho que é isso a quarentena vem nos mostrar: aprendermos a lidar com o que é possível fazer!
No momento sentimos a impotência de não poder sair de casa, alguns não estão a trabalhar ou tiveram suas rotinas completamente modificadas, tendo que lidar com diversas coisas ao mesmo tempo: família, trabalho, consigo mesmo, tudo sem poder de casa.
Na quarentena não há escape, você precisa olhar para si mesmo. Você está sendo chamado a questionar tuas próprias atitudes, valores e prioridades. Você está sendo instigado a olhar sem desviar da sua dor, olhar os seus medos. Não há como fugir de si mesmo.
Será que você está aproveitando esse momento para despertar e se conhecer mais ou está dormindo em casa, dormindo para vida?
Será que está conseguindo exercer empatia e ajudar o outro, até onde é possível? Pois também precisamos cuidar de nós mesmos, não deixa de ser um cuidado com o outro se somos apenas um...
Alguns precisam aprender a se culpar menos, a se julgar menos e compreender que fazemos o que é possível dentro das nossas habilidades. Está tudo bem, não somos perfeitos. Somos humanos que erram e aprendem buscando evoluir, não errar mais.
Outros precisam aprender a fazer mais pelo próximo, ter mais empatia e amor, mais compreensão. Precisam aprender a doar, sem esperar nada em troca. Precisam aprender a pensar coletivamente: cada atitude minha pode afetar o próximo.
De que lado você está?
E, com essa experiência, eu aprendi que eu faço o que é possível e, está tudo bem. Se eu errei agora, na próxima vez eu saberei acolher melhor a dor dos pássaros que precisarem de uma mãezinha substituta.
Psicóloga Grazieli Gonçalves
CRP 08/22474