20/04/2020
Texto: Psicomotricidade e Subjetividade
Quando falamos em psicomotricidade, pensamos no corpo real e o que ele pode produzir, como pular, correr, saltar, escrever, recortar, fazer atividades que envolvam o corpo em suas produções motoras finas e globais. A palavra psicomotricidade como pontua Yañez (1999, p. 3) diz respeito a “articulação entre a estrutura neuromotora e a estrutura psíquica. A psicomotricidade se ocupa do corpo em movimento de um sujeito”. Dessa maneira, entendemos que as questões motoras e subjetivas estão interligadas e, se ocorre uma falha em uma, pode haver uma falha na outra também.
Sabemos o quanto o outro é importante para a mediação com a linguagem e a aprendizagem do sujeito, pois, esse oferece possibilidades de relações através do olhar, do tato, do olfato, das sensações que dão prazer e desprazer para os indivíduos, utilizando-se de brincadeiras e de jogos lúdicos que são fundamentais para um desenvolvimento motor, cognitivo e subjetivo da criança.
Para Rossi (2011, p. 25) nessa relação, a criança organiza o seu corpo, no qual estimula a coordenação motora, as noções de tempo-espaço, lateralidade e toda a base para se iniciar a escrita e a leitura. Sem essa base cada vez mais há o aparecimento de dificuldades de aprendizagem nas escolas.
Poder resgatar o brincar na infância e usar de elementos psicomotores, como a dança, o teatro, os circuitos psicomotores dentro da relação com o simbólico e o imaginário, que convocam essas crianças a estarem em um mundo lúdico, organizador da imagem e esquema corporal, da construção do Eu, se faz importante para a construção da subjetividade e identidade da criança. É através do corpo que o bebê recebe suas primeiras inscrições subjetivas, que fazem marcas inconscientes e constroem sua imagem corporal, sua percepção de si e de sua história para que depois seja articulado o projeto motor e seu esquema corporal. Algo que falha em sua percepção corporal, de sua imagem corporal na relação com seus cuidadores, dependendo de como foi sendo construída sua história, pode causar um impedimento instrumental (tônus, as posturas, coordenação motora fina e global, noção de espaço-tempo e lateralidade) no corpo dessa criança e comprometer sua relação com a aprendizagem e o meio social.
Nesse sentido o sintoma da criança nesses quadros se mostra no real do corpo, mas esconde também o que tem por trás desse sintoma, pois, as hipercinesias, dispraxia, torpesa ou inibição, podem estar relacionadas com a história da criança da qual precisa ser encontrada uma signif**ação que articule esse real do corpo com o simbólico e o imaginário no psiquismo. Por isso que é importante antes de retirar o sintoma da criança, poder observar, ler, escutar o que aquela criança está querendo dizer com aquele sintoma e o que na história dela pode ter acontecido para que ela produzisse tal quadro psicomotor que atrasa esse desenvolvimento (YAÑEZ, 1999).
Então a função do psicomotricista dentro da visão psicanalítica, é poder emprestar o seu corpo, através do brincar espontâneo, possibilitando que a criança possa projetar conteúdos e conflitos dela em cena na sessão, dirigidos pela questão transferencial – paciente e analista, pois isso possibilita que a criança:
[...] se exerça enquanto sujeito, elabore conteúdos, descobre conceitos espaço-temporais, organiza sua imagem e esquema corporal e se relaciona com o mundo que a rodeia. Também resolve os conflitos com estratégias que se sustentam na sua estrutura cognitiva, aprende possibilidades e limites, acumulando experiências que possibilitam aprimorar seus projetos motores (YAÑEZ, 1999, p. 7-8).
Dessa maneira é possível que o psicomotricista sustente uma posição que faça articulação com o real, simbólico e imaginário que compõe a história individual de cada criança. Nos transtornos motores, esse corpo real atrapalha as construções e produções da criança, interferindo nos processos de aprendizagem em relação a escrita, leitura, equilíbrio, tonicidade, lateralidade, noção de imagem e esquema corporal, noção de espaço-tempo. Diante disso, a criança precisa ser estimulada a ter vários tipos de vivencias corporais, experiências de sensações e sentimentos para que possa ter uma maior capacidade representacional de simbolização e noção psicomotora. Entram nesses estímulos o brincar lúdico, o teatro, a dança e tudo que envolve as produções culturais, sociais e psíquicas permitindo que a criança se expresse e se desenvolva motoramente, cognitivamente, socialmente, subjetivamente e exerça sua criatividade.
Letícia Brunhani Lucas
Psicóloga e Psic0motricista
CRP 08/19753
Contato: 43 999019133