Fono Edu Borges

Fono Edu Borges Docente em .tuiuti
Pós-doutor (PUC-SP)
Doutor (UNICAMP/Sorbonne)
Bacharel (UNESP)

📚 A expressão "instalar fonemas" é frequentemente usada na fonoaudiologia, mas será que reflete adequadamente os complex...
22/04/2024

📚 A expressão "instalar fonemas" é frequentemente usada na fonoaudiologia, mas será que reflete adequadamente os complexos processos envolvidos na clínica dos chamados “transtornos dos sons na fala”? Estudos como os de Faria (2001) e Chacon (2002) apontam que essa expressão carece de embasamento teórico sólido e pode até mesmo distorcer a compreensão desses processos.

Faria (2001) explica que o uso do termo “instalar FONEMA” deriva de uma transposição equivocada de um conceito da linguística para a fonoaudiologia:

“Na Linguística, acompanhando Jakobson (1977), "som” é matéria fônica enquanto “fonema” é termo que remete à ideia de distintividade - não tem valor em si mesmo. Na Fonoaudiologia, entretanto, “som” e “fonema” são, frequentemente, tidos como sinônimos, e seu uso tem sido, portanto, intercambiável. Resultado dessa leitura a-teórica de conceitos da Linguística reflete-se diretamente no tratamento dos Distúrbios Articulatórios — o fonoaudiólogo não vê problemas em indicar procedimentos de “instalação de fonemas”, por exemplo. Pretendo, por isso, discutir o modo como noções e conceitos da Fonética/Fonologia comparecem na Fonoaudiologia (...) Para Spinelli, Massari e Trenche (1984) o “aprendizado da produção fonêmica” é uma das etapas da terapia desses quadros. Segundo os autores, a partir de um treino de discriminação auditiva e de produção, crianças podem aprender os movimentos necessários à produção do fonema trabalhado. Supor que “fonema” possa ser aprendido é cometer um equívoco. Isso porque “fonema” é unidade teórica, é materialidade intelectiva – sua realidade não é sensível/audível. O erro está em identificar ‘fonema’ a ‘som’. No interior desse equívoco, diz-se que um ‘fonema’ pode ser treinado/trabalhado. Esse é o ‘eco’ da Linguística nos estudos sobre os distúrbios articulatórios. “Ecos”, na verdade, de um engano sobre a Linguística, de uma leitura ingênua, desavisada.”

Por outro lado, Chacon (2002) explica que o uso do termo “INSTALAR fonema” deriva de uma concepção clínica focalizada exclusivamente nos aspectos motores da fala, o que, por outro lado, oblitera o aspecto simbólico relacionado aos sons da fala:

“De acordo com uma tradição que ainda se mostra forte na prática fonoaudiológica - em especial, fora dos mais importantes centros de pesquisa em fonoaudiologia do país -, as dificuldades que envolvem a articulação são fundamentalmente concebidas como resultantes de problemas de motricidade. Ecos dessa concepção na prática fonoaudiológica podem ser observados, por exemplo, no emprego de expressões como “instalar fonemas”. Apesar de ainda dominante, essa tradição tem recebido questionamentos por parte de pesquisadores e terapeutas em fonoaudiologia que travam um diálogo teórico e metodológico mais direto com profissionais da área da linguística. Especialmente pelo fato de que, nos últimos anos, inspirados em modelos lineares e não-lineares em fonologia, fonoaudiólogos e pesquisadores em fonoaudiologia vêm sistematicamente alertando para o caráter simbólico de muitas dessas dificuldades tradicionalmente vistas como derivadas exclusivamente de problemas de motricidade”.

💡 Em vez de conceber sons (e não fonemas!) como peças mecânicas a serem ‘instaladas’, é essencial entender que a aquisição da fala é um processo dinâmico e multifacetado, influenciado por fatores psíquicos, linguísticos e motores.

🔍 Ao explorar alternativas mais precisas e embasadas, torna-se possível aprimorar a prática clínica e promover uma compreensão mais profunda do desenvolvimento da linguagem. Vamos repensar nossos termos e enriquecer nossa abordagem? 💬

CHACON, L. Por uma visão não dicotomizante das relações entre os fatos motores e simbólicos da fala. Revista Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 367-372, 2002.

FARIA, V. O. Fonema vs. Som nos Distúrbios Articulatórios: desatando nós. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 13, n.1, p. 97-108, 2001.

Em um raciocínio semelhante ao que fizemos em uma postagem anterior sobre a líquida lateral alveolar, Miranda (1996) exp...
31/03/2024

Em um raciocínio semelhante ao que fizemos em uma postagem anterior sobre a líquida lateral alveolar, Miranda (1996) explica que são contextos facilitadores para a produção do tepe:

"Em relação às vogais, aglutinadas por grau de abertura, pôde-se constatar que quanto menor o grau de abertura maior é a influência favorável do contexto para a produção, isto é, as vogais [i] e [u], propiciam a produção do ‘r’, enquanto que o [a] é, dentre as vogais, a menos favorecedora. (...) No contexto seguinte, em relação às vogais, a tendência é a mesma do contexto antecedente no que diz respeito ao ambiente favorecedor. Vogais com menor grau de abertura, juntamente com contexto seguinte zero (os casos de coda), funcionam como favoráveis ao ‘r’."

Sintetizando a explicação de Miranda, pode-se dizer que os seguintes contextos são favorecedores para a produção do tepe: ser antecedido e/ou precedido pelas vogais /i/ e /u/ em sílabas simples. Esses contextos são, portanto, os que envolvem as formações /uru/, /iru/, /iri/ e /uri/, tais como nas palavras "furo", "muro", "guru", "giro", "siri", "cururu", "curioso", "girino", "furioso", "suspiro", "urubu" e, pasmem, "Curitiba"!

MIRANDA, A. R. M. A aquisição do ‘r’: uma contribuição à discussão sobre seu status fonológico. , Dissertação - Instituto de Letras e Artes, PUCRS, Porto Alegre,1996.

O uso de termos como "erre fraco/brando" e "erre forte" é tão pouco preciso que é totalmente incapaz de dar conta da com...
23/03/2024

O uso de termos como "erre fraco/brando" e "erre forte" é tão pouco preciso que é totalmente incapaz de dar conta da complexidade e da variedade de róticos existentes no português brasileiro.

Quando se diz que alguém “não sabe falar o ‘erre’ (fraco ou forte)”, de que erre se está falando? Seria o som da fricativa velar desvozeada, tão típica do dialeto carioca, ou da fricativa velar vozeada, também típica desse dialeto, mas que ocorre na posição de coda seguida de consoante vozeada? Ou seria o som de alguma das fricativas glotais, típicas do dialeto de BH (que seguem o mesmo raciocínio das velares quanto ao vozeamento)? Por acaso seria o som do tepe alveolar vozeado, tão característico do paulistano, ou o som da retroflexa alveolar vozeada, característica do interior paulista, ou ainda o da vibrante alveolar vozeada, característico de certas regiões do RS?

O conhecimento a respeito da diversidade dialetal e, mais especificamente, da variedade de róticos do português, não é essencial apenas para fonólogos, foneticistas e sociolinguistas. O fonoaudiólogo deve conhecê-los não somente para sua prática na clínica dos chamados “desvios/transtornos fonológicos”, mas também para não incorrer em preconceito linguístico diante de algumas dessas variedades.

Ao desmembrarmos a continuidade da cadeia sonora em fonemas, muitas vezes deixamos de lado certos movimentos que caracte...
14/03/2024

Ao desmembrarmos a continuidade da cadeia sonora em fonemas, muitas vezes deixamos de lado certos movimentos que caracterizam seu encadeamento. É o caso da produção da líquida lateral alveolar /l/ na posição de onset (como em lata, leque, livro, lobo e lupa), cuja articulação pode ser diferente dependendo da vogal subsequente.

Essa diferença diz respeito ao fato de que, na elevação da língua, dependendo da abertura da vogal, a articulação de /l/ varia, o que significa que o movimento que produz o /l/ em “l + u = lu” é diferente do movimento necessário para produzir o /l/ em “l + a = la”. Logo, a abertura da vogal modifica a articulação da consoante!

Essa informação pode responder pela seguinte questão: no trabalho fonoaudiológico com crianças com os chamados desvios/transtornos fonológicos que têm dificuldades na produção do som /l/, as vogais seriam idênticas ou haveria algum contexto facilitador para a criança?

Para respondê-lo, basta lembrarmos que os "desvios/transtornos" que envolvem líquidas geralmente consistem em dificuldades para elevar a língua. Por isso, a proximidade entre língua e alvéolos no momento da elevação quando a líquida precede uma vogal fechada, como /u/ (em “lu”) pode representar uma condição favorável para a produção do /l/ em crianças com tais dificuldades.

Assim, ao dar início à terapia fonológica visando a produção da líquida lateral alveolar, experimente dar preferência a palavras como “lua”, “luta”, “lugar”, “lula”, “luar”, etc.




