31/08/2025
Domingo
Acordei sem despertador, com o corpo leve, como se a própria cama tivesse me devolvido o direito de existir sem pressa. O domingo tem esse dom: não me cobra nada, não me empurra para fora de casa com compromissos. Abro a janela e o ar entra diferente — mais calmo, quase cúmplice.
Na cozinha, o cheiro do café mistura-se com o borborinho da família. É nesses momentos que lembro o quanto os dias úteis roubam de nós: a conversa sem hora marcada, a piada sem pressa de terminar. Mais tarde acendo a churrasqueira, ritual sagrado que não precisa de cerimônia — basta o fogo, a carne estalando e o aroma no ar. A cada gole, a cada pedaço partilhado, sinto que a vida se justifica na simplicidade. O jogo do Grêmio - bom ou mau resultado - completa o roreiro.
Mas o domingo tem suas armadilhas. O tempo escorre mais rápido do que devia e, sem que eu perceba, a tarde vai se desfazendo em sombras. A alegria clara da manhã começa a perder o tom, e uma melancolia discreta se instala. O riso diminui, a casa parece mais silenciosa, como se até os móveis pressentissem que a segunda-feira está à espreita. O pôr do sol é o auge desse aperto no peito: o céu se pinta de cores bonitas demais para serem suportadas. É como se a beleza fosse um lembrete cruel de que tudo acaba.
À noite, já sem a fumaça do churrasco, sem o barulho do jogo, o silêncio traz memórias antigas. Volto a ser menino sentado diante da televisão, hipnotizado pelas brincadeiras e bordões antigos de um certo programa da televisão que ecoam dentro de mim como se ainda estivesse no domingo de uma infância distante, quando o mundo era mais simples e o amanhã não pesava. Fecho os olhos e quase acredito que ainda estou lá, comendo bolachas no sofá, sem saber que um dia os domingos se tornariam esse misto de festa e saudade.
No fim, é isso que o domingo me ensina toda semana: a alegria de estar junto e a dor inevitável do tempo passando.