
24/06/2025
Na clínica, há pacientes que, por diversas razões, nos tocam em lugares específicos. A identificação ou mesmo um reflexo de algo que também habita em nós, podem fazer com que o vínculo se fortaleça e se intensifique. Isso, por si só, não é um problema — pelo contrário, é parte do que sustenta o trabalho vivo da análise. Mas é também aí que se tornam mais desafiadoras as situações em que esse laço é tensionado.
Lembro-me da primeira vez em que, em uma sessão, uma paciente trouxe para o atendimento algo que eu disse e que a atravessou de maneira diferente. Ela nomeou, com clareza e coragem, a sua experiência frente a isso. E foi justamente nesse gesto que se revelou a força do nosso processo: ela não rompeu, não se afastou — ela falou.
Na psicanálise, a transferência não é apenas um fenômeno técnico a ser observado; ela é a matéria viva da relação analítica. E quando o paciente se permite trazer algo que o “magoa”, ele está, na verdade, confiando que esse espaço pode sustentar não só o acolhimento, mas também o conflito. Essa confiança é um dos pilares do processo. E mais: é nesse território, entre o afeto e a fratura, que se abrem possibilidades potentes de elaboração.
Como analista, isso também nos atravessa. Ao trazer isso para análise, ela me convocou a escutar não apenas o que foi dito, mas o modo como foi escutado, sentido e ressignificado por ela. Também me colocou diante de mim mesma — das minhas intenções, das minhas falhas possíveis, da minha humanidade. E é aqui que a contratransferência não é um obstáculo, mas um instrumento: ela me permite refletir sobre como me posiciono diante dessa paciente, e como o meu desejo — legítimo, mas nem sempre neutro — participa desse campo.
A clínica nos ensina, com o tempo, que o vínculo não se quebra quando o afeto é questionado — ele se fortalece quando pode sobreviver ao embate. Não houve quebra; houve escuta. Houve elaboração. Houve sustento.
Porque sustentar a análise é sustentar a relação real e simbólica que se constrói ali, com todas as suas camadas. E isso, mais do que técnica, é laço.