08/04/2025
Entre a casa e o hospital
nem toda encruzilhada é neutra.
O corpo sabe,
a alma grita,
e só quem nunca pariu
diria que é tudo igual.
Há quem diga
que lugar de parir
é onde há bisturi,
soro,
luz fria,
e silêncio imposto.
Mas há quem traga
no ventre e na memória
feridas abertas
por nascimentos roubados,
cesáreas sem escolha,
episiotomias sem aviso,
gritos abafados por aventais brancos.
Entre o conforto do lar
e a frieza do protocolo,
há mais que paredes.
Há histórias.
Há traumas.
Há desejos de redenção.
Não se trata de nostalgia,
nem de um retorno idílico ao passado.
É futuro —
ecológico, sensato,
sustentável como a confiança
que se firma entre mãos que acolhem
e olhos que escutam.
Parir em casa
é mais do que permanecer num lugar.
É voltar ao centro de si.
É estar cercada de sentido
e não apenas de paredes.
O chão da sala vira altar,
a banheira vira oceano,
e o grito vira música.
Ali, mulher não é "mãezinha",
é rainha coroando vida.
Ali, o tempo não corre —
ele respira.
Mas dizem:
"é perigoso",
"e se algo acontecer?"
Como se no hospital
não morressem mães,
não silenciassem vozes,
não se rasgassem corpos sem razão
não houvesse violência sem medida
Entre a casa e o hospital,
há evidências.
Mas há, sobretudo,
o direito de escolher.
Autonomia não se concede —
se reconhece.
E uma mulher que escolhe
não ameaça o sistema:
ela o ilumina.
Mostra o que poderia ser
se houvesse respeito.
Parto não é só biologia.
É política,
é poesia,
é coragem.
É um ato de presença
num país onde tantas ausências
ainda gritam nos corredores das maternidades.
Por isso, entre a casa e o hospital,
não há neutralidade.
Há resistência.
Há luta por dignidade.
E há, acima de tudo,
uma mulher inteira
que se recusa a ser dividida
entre o que mandam
e o que sente.
Melania Amorim
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