26/08/2021
TODO HOMEM E TODA MULHER É UMA TM OU UMA ®...
(Mas você só vai entender depois desse texto)
O ano era 2002. Como um adolescente apaixonado eu passei todas as duas horas e dez minutos de Spider Man de Sam Raimi agarrado a cadeira, quase ofegante. Meu mais amado personagem das HQs de minha adolescência em carne e osso e efeitos especiais! Era um sonho realizado.
Carne. Sangue. Efeitos especiais.
Eu era tolo demais pra entender que aquilo era o começo do fim. Nada mais seria como antes desse filme e de X-Men em 2000. Em pouco tempo, fanboys furiosos iriam se alastrar pela ainda não tão dinâmica internet. Todos se tornariam diretores de cinema, especialistas em roteiros, especialistas em atuação. E uma coisa ainda pior havia chegado. Um mal antigo que, escondido sob sua mais eficiente e conveniente capa (o 'entretenimento') iria continuar seu trabalho maligno iniciado desde antes de haver tempo.
Antes de continuar a falar sobre porque um simples filme foi tão terrível para a psique humana, precisamos voltar centenas de milhares de anos no tempo. Para antes de existir tempo, na realidade. Para o evento que os cabalistas chamam de " Shevirat Hakelim" (שבירת הכלים) ou "Quebra dos Vasos".
Segundo os sábios do passado, antes que nosso universo existisse; o universo de Tikkun ( Olam Ha Tikkun/עוֹלָם הַתִקוּן) ou "universo da retif**ação", outro ocupava seu lugar. Não sabemos nada desse lugar (ou nada que possa ser exposto num post de rede social sem profanação dos Arcanos Sagrados), exceto que as Luzes emanadas por Deus para dentro dos Vasos que as deveriam reter era potente demais para que seu "material" pudesse resistir. O universo de Tohu (o Olam Ha Tohu ou Mundo do Caos e da Desordem/ עוֹלָם הַתֹּ֫הוּ) desabou sobre seu próprio peso. A Luz Divina foi reabsorvida aos mundos superiores, entretanto, parte dela ficou presa aos "Fragmentos" dos Vasos como "azeite preso ao barro" e, sem poder ascender, se tornaram a vitalidade dos Mundos Inferiores que, como Sombra dos Atos Criativos de Deus, assumiria formas abissais e perversas. Famintas. Famintas de Luz. O mundo das Kelipot (קְלִיפּוֹת) Conchas ou Cascas que deveriam, pela ação do Homem criado a Imagem de Deus, liberar as pérolas contidas em suas entranhas.
Essa longa explicação foi necessária para afastar um preconceito de nossas mentes. A purif**ação (בירור) ou "peneiração" dessas Faíscas (ניצוצות) de Santidade só foi secundariamente feita a partir da Religião. Isso porque o Ser Humano falhou em sua missão. Primeiro Adão comeu o Fruto Proibido antes que ele houvesse emergido de Sua Kelipah. Depois Israel falhou ao construir um bezerro de ouro e tornar-se assim impuro para receber, por intermédio do Mashiach, a Torah Divina em toda sua perfeição. Se Adão foi envolto num corpo de carne e pele após sua queda, o mesmo aconteceu com a Torah. A partir da tragédia do Sinai, a purif**ação das Faíscas só poderia ser feita através das Mitsvot (מִצְוָה) ou Mandamentos, até que o Mashiach fosse outra vez enviado.
Mas o que são religiões? O que os hebreus receberam no Sinai? O que realmente aconteceu?
Da mesma maneira que as Kelipot separam a Luz de seu Retorno inevitável à Deus, o que para nós equivale a falta de sentido da vida e a presença do mal, os hebreus passaram a se ver como personagens externos à Torah. Ora, a Torah consiste muito mais em relatos do que mandamentos. Os mandamentos mesmo são sempre colocados em contextos que os legitimam. A História ou as histórias são aquelas lembradas pelos judeus em suas cerimônias ano após ano, desde a antiguidade até os dias de hoje.
Essa é exatamente nossa condição. Nos vemos fora desses eventos. Achamos que eles falam sobre "acontecimentos" que antecedem ao tempo da criação do mundo, ainda mais de nossas vidas curtas e vazias. Não somos personagens desse drama. Ele já passou, se é que aconteceu. Não precisamos nos importar.
Esse é nosso maior equívoco. A História, por ser atemporal, está eternamente ecoando nos acontecimentos mais banais de nossas vidas. Desde o ônibus que não consegui pegar até o nascimento de meu filho. Os acontecimentos arquétipicos do Shevirat Hakelim estão na essência de meus atos, decisões, equívocos.
Até aqui fiz uma muito resumida exposição da Kabbalah Luriânica, digamos, a visão "ortodoxa" dos judeus místicos atualmente. Mas agora, vamos passear um pouco nas revelações de um homem odiado por judeus e distorcido por gentios. Falaremos sobre a Kabbalah herética de Sabbatai Tzvi, o Masshiach apóstata.
Segundo Sabbatai (e seu profeta, Nathan de Gaza), desde o Pleroma, das alturas do Mundo de Atzilut ( Olam Atsiluth /עוֹלָם אֲצִילוּת) ou o Mundo da Emanação e até além dele, havia em Deus duas potências distintas. Duas forças opostas. Uma delas, a "Luz Pensante" era aquela que desejava descer e dar forma aos mundos abaixo. A outra potência, a chamada "Luz Impensada" era a detentora dos poderes germinativos, mas, não desejava criar.
O Shevirat Hakelim teria sido justamente causado por esse desacordo. Um confronto em Deus que trouxe duas consequências:
1. Parte do "Rosto De Deus" (Sua Face Pequena, as Seis Sephirot de Yetzirah com Tipheret ao meio) foi danif**ada. Atributos divinos estavam espalhados pela Terra. Deus era menos Deus. Sabia menos. Tinha menos amor. Seus encontros com homens e mulheres como Abrão e Saraí, por exemplo, não beneficiavam apenas os escolhidos, mas restauravam elementos perdidos Dele próprio.
2. O "Deus da Fé" em Tipheret permanecia ligado ao Pleroma pela Luz direta emanada de Kether. Mas a Luz Impensada foi isolada de seu lar, de sua essência, se convertendo em titânicos poderes desejosos de destroçar o Universo criado e retornar ao Pleroma. Sabbatai e Nathan chamam esses poderes de "Dragões" ou Serpentes antigas.
Sem poder compreender a natureza das Luzes abaixo de si e sua conexão com o Pleroma, o Deus da Fé (ou Demiurgo) se considera o Único e o Todo-Poderoso. Ele não pode atuar sobre as Serpentes porque elas escapam ao seu conhecimento desde o Shevirat Hakelim. Apenas Mashiach que irá reunir em si as Duas Luzes poderá terminar esse conflito. Até lá as almas se dividirão em Almas Inteligentes (que detém alguma fé Monoteísta dos "Três Fios que são um" e pouco podem fazer para acelerar a redenção) ou Almas Médias (Gnósticos-Dualistas de todos os tipos) que, embora detenham grande conhecimento dos Além-Mundos, só podem atuar atrapalhando o processo de redenção delas mesmas, como os Gnósticos Cristãos no início da Igreja e os atuais adeptos de Correntes Obscuras. As primeiras almas encarnam as energias do Ser, as segundas do Não-Ser. Antagônicos.
O grande escritor, mago, profeta e malandro Grant Morrison explicou de maneira sublime (e não religiosa) o mistério das Duas Luzes em sua obra magistral, o Grimório Guerra Infinita e na ainda mais importante e fundamental Multiversidade.
Para Morrison, o Universo DC (que existe em nosso próprio universo, e essa é sua realidade fundamental. Não esqueci do Ar**ha de Raimi. Paciência, Gafanhoto) tem por fundamento a Página em Branco antes que qualquer coisa seja escrita ou desenhada. Quando sua pureza é violada pelo Escritor (ele também uma potência cósmica antiga) a Página reage, sente que foi invadida. Ela se defende, cria barreiras (Kelipot?), tenta se proteger das histórias que começam a explodir em sua superconsciência recém-adquirida. Nas palavras de Morrison, o Mapa do Multiverso DC é quase como um "mapa budista do Cosmos".
