14/11/2024
Mercado do Saber
Para entender a metáfora do mercado do saber, pense em uma grande feira onde ideias e conhecimentos são como produtos que as pessoas querem comprar. Na psicanálise, esse "saber" é o desejo de compreender a si mesmo, de ter respostas sobre o inconsciente, de entender o próprio sofrimento. O sujeito chega à análise como um comprador, esperando encontrar algo valioso que explique seus sintomas. Ele quer "comprar" o saber do analista, acreditando que este detém as respostas.
No entanto, Lacan subverte essa expectativa. O saber na psicanálise não funciona como uma mercadoria comum que você pode simplesmente adquirir. Ao contrário, o saber é algo que se constrói na própria experiência analítica, e não pode ser entregue como um produto pronto. É como se o analista dissesse ao paciente: "Aqui não vendemos respostas, mas ajudamos você a construir suas próprias perguntas."
Greve da Verdade
Agora vem a parte mais complexa: a "greve da verdade". Lacan nos leva a pensar que, assim como em um mercado, pode haver uma greve de trabalhadores, também pode haver uma "greve da verdade". Imagine que a verdade, nesse contexto, é como um trabalhador essencial que decide parar de trabalhar. O que acontece quando a verdade se recusa a aparecer? No ato analítico, isso signif**a que a verdade não pode ser encontrada nas palavras prontas, nas interpretações fáceis ou nas explicações rápidas. É como se a verdade se escondesse e se recusasse a ser revelada, criando uma espécie de vazio ou silêncio.
Esse vazio não é um problema; na verdade, é uma parte essencial do processo. Quando a verdade faz "greve", ela força o sujeito a confrontar a falta, a inconsistência no próprio saber. Em vez de obter respostas claras e confortáveis, o sujeito se vê diante do que Lacan chama de "furo" no saber. É como ir a uma feira em busca de um produto e descobrir que ele não está à venda porque não existe — e essa ausência é, em si, uma revelação.
O Paradoxo do Ato Psicanalítico
A "greve da verdade" também nos mostra o paradoxo do ato psicanalítico: o analista não está lá para "dizer a verdade" ao paciente, mas para criar as condições em que o próprio paciente possa confrontar suas lacunas e contradições. Imagine o analista como um diretor de teatro que não dá as falas aos atores, mas os deixa improvisar para que descubram suas próprias palavras. A verdade surge não como algo transmitido pelo analista, mas como algo que emerge das brechas, dos silêncios e dos tropeços do sujeito ao falar.
A Inversão do Saber
Em última análise, Lacan nos mostra que o saber não está do lado do analista, mas do lado do próprio inconsciente do paciente. É o inconsciente que sabe, mas esse saber é fragmentado, dividido e muitas vezes enigmático. Quando Lacan fala de "mercado do saber", ele ironiza a ideia de que o saber poderia ser consumido ou vendido como um produto de fácil acesso. E a "greve da verdade" subverte a expectativa de que a análise vá fornecer respostas diretas — ao invés disso, ela revela o lugar da falta, onde o saber se mostra inconsistente.
Em resumo, esse ponto é uma crítica à busca de saber imediato e ao desejo de respostas fáceis. Lacan nos lembra que o ato analítico não entrega a verdade de bandeja; ele a faz "entrar em greve", criando espaço para que o sujeito possa confrontar o vazio e, a partir disso, encontrar sua própria verdade.