Um equívoco bastante comum entre fonoaudiólogos é não distinguir os sons "vibrante" (em inglês, "trill") e "tepe" (em in...
25/02/2024

Um equívoco bastante comum entre fonoaudiólogos é não distinguir os sons "vibrante" (em inglês, "trill") e "tepe" (em inglês, "tap").

Como explica a foneticista Thaïs Cristófaro, no caso do tepe, "o articulador ativo toca rapidamente o articulador passivo ocorrendo uma rápida obstrução da passagem da corrente de ar através da boca"; já no caso do vibrante, "o articulador ativo toca algumas vezes o articulador passivo causando vibração". F**a evidente que a diferença essencial entre eles está na presença ou não de vibração. No entanto, a própria autora parece se contradizer ao considerar como sinônimos "tepe" e "vibrante simples", já que, por sua própria definição, no caso do tepe, NÃO HÁ VIBRAÇÃO, mas apenas UM toque entre articuladores.

Mas há uma distinção ainda mais importante entre esses dois sons: o fato de que eles são empregados em condições sociolinguísticas muito diferentes. Enquanto o tepe é usado, por exemplo, em regiões como São Paulo (capital), o vibrante, por exemplo, é usado sobretudo por pessoas mais velhas e, de modo especial, em algumas regiões do sul do Brasil.

Confundir esses sons não implica, contudo, apenas em um equívoco conceitual. Hipóteses não consensuais como a de que "aprender" o vibrante é um requisito para "aprender" o tepe ou vice-versa parecem ser uma das consequências clínicas dessa indistinção teórica.

Vê-se que, muito além do uso de técnicas fonoaudiológicas cristalizadas, a clínica dos chamados "desvios/transtornos fonológicos" implica em uma dedicação especial ao estudo da fonética, da fonologia e da sociolinguística.

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01/02/2024

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Mais uma publicação, fruto de orientação: parabéns Bruna Schaskos ! Obrigado pela parceria, Ana Paula Berberian e Sammia...
16/12/2023

Mais uma publicação, fruto de orientação: parabéns Bruna Schaskos ! Obrigado pela parceria, Ana Paula Berberian e Sammia Klann Vieira !

O papel da família na clínica dos desvios/transtornos fonológicos: uma análise de pesquisas australianas Bruna Schaskos Sammia Klann Vieira Ana Paula Berberian Carlos Eduardo Borges DOI: https://doi.org/10.35168/2176-896X.UTP.Tuiuti.2023.Vol9.N67.pp133-161 Resumo A literatura a respeito do envol...

06/10/2023

"Psicanalistas orientadas pela Dr.ª Marcia Keske-Soares levantaram a hipótese de que, nos "desvios/transtornos fonológicos", pode haver um desejo materno de manter a criança em uma posição infantilizada. A partir delas, podemos questionar em que medida a “dificuldade em estabelecer carryover” estaria ligada à identificação da criança com esse tipo de desejo para além de problemas de automatização articulatória e/ou organização fonológica".

"Se escrevêssemos conscientemente, escreveríamos de modo ordenado, faríamos uma ordem. Como escrevemos inconscientemente...
22/09/2023

"Se escrevêssemos conscientemente, escreveríamos de modo ordenado, faríamos uma ordem. Como escrevemos inconscientemente, fazemos uma desordem, e é isso que é trágico, já que o homem não pode suportar, nem na sociedade nem individualmente, estar em desordem" (Jean-Marie Gustave Le Clézio, Sobre a necessidade de escrever, 1971).

Hoje tive o privilégio de participar da banca de defesa de dissertação de mestrado em Saúde Pública pela UNILOGOS de Bru...
19/09/2023

Hoje tive o privilégio de participar da banca de defesa de dissertação de mestrado em Saúde Pública pela UNILOGOS de Bruna Paixão, orientada pelo caríssimo professor Eduardo Fofonca. Também tive a honra de conhecer a professora Claudia Hardagh que foi a arguidora interna. Um prazer poder contribuir com esse trabalho!

Agradeço ao comitê editorial da Revista Línguas e Instrumentos Linguísticos pela publicação de meu artigo intitulado: "L...
15/09/2023

Agradeço ao comitê editorial da Revista Línguas e Instrumentos Linguísticos pela publicação de meu artigo intitulado: "Língua/fala, competência/desempenho, Linguística/Psicolinguística".

http://www.revistalinguas.com/edicao38/artigo5.pdf

"Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas n...
15/09/2023

"Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não de vós. E embora vivam convosco, não vos pertencem. Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque eles têm seus próprios pensamentos. Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho. Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós, porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados. Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas" (Gibran Kahlil Gibran, "O profeta", 1923).

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