26/05/2024
O que faz o médico geriatra?
por Carlos Sperandio
Antes de responder, contarei três breves histórias que ouvi em consultas iniciais lá na Clínica Gerus.
Dona Maria chegou com sintomas de fraqueza e mal-estar, sentia que sua vida estava esvaziada. Passava o dia na cama e mal comia. Ela relatou ter uma equipe de cuidados renomada que conta com psiquiatra, neurologista, psicólogo. Mas, mesmo tomando a medicação correta, vinha sentindo que chegara ao final da vida com seus 82 anos: “Doutor, não sei porque ainda estou aqui”.
Seu Antônio era um recém enviuvado septuagenário. Sentia-se péssimo por depender de cuidados de terceiros para provimento dos cuidados da casa que nunca havia feito. Dona Francisca sempre foi a responsável pelo lar. Agora, com sua filha única se desdobrando para tentar mantê-lo independente, os custos financeiros, emocionais e sociais estavam sendo elevadíssimos. No consultório, sentia-se péssimo, mesmo tomando a medicação que seu clínico de confiança de décadas havia passado: “Doutor, não sei porque ainda estou aqui”.
Dona Madalena, 92 anos, chegou com tonturas, sono péssimo, não se alimentava bem. Tomava seis remédios passados por 3 diferentes médicos. Não se sentia bem desde que apresentou uma queda de mesmo nível causada por um calçado novo e um tapete fora do lugar. Sentia que estava para morrer. Nos últimos meses não teve nenhum momento sozinha, pois sua família colocara cuidadoras que não poderiam desgrudar jamais dela. No final da nossa primeira conversa, ela disse, com voz embargada: “Doutor, não sei porque ainda estou aqui”.
Poderia escrever um livro de histórias semelhantes. Pacientes com boas condições financeiras, acompanhamento médico de especialistas em doenças renomados, em uso das melhores medicações. No entanto, não se sentiam nada bem. Todos, em algum momento, pensaram que estariam melhor se não estivessem mais vivos.
Uau. Que pancada. Quando me perguntam por que escolhi a geriatria, o que mais gosto de responder é que estudei para fazer a diferença na vida das pessoas. Ainda mais nas fases de final da vida, em que há um etarismo escancarado social e oculto da própria pessoa idosa.
A consulta do geriatra se pauta em reconhecer comportamentos (principalmente!), fatores de risco e doenças que possam ser modificadas para tornar a funcionalidade a melhor possível para aquela pessoa a nossa frente (curar às vezes, reconhecer, entender e controlar sempre!).
Os três pacientes acima tinham do melhor da Medicina para seus problemas internos. No entanto, a origem das queixas não estava dentro deles e sim no ambiente a sua volta, no entorno.
Dona Maria vivia sozinha com cuidadoras após a perda do marido. Possuía degeneração macular que a impedia de ler, sua grande paixão. Sua filha única e o genro, com quem não se dá, eram o núcleo familiar na cidade. Quando visitava seus irmãos em São Paulo, sentia-se ótima. Aqui, preferia ficar na cama e não comer, pois não tinha sentido continuar. Qual remédio teria o alcance de trazer melhora para essa senhora? Não acreditou na melhora que a terapia ocupacional, os encontros com pessoas da mesma idade no Centro-dia, o programa de exercícios de reabilitação e o novo cardápio proporcionaram. Não precisou mexer em remédio algum.
Seu Antônio queria voltar a encontrar seus amigos e, talvez, achar um novo amor. Mas como confrontar a opinião da filha que tanto por ele vinha fazendo? Questionado sobre o que ele gostaria de fazer com os anos que ainda tinha de vida, emocionou-se. Ninguém havia perguntado isso a ele até então. Alguns meses depois, após conversas esclarecedoras com a filha, comigo e com a psicóloga da equipe, tornou-se outra pessoa: voltou a frequentar o clube que era sócio e estava ausente. Também se tornou mais ativo na comunidade, frequentando o Centro Espírita como voluntário. Até em bailes começou a ir. “Doutor Carlos, Ana é viúva também; essa semana conhecerei a família dela”.
Dona Madalena estava péssima por ser tratada como uma criança que estava aprendendo a andar. Não tinha seu espaço, sua liberdade, sua intimidade. Além disso, sabia que estava tomando remédios que a deixavam tonta e confusa. Ninguém havia lhe proposto reabilitação física com um planejamento fisioterapêutico e alimentar otimizados, suspensão das medicações desnecessárias e um acompanhamento regular, na sua casa. Ela se sentiu cuidada. Algo novo para ela, pois achava que o cuidar era asfixiante. “Semana que vem viajarei para minha casa da praia. Faz anos que queria ir e não me sentia segura”.
Respondendo à pergunta inicial: o médico geriatra é o especialista que torna possível reconhecer o entorno como uma causa importante das manifestações internas. O processo de envelhecimento é dinâmico, subjetivo, individual e muito dependente de escolhas anteriores. As apresentações clínicas, por sua vez, são o resultado do produto das manifestações orgânicas com o atual ambiente entorno da pessoa idosa. O geriatra é especialista em envelhecimento, do interno ao entorno. Se o interno não está compensado com a medicina tradicional, o geriatra olha em volta.
Infelizmente, muitas pessoas idosas que se identificam com esse texto não tem acesso ao profissional da medicina geriátrica. Com o objetivo ‘open science’ vou pontuar o que a minha especialidade me ensinou sobre o entono:
1. Mexa-se.
2. Nutra-se.
3. Durma.
4. Tenha propósitos.
5. Acredite.
Os cinco pilares do envelhecimento saudável não estão ligados à Medicina. O processo de reconhecer doenças, pedir exames e usar medicamentos impede que você morra precocemente, por óbvio. No entanto, atingir idades longevas com funcionalidade plena depende quase exclusivamente das escolhas diárias que fazemos sobre como nos exercitamos, o que comemos, a qualidade do nosso sono, o que nos motiva a sair da cama e o entendimento do porquê estamos aqui.
Cada dia que você sai da cama é uma nova oportunidade para ajustar os cinco pilares. Desvios de rota acontecem com todos nós. Lembremos que o sentido é mais importante que a velocidade. O cuidado com nossa saúde é uma responsabilidade que necessita de cogestão profissional. No entanto, não esqueçamos que o principal interessado é também o presidente da empresa Meu Corpo Ltda.
Por fim, minha resposta: o médico geriatra é o grande auxiliar no processo do envelhecimento; do interno ao entorno. Fortemente aconselho que você tenha um!