Oclusão e reflexões sobre formação PARA o cuidado - Nova Friburgo Isnf/uff
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Há que se estudar criticamente, ocupar seu lugar...
Segue texto constante da coletânea: " Perplexidades, devaneios e provocações: debates e reflexões sobre o cenário contemporâneo e a formação do profissional do cuidado."
Trata-se de textos de uma reunião de cerca de 20 profissionais de saúde, de diversas áreas, versando sobre estas questões..
(organizada por mim e pela Profa. Geni Nader Vasconcelos - no prelo)
Boa leitura...
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In: "Perplexidades, devaneios e provocações: debates e reflexões sobre o cenário contemporâneo e a formação do profissional do cuidado.” Robles & Vasconcelos (org.)
“Ponte da Ilusão”: Ensino-aprendizagem para o cuidado - texto para iniciados ou sombras de pílulas vermelhas nas nossas cavernas
Fábio Renato Pereira Robles
Demorei muito para gestar este ensaio que por ventura esteja lendo neste momento. Parte deste processo se deveu à decisão de escrevê-lo em primeira pessoa, como se eu estivesse olhando para dentro de seus olhos e entrando pelo seu nervo óptico, habitando seu córtex encefálico, e, espero, tocando seu coração para nos transformarmos juntos. Como um igual, um amigo sincero. Que nem eu e nem você sejamos os mesmos depois desta experiência. Que esqueçamos o que sabemos, esvaziemos nossas xícaras e construamos uma terceira pessoa simbólica fundados nisso, fruto da reflexão que proponho a partir desta leitura.
Esta gestação envolveu leituras, pensamentos, meditações, rascunhos, revisões e cuidados, mas que poderia ser mesmo uma flecha arremessada ao futuro, ao sonho. E que o sonho seja um sonho sonhado com cada um que lê, com você - e que possa ser multiplicado junto a nossos colegas, pacientes, alunos, família e àqueles todos com quem convivemos. Realmente, uma grande pretensão de minha parte. Uma vez tendo admitido esta ambição, assumo com cada um a responsabilidade imbuída nela - em mim, ao escrever, e em você, ao ler e procurar sonhar junto comigo essa utopia.
Na vida acadêmica os textos não são em primeira pessoa, em geral; são impessoais: “buscou-se” ao invés de “eu busquei”, “pode-se concluir”, ao invés de “eu concluo”. Neste mundo não se compromete - certezas sem margem para dúvidas inseguras; estas são ocultadas nos capítulos “discussão”, pois não pega bem.
Essa redação não é impessoal, muito pelo contrário - contém minha história, minhas posturas, meus sentimentos e atitudes. É uma carta de amor para você que está lendo. Estas reflexões foram escritas com emoção de alma, no frio, no calor, de dia, de madrugada, sorrindo e também chorando, sob imperfeições humanas, suspiros, tremores e fobias. Medos que exorcizo justamente pensando em como me comunicar com você da melhor forma. De maneira franca, honesta e sem expectativas - livre e igual, como com quem divide-se um café; onde todas as possibilidades podem emergir nesta conversa - sem a necessidade de estar certo e nem de doutrinar meu interlocutor sobre como vivo tudo isso. Liberto de melindres acadêmicos que engessam a expressão autêntica. Autoral e responsável; sincero. Com meus posicionamentos próprios. Mas também forte, contundente e claro (sem agressividade; com suavidade e gentileza). Assumindo e assinando o que se escreve, como deveria ser na vida.
Sempre critiquei os trechos que fazem rasos resumos do que outros disseram meramente, sem se envolver, sem se implicar e nem se comprometer. Sim, utilizamos outros referenciais para nos situarmos, não para nos ancorar e nos calçar de críticas, mas para caminharmos em busca de outros portos, de mares ainda não navegados (ou onde homem nenhum jamais esteve, como diria o capitão Kirk, em Star Trek- Jornada nas Estrelas, na minha época). Para gerar debate, como propusemos neste livro, para avançar, dialogar e assim, transformar, evoluir. Com a humildade e liberdade de poder estar errado eventualmente. Uma nudez que a academia vaidosa teme e oculta. Estou presente nas palavras deste escrito, minha energia, alma, meus sonhos e minha entrega, no que acredito e procuro viver.
