
22/04/2024
📚 A expressão "instalar fonemas" é frequentemente usada na fonoaudiologia, mas será que reflete adequadamente os complexos processos envolvidos na clínica dos chamados “transtornos dos sons na fala”? Estudos como os de Faria (2001) e Chacon (2002) apontam que essa expressão carece de embasamento teórico sólido e pode até mesmo distorcer a compreensão desses processos.
Faria (2001) explica que o uso do termo “instalar FONEMA” deriva de uma transposição equivocada de um conceito da linguística para a fonoaudiologia:
“Na Linguística, acompanhando Jakobson (1977), "som” é matéria fônica enquanto “fonema” é termo que remete à ideia de distintividade - não tem valor em si mesmo. Na Fonoaudiologia, entretanto, “som” e “fonema” são, frequentemente, tidos como sinônimos, e seu uso tem sido, portanto, intercambiável. Resultado dessa leitura a-teórica de conceitos da Linguística reflete-se diretamente no tratamento dos Distúrbios Articulatórios — o fonoaudiólogo não vê problemas em indicar procedimentos de “instalação de fonemas”, por exemplo. Pretendo, por isso, discutir o modo como noções e conceitos da Fonética/Fonologia comparecem na Fonoaudiologia (...) Para Spinelli, Massari e Trenche (1984) o “aprendizado da produção fonêmica” é uma das etapas da terapia desses quadros. Segundo os autores, a partir de um treino de discriminação auditiva e de produção, crianças podem aprender os movimentos necessários à produção do fonema trabalhado. Supor que “fonema” possa ser aprendido é cometer um equívoco. Isso porque “fonema” é unidade teórica, é materialidade intelectiva – sua realidade não é sensível/audível. O erro está em identificar ‘fonema’ a ‘som’. No interior desse equívoco, diz-se que um ‘fonema’ pode ser treinado/trabalhado. Esse é o ‘eco’ da Linguística nos estudos sobre os distúrbios articulatórios. “Ecos”, na verdade, de um engano sobre a Linguística, de uma leitura ingênua, desavisada.”
Por outro lado, Chacon (2002) explica que o uso do termo “INSTALAR fonema” deriva de uma concepção clínica focalizada exclusivamente nos aspectos motores da fala, o que, por outro lado, oblitera o aspecto simbólico relacionado aos sons da fala:
“De acordo com uma tradição que ainda se mostra forte na prática fonoaudiológica - em especial, fora dos mais importantes centros de pesquisa em fonoaudiologia do país -, as dificuldades que envolvem a articulação são fundamentalmente concebidas como resultantes de problemas de motricidade. Ecos dessa concepção na prática fonoaudiológica podem ser observados, por exemplo, no emprego de expressões como “instalar fonemas”. Apesar de ainda dominante, essa tradição tem recebido questionamentos por parte de pesquisadores e terapeutas em fonoaudiologia que travam um diálogo teórico e metodológico mais direto com profissionais da área da linguística. Especialmente pelo fato de que, nos últimos anos, inspirados em modelos lineares e não-lineares em fonologia, fonoaudiólogos e pesquisadores em fonoaudiologia vêm sistematicamente alertando para o caráter simbólico de muitas dessas dificuldades tradicionalmente vistas como derivadas exclusivamente de problemas de motricidade”.
💡 Em vez de conceber sons (e não fonemas!) como peças mecânicas a serem ‘instaladas’, é essencial entender que a aquisição da fala é um processo dinâmico e multifacetado, influenciado por fatores psíquicos, linguísticos e motores.
🔍 Ao explorar alternativas mais precisas e embasadas, torna-se possível aprimorar a prática clínica e promover uma compreensão mais profunda do desenvolvimento da linguagem. Vamos repensar nossos termos e enriquecer nossa abordagem? 💬
CHACON, L. Por uma visão não dicotomizante das relações entre os fatos motores e simbólicos da fala. Revista Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 367-372, 2002.
FARIA, V. O. Fonema vs. Som nos Distúrbios Articulatórios: desatando nós. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 13, n.1, p. 97-108, 2001.