30/03/2020
Ensaio cartográfico produzido por mim em co-autoria com Renato Santos, mestrandos do programa acadêmico de Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará:
📚O Titanic foi idealizado e vendido com a promessa de um navio que não afundaria. Em uma grande estratificação social a embarcação se organizou de modo a reproduzir a sociedade a qual pertence. No filme de 1997, podemos observar como os compartimentos do navio são divididos de acordo com a função social dos seus tripulantes e passageiros, onde até mesmo a elite possuía suas diferenciações. Na história retratada para o cinema, a luta pela sobrevivência nos mostrou que as desigualdades sociais e econômicas selecionaram quem desceria nos botes salva-vidas primeiro.
Quem somos no titanic da pandemia atual? Quais ideias nos ensinaram a melhor forma de viver e que nós aprendemos como bons alunos que somos?
Decidimos fazer uma conexão entre o filme Titanic e a pandemia do covid-19 que estamos enfrentando atualmente, onde somos obrigados a vivenciar um debate dicotômico sobre a economia e a vida dos indivíduos. Nos dois pólos destacados, entre algumas ondas fortes e outras “marolinhas” o navio permanece firme seguindo seu trajeto em linha reta como se fosse mesmo o dono dos mares. Entretanto, algumas evidências mostram que se faz necessário desviar de algo à frente, que se não feito poderia comprometer toda a viagem. O navio então vai de encontro a uma barreira firme e sólida que o faz parar rasgando-o em algumas partes. Todos que estão a bordo sentem o impacto. É evidente que alguma coisa de anormal aconteceu. Para acalmar, o comandante pede tranquilidade aos passageiros e diz que aquilo foi apenas um “tombinho” um “esbarrozinho” em uma pedra de gelo. Com o passar das horas a situação vai tomando outras proporções e o perigo de um naufrágio torna-se cada vez mais iminente. É chegada a hora de abandonar o barco. Entretanto, não há botes salva-vidas suficientes para resgatar todos do navio. Os passageiros demonstram as mais diferentes posturas diante do caos; uns mais introspectivos existencialmente divergem com outros que evocam ao Deus punitivo e com os que responsabilizam o homem com seus comportamentos nocivos porém, jamais conseguem inferir comprometimentos ao Deus-Mercado que rege nossas vidas e nos ensina sobre o individualismo, isolamento e indiferença. O mar neoliberal em que nosso navio se encontra acentua e escancara nossas diferenças sociais, econômicas e pessoais e nos enfileira nos botes da salvação, afinal é isso que todos nós gritamos em silêncio. O iceberg covid-19 não faz distinção, mas nossas desigualdades tomam para si este trabalho.
Como autores e atores deste ensaio, nós, Marcos e Renato destacamos nossas influências (ou privilégios) as quais achamos garantidoras de uma vaga em um dos botes salva-vidas: somos jovens, saudáveis, com planos de saúde, estamos em isolamento social e possuímos utensílios básicos de alimentação e higiene, mas tudo isso esfarela-se quando todos os botes estiverem superlotados, afinal a saúde privada não tem suporte para isso, mas nos foi ensinado que tê-la era melhor. Nosso sistema público agoniza com a PEC dos gastos que o impede de crescer e oferecer cuidados para todos, ancorado pela falácia de um Estado quebrado como justificativa, mas é esse Estado que está destinando bilhões de dólares para as grandes empresas e bancos sobreviverem ao coronavírus.
“Estão enchendo os barcos de acordo com as classes?”- pergunta a personagem Ruth Dewitt Bukater, mãe de Rose. Tal questionamento poderia estar escrito nas faixas dos protestos dos empresários que recentemente desfilaram em seus carros importados exigindo o fim do isolamento social, cumprindo as ordens de um capitão que, como no filme, pede para que os músicos continuem tocando para não haver pânico. Rajadas de foguetes iluminam o céu para a distração dos passageiros, enquanto na TV ataques à imprensa, representantes de governos locais e cientistas fazem o mesmo papel ao desfocar a atenção da nação. Assim em um grande paralelo entre nossa situação atual e a tragédia anunciada do Titanic, os botes são como os leitos – poucos e acessíveis a uma classe mais abastarda; o iceberg como corona vírus que faz frear nosso ritmo; o “tombinho” como uma “gripezinha”; a histeria coletiva como a luta pela vida e esta grande embarcação como a nossa sociedade.
Marcos Vinícius Ribeiro de Araújo
Renato Santos da Silva