Procurei aqui ser o porta-voz de sentimentos que nós universitários, profissionais e professores não arcamos e não dizemos, um desabafo para uma cura coletiva de tantas angústias comuns e presentes em cada um. Questões não invisíveis e nem despercebidas, porém de agudo incômodo, daquele que, comumente se prefere evitar. Você que lê isso sabe do que se trata. Aqui não é o docente que escreve, mas o humano: um igual. Um você. É um diálogo em que a sua voz e sentimentos estão também identificados nestas linhas.
No entanto, criaturas mundanas que somos, não escondo a ansiedade de saber como a mensagem será interpretada, como ressoará - é como esperar o telefonema da pessoa amada, a observação no WhatsAppdos sinais azuis indicando que a nota foi lida e olhar se há um “digitando” no alto para me mostrar seu impacto aí dentro. Consegui mexer com você? Causei uma inquietação? Sentiu-se provocado(a)? - Se a resposta for sim, cumpri meu papel. É o que faço diariamente em todos os meus “eus” sociais.
Contudo, o eixo norteador que une todos os fragmentos e autores desta obra é o mesmo que trouxe você a este; aquela voz interior da mesma perturbação que move a todos nós frente a este mundo contemporâneo, o zelar pelo outro. O “outro” - que somos nós, como escreveu Rimbaud, em 1871. Procuramos entender também o processo ensino-aprendizagem em saúde (ou para a saúde, para o cuidado, ou ainda melhor, o “cuidar” como gosto de colocar, pois transcende o conteúdo e pragmatiza nossas ações diárias).
O outro é um espelho de cada um de nós. Ainda assim, paradoxalmente, outro universo multidimensional diverso do nosso em cada uma dessas dimensões (biológica, emocional, social, familiar e espiritual). “O outro”: um mestre a nos ensinar em cada uma delas, a nos dar limites ao interagir como um diferente (o que incomoda, justamente por não ser o “eu”). Lidar com esse outro é um choque que envolve sair de si mesmo, adaptar-se e transformar-se, com delicadeza e humildade consciente; um grande desafio para ceder a uma forma de pensar que foge de nossos autoconceitos que somos introjetados a confiar, visões de “certo” e “errado” que abalam estruturas e crenças internas de cada um. E continuamos estudando exclusivamente biologia, técnica e ciência... Caberia, portanto, uma conclusão de que isso deveria ser muito pouco para quem estuda “saúde” e seu equilíbrio. Este muito além da rasa definição de um mero “bem-estar” (ainda que biopsicossocial). A verdadeira “ética” a ser perseguida não passaria também por essa profundidade? É tempo para deixarmos de ser escravos de nós mesmos, desta lógica que criamos e perpetuamos. O conhecimento exclusivamente intelectual-acadêmico é árido, formal, técnico; precisa urgentemente preenchê-lo de humanidade e de questões muito além das técnico-cognitivas, em múltiplas dimensões desta humanidade tão plural dentro de cada um também. Não é nada fácil explorar valores assim na academia e em nós mesmos. Corremos o risco de um vazio que não pode ser preenchido com meras formalidades ou por conteúdo e técnica.
Entender o outro é, em última análise, entender-se. Nas relações evoluímos. No cuidado, mais ainda. Esta ética transcende tratarmos bem tão somente quem gostamos, simpatizamos ou que se enquadre em nossos padrões; cuidar incondicionalmente, atento aos nossos limites e aos do “outro” – tão seguros, que livres de supérfluos que nos restrinjam e impeçam de sermos inteiros e presentes para este outro (e para nós mesmos, segundo o raciocínio de que o “outro somos nós” - guardando, reverenciando e acreditando no potencial deste; com a compaixão de quem entende o que nos une, e, comunga com respeito dentro do que nos aparta e individualiza). Dever-se-ia então, cuidar com esta mesma ética, dignidade e zelo inclusive das pessoas de quem não apreciamos, com o mesmo profissionalismo. E isso não é simples, como a maioria das coisas na vida não são.
“Cada ser humano é igual a todos os outros, parecido com certos outