
24/08/2025
Esses dias vi um galho de árvore parado no meu parabrisa e me lembrei de algo simples, mas que foi passado como uma herança transgeracional na minha família.
Quando não estávamos em casa e minha avó ou as irmãs dela iam nos visitar, deixavam um galho entrelaçado no portão. Chegávamos e sabíamos que a minha avó tinha passado por ali, mas, como não encontrou ninguém, mostrou que esteve e se foi.
Lembro do dia que eu estava com ela, fomos visitar alguém e ela reproduziu esse feito. Agora, eu não era aquela que via o galho sem a minha vó. Eu era a que via a casa vazia e punha o galho.
Eu sempre sorria quando chegava em casa e encontrava isso. Não era a minha avó, mas era o galho que a representava. Em tempos sem WhatsApp, ela havia passado e não conseguia se comunicar nesse momento, mas fazia questão de deixar rastro.
Em outro dia, em uma conversa com uma amiga, ela me conta que havia adoecido depois de alguns dias muito gostosos de comemoração do seu aniversário. Outra pessoa que conheço também conta que, depois de um show muito importante em sua carreira e de muita entrega, ficou de cama.
Tenho ouvido essa música do Belchior no repeat por aqui. Sempre me pego pensando nessa frase. "A felicidade é uma arma quente". A arma pela qual a bala já passou, já atingiu, já foi. A arma que f**a quente depois, mas quente pelo rastro da bala, pela ausência dela, e não porque está preenchida. A felicidade, essa que já foi, que já se esvaiu, que é uma fração de segundo.
Ficamos com as marcas. Do show, da festa, da minha vó. Mas, como o galhinho que tirávamos do portão para entrar em uma casa sem ela, há que se estar atento ao tempo. Esse que vem é vai e carrega com ele a felicidade.
"Aproveitem a vida, porque o tempo passa muito rápido", me disse ontem uma velhinha no parque, com toda a sabedoria e a experiência do que já passou.
"João, o tempo andou mexendo com a gente, sim", diz Belchior.
Aproveitemos enquanto a bala atravessa a arma. Dura pouco, mas causa.
- Isadora Nicastro Salvador