23/01/2025
Tu tens a chave de casa.
Vais chegando sem pedir.
Eu deixo-te entrar.
Conheço-te há tanto tempo
Que já sabes o caminho:
Abres os meus armários,
Reviras a minha geladeira,
Esvazias o meu prato.
Tu atiças a minha fome,
Voraz,
Selvagem,
Insaciável.
Apagas as luzes,
Fechas os meus olhos.
Enches-me,
Transbordas-me,
E depois vais embora.
Deixas-me só.
Acordo num susto,
E assusto-me.
Mas por quê?
Se te conheço,
Se me conheces,
Se caminhamos juntas.
Somos íntimas,
Tão íntimas que prevejo as tuas chegadas
E chamo por ti.
Quero-te aqui,
Mesmo sabendo que me destróis.
Conheço-te bem,
E tu conheces-me como ninguém.
Mas, às vezes,
Queria que fosses embora.
Queria ser só.
Então desisto.
No silêncio da casa vazia,
Provoco-te,
E tu voltas.
Com a cabeça no travesseiro,
Pergunto-me:
Quem sou eu sem ti?
Não me lembro.
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Mês que vem completo 9 anos atendendo pessoas em sofrimento com a comida. Fiz esse poema pra representar o que eu ouço nos acompanhamentos.
Há uma dificuldade de se compreender em uma nova identidade, na qual a pessoa vai seguir sozinha, sem a "doença". E por isso, o novo, o desconhecido dói, assusta. E precisamos falar disso.
Cada ano que passa ouço novas histórias, mas o medo de f**ar sem identidade e a sensação de desamparo sem a "doença" segue sendo ouvido. Não posso dar respostas a tudo, mas compartilho essas palavras, para que se você estiver passando por algo assim, saiba que eu entendo você.
E você não está só.
Siga.
E se precisar de apoio, estou aqui.