
19/04/2023
No mesmo dia em que as portas foram abertas de um consultório a relação floriu com a obstetra que me conheceu ali, escutou o processo da minha perda e trazendo a força do acolhimento me conduziu para o internamento. De mãos dadas aquecemos os corredores gelados de uma noite fria.
Em meio a pensamentos e sentimentos ora turbulentos ora serenos em meio a dor busquei lembrar o quanto nesta gestação foi possível cultivar próximo da fogueira do coração a espiritualidade, a família, amigas, terapeutas e doulas que estavam dispostas a ensinar, acolher e movimentar atenção e amor, me indicaram outras direções e que me confortaram. A realidade da assistência obstétrica precisa ser revista, ab**to também é atenção ao ciclo gravídico-puerperal, sendo importante disponibilizar tempo de atendimento para aquecer este momento. Pois a ausência de presença esfria, irrita e entristece, e útero precisa se manter quente para parir. E durante a recuperação cirúrgica fiquei observando aquilo que já acolhia como doula de relatos: enquanto está acontecendo um luto, uma despedida, um sofrimento, um vazio...no mesmo local está a alegria da chegada, os sons dos primeiros choros, fotógrafos felizes com seus cliques de vida chegando, família recém nascida aprendendo a dar de mamar. E sim, a vida se faz, a felicidade e alegria são presentes, e vibro por todos eles também! Mas há que se repensar na estrutura de como atender mulheres vivendo ab**tos, ter espaços mais isolados para procedimentos que são necessários e de criação de protocolos de acompanhamento e conduta. De se ter clareza de que se está de mãos dadas, é para acompanhar, propor práticas, esclarecer sobre o tempo que o corpo tem, do amparo emocional e até onde é seguro e confortável. Ab**to é parto, é vida pulsando, e também morte, e travessia. É preciso dar-se tempo para o recolhimento e para o luto e principalmente disponibilidade para junto agir.