03/09/2018
“Esses jovens me maravilham: bebendo seu café, contam histórias inteligíveis e verossímeis. Se lhes perguntam o que fizeram ontem, não se perturbam: informam-nos em duas palavras. No lugar deles, eu gaguejaria. É verdade que faz já muito tempo que ninguém se preocupa com o que eu faço. Quando se vive sozinho, já nem mesmo se sabe o que é narrar: a verossimilhança desaparece junto com os amigos.” Essa é uma das infinitas reflexões registradas no diário de Antoine, personagem de A náusea, romance escrito pelo filósofo Jean-Paul Sartre. Antoine é um historiador solitário e chega a passar dias sem trocar palavras com ninguém. No trecho em questão, Antoine se questiona sobre a volatilidade do pensamento e da memória. Parecem ser coisas móveis, que ocorrem a despeito da nossa atenção e que desaparece quando menos esperamos.
Pode parecer estranho, mas estar atento ao que pensamos, sentimos e lembramos tem tudo a ver com conversar com outras pessoas. Por exemplo, as crianças pequenas aprendem o que é dor quando se machucam e algum adulto pergunta “que machucado feio, está doendo?”. Na próxima vez que ela se machucar, ela poderá dizer que está com dor. Aprender a dizer que está com fome também ocorre de maneira parecida. Quando a barriga da filha ronca ou ela começa a abrir a geladeira e as portas do armário, uma mãe já perguntaria: “está com fome, filha?” Isso tudo são indícios de algo que se passa na pessoa, mas que são fatos inacessíveis para outros! Por meio da conversa, ou seja, da relação com os outros, nós conseguimos dar nome e a identificar o que se passa dentro da nossa pele. Sem o convívio com outras pessoas, possivelmente não desenvolveríamos a linguagem e outros comportamentos que nos definem enquanto humanos, como o pensar e a capacidade de relatar memórias e fantasias. Isso é tão relevante ao ponto de B. F. Skinner, um autor fundamental do Behaviorismo Radical (uma abordagem teórica da Psicologia), afirmar que o autoconhecimento é de origem social, pois nossa subjetividade, algo tão único e aparentemente interno, é construída na relação com outras pessoas. Desde pequenos, aprendemos a narrar acontecimentos pois isso é importante para outras pessoas.
Parece que vivemos cada vez mais sozinhos, a despeito de estarmos conectados pela tecnologia. Outras pessoas vivem rodeadas de gente, mas passam o dia em silêncio. Portanto, lembre-se de conversar. Conte histórias, chegue em casa e conte sobre seu dia, fale o que está sentindo para familiares e amigos. Pergunte coisas para seu filho. Estimule sua capacidade verbal e perceptiva a respeito de como você interage com o mundo e sobre o que você pensa, sente ou imagina.