Interessante. Um Mapa Budista. Uma Mandala.
Mandalas são conhecidas por serem retratos dos poderes divinos atuando no cosmos, ordenando o mesmo. Atuam como "mesocosmos" entre o praticante preso na ilusão da Dualidade e a Mente Búdica além.
O Mandala de Grant Morrison tem todas as peças: um Axis Mundi (Pedra da Eternidade), Deidades Iradas (Apokolopis, Inferno, Pesadelo) e Deidades Pacíf**as (Paraíso, New Genesis, Sonhar) e ... nosso mundo. Abaixo da Pedra da Eternidade, perigosamente perto do Pesadelo e do Caos.
Terra 33.
Estamos lá. Estamos aqui. Eles estão aqui. Mas ainda estamos cegos.
E você achava que precisava do Ritual do Pentagrama Menor pra conseguir alguma energia divina...
Podemos perceber na mitologia de Morrison os mesmos elementos da Kabbalah de Sabbatai. A Página em Branco (Luz Impensada), o Escritor (Luz Pensativa) que entram em conflito. A Página tenta se proteger com uma barreira (Kelipot) e a consequência disso são quedas posteriores que terminam "isolando" nosso mundo da totalidade do Multiverso.
Citando o grande desenhista David Mazuchelli em seu livro "Superdeuses", Morrison afirma: heróis são reais quando feitos de papel e tinta.
Não era meu querido Spider Man que deveria estar cercado de efeitos especiais e nem "em carne e osso". Era eu que deveria recordar do que sou feito. Eu deveria voltar a ser papel e tinta. A consequência desse engano, dessa distorção, seria cada vez mais elementos de nossa realidade caída imposta à Consciência Divina gerada no Início dos Tempos. Uma Invasão Demoníaca da Mente de Deus.
Entendem quem será Mashiach? Ele não vai explicar nada sobre cores ou números nem qualquer bobagem sobre Teatro ou "Consciência".
Ele unirá em si nosso mundo de carne e sangue com aquele, maior e mais bonito feito de papel e tinta.
Eles antes, nós depois.
Que maravilhoso será!
Uma das tradições mais incríveis que já estudei é a Asteca. Sua filosofia é sem par entre os povos Mesoamericanos. Vamos dar uma olhada em alguns pontos relevantes de sua cultura antes de mostrar a vocês como ainda estão em luta, em nossas vidas e salas de cinema, os Poderes Arquetípicos do início dos tempos.
Para os Nahua, Deus é Teotl, base e raiz de tudo que existe. Esse princípio indefinido se manifesta em muitos Deuses e poderes sagrados, sendo o principal deles Ometeotl, ou "Dois Deuses", o Pai e Mãe dos Nahua, Ometecuhtli e Omecihuatl. Deixando de lado (para vídeos e cursos) toda discussão acadêmica sobre esse termos, podemos pensar que Ometeotl é feito de Teotl, da substância divina ao mesmo tempo limitadora e divinizante. Para os Nahua e também os Tlamatini, tanto Deuses como homens, vivem no "Casa das Pinturas". Teotl é representado como um Xamã (que se transforma no mundo) e como um artista, lembrando que esses povos pouco distinguiam entre escrita e pintura. A Folha em Branco era o Amoxtli (os belíssimos Códices Astecas muito mais pictográficos do que escritos) que Teotl, como Escritor, escreve/pinta conforme sua vontade.
Os Nahua insistiam na natureza ilusória de nosso mundo. Pois tudo que realmente existe e é real, de fato, é Deus. Teotl. Tudo mais não passa de um sonho. Ainda assim, os Astecas não eram dualistas. Sua visão Monista insistia que nossa percepção era equivocada não porque a ilusão era ontologicamente má, mas epistemologicamante deficiente. Não há um dualismo metafísico como em Platão. Tudo que podemos ver é a ilusão. Compreender a Casa das Pinturas signif**a experimentar o Teotl sem nenhuma descrição. O Deus Escondido e inacessível.
Nosso mundo de ilusão são como as máscaras vestidas nos ritos xamãnicos de tantos povos. Escondem para revelar. Para fazer ver o que de outro modo não poderia ser visto.
Assim como eu, iludido na sala de cinema, não percebia a perigosa inversão entre mundos que acontecia diante de meus olhos e vibrava com a experiência de ver Spider Man mais parecido comigo, milhões de fanboys furiosos (ou religiosos sem alegria) se iludem com a "realidade" e exigem todos os dias que seus heróis tenham seus trejeitos, sua cor de pele, sua orientação sexual. Nós, humanos criados para revelar o Divino, o estamos escondendo sob cascas cada vez mais grossas de ilusão e de "realidade".
Como disse antes, os encontros com Deus e seus escolhidos (Deus aqui como manifesto, ou seja, o Demiurgo) podem melhorá-lo. Mas, se nos perdermos, se não tivermos mais orientação adequada? O que irá acontecer?
Ele irá piorar.
Podemos desenhar sobre a Folha em Branco. Por isso a terra já foi plana e o cosmo geocêntrico. Nosso desejo de ter Deus cada vez mais longe de nós fez com que expandissemos o espaço de maneira infinita. Sua reação à nossa ousadia não poderia ser pior...
O Shevirat Hakelim tombou aquilo que era unif**ado e espalhou. Luz e verdade estão fragmentadas pelo Cosmos. Tentar reunir e dar sentido a esse livro destroçado, achar nosso papel nele é uma batalha titânica e diária. Deus, banido e exilado, luta para vir ao nosso encontro. Para voltar a se unir aos seres que criou e não são nada sem ele. As religiões lhe fecharam as portas à muito tempo e cada vez mais se tornam moradas de demônios. Onde mais?
Ele tentou vir a nós através da mente santa e iluminada de Alejandro Jodorowsky com seu nunca realizado Duna. Segundo Jodorowsky, Duna viria como "um profeta, a vinda de Deus." Antes de Kubrick e Star Wars, o cinema teve sua chance de se tornar uma sala de iniciação!
As forças do mal não permitiriam, evidente. Não apenas detiveram o projeto como estilhaçaram sua Luz majestosa (Shevirat Hakelim outra vez) em produções que atraiam e ao mesmo tempo aprisionariam ainda mais na ilusão como Blade Runner, Alien, Star Wars, todos "fragmentados" de Duna nunca materializado.
Na tevê, o Bosatsu David Lynch quis salvar nossa alma com Laura Palmer em Twin Peaks apenas para descobrir que Zeitegeist estava por demais infectado pelos insetos malignos das Kelipot para ser depurado.
Em 2017, Zack Snyder tentou equilibrar as Luzes numa nova Árvore da Vida. Mas os querubins ainda não haviam sido removidos. Sua filha se foi. A Luz foi outra vez estilhaçada e obscurecida tanto em vazamentos suspeitos para Disney de partes de seu roteiro como por boicotes inacreditáveis da Warner Movie.
Grant Morrison mostrou mais. Mostrou que o Universo DC, o verdadeiro Universo DC, era a Criança Coroada e Conquistadora em vias de despertar. Emergindo do corpo da editora DC, ameaçada pelos poderes das trevas famintos por sua Luz. Explorar o Mapa deveria ser a tarefa seguinte. Mas homens malignos no topo de grandes corporações não pensam assim. As histórias não foram continuadas, os limites da Mandala foram destruídos. Aparentemente.
Cabe a nós. Como Stan Lee, Morrison e outros nos tornarmos também Deuses. Logomarcas. "Trade Marks" (e por que não ® que é mais estiloso, como Jesus e Buda?) divinas que serão administradas por nossas estrelas realizadas. Devemos empreender a última e única jornada essencial.
Para dentro.
Outra vez, Luz.
Outra vez, papel e tinta.
Sob o Olho de VALIS.
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