
13/05/2024
Em "Por que a guerra?" Freud responde para Einstein que talvez não haja maneira de evitar que a guerra aconteça. Que o que podemos esperar é que através da fala e do diálogo ela possa ser mais rara ou que ela passe a ocorrer num outro campo, menos letal, como o política.
Algo parecido ocorre com os desastres ambientais. Eles não podem ser totalmente evitados, haverão em algum momento as cheias, as secas, as chuvas de granizo, os furacões, os terremotos, as erupções. O que podemos é, com a palavra e com as artes, "re-tratar" o que vivemos e queremos viver, pelo menos de duas maneiras. Retratar, no sentido de criarmos memórias persistentes em nossas vidas e cidades, marcas, que nos lembrem dos perigos de ocupar certas regiões, do que aconteceu, das perdas e das durezas destes momentos. Re-tratar, no sentido de desenhar novos limites, novos pactos urbanos, novos usos possíveis das margens do rio, novos entendimentos de onde f**a a margem do rio e, metas, prazos e planos de transição para locais mais seguros.
Nos atrasamos nesse re-trato pelo menos desde 1941. Parece que tomamos a maior enchente anterior a 2023 como o limite máximo das águas e não como o limite mínimo para as nossas construções. Continuamos desenvolvendo 82 anos de cidade às margens do que já havia visto as águas, em prédios projetados para se verem livres de 1941, mas não de algo maior, de um futuro.
No Japão, pedras ("tsunami kinenhi") são marcadas por pessoas que viveram há séculos com as ondas do mar com a inscrição: "não construir abaixo desse ponto". Esse não é só um alerta, é uma marca viva na cidade e na paisagem, de que um passado existe e que ele pode retornar, pior. nosso passado apagado, negado, tende a retornar em ato. Esse nosso ato, coletivo, na insistência da ocupação urbana em cotas baixas, retorna como catástrofe, e em cada nova negação, tenderá a retornar como nova catástrofe. Contra a catástrofe, retratos com re-tratos.
As três inscrições na pedra dizem o seguinte:
"A tranquilidade das crianças é uma casa construída no alto"
"Lembre-se do desastre da onda gigantesca"
"Não construa casas abaixo deste ponto"
Fotografia: T. Kishimoto, 2011.