12/06/2024
Me lembro da primeira vez que pisei num hospital psiquiátrico. Era noite, um prédio antigo, meu colega foi me conduzindo por mais de uma porta trancada até entrarmos no salão cheio de pacientes. Um paciente com alguma síndrome psicótica veio ao meu encontro e eu não sabia nem como falar com ele. Mas, senti paz, sim, eu estava no lugar certo.
Na faculdade de medicina eu odiava psiquiatria. Gostava de UTI, cirurgias, plantões, pacientes com câncer. Até eu descobrir, como me disse um paciente esquizofrênico esses dias, que "a doença mental é o pior câncer que existe". Fazendo residência em medicina da família, tive contato com meus primeiros pacientes psiquiátricos, e ouvindo deles coisas como "nunca conheci uma médica como você", "você tem uma luz ao redor de você", "estou vendo uma auréola em cima da sua cabeça", "foi Deus que me trouxe até você; eu ia me matar hoje" e tantas outras coisas, entendi o recado e me rendi: abandonei tudo e, contrariando a expectativa de todos meus colegas e professores de faculdade, fui pra Porto Alegre estudar psiquiatria.
A psiquiatria me humaniza a cada dia. Me coloca em contato direto com o ser humano sem filtros, sem máscaras, sem ter para onde fugir. Sim, o fundo do poço existe e é lá. A psiquiatria me lembra todos os dias de quão pequena, frágil e vulnerável eu sou. Ela me mostra o meu lado mais animalesco e me confronta com todas as minhas hipocrisias e preconceitos do passado - "ah, eu jamais faria isso" - sim, Bruna, você, no lugar dele, faria sim, talvez até pior.
A psiquiatria me ensinou a ser eu mesma, com minhas qualidades e meus defeitos. Não que haja beleza em tê-los, mas também não há vergonha alguma. A psiquiatria me mostrou os meus limites enquanto médica, mas que não há limites na minha pessoa enquanto ser humano que sou e nos recursos que eu posso usar como para aliviar a dor do meu próximo, nem que seja somente um abraço ou um clamor aos céus por uma intervenção divina. A psiquiatria me mostrou que o psiquiatra é médico sim e tem que ser um médico tão médico que ele precisa extrapolar a medicina, abandonar seu jaleco engomado e conhecer muitas outras áreas do conhecimento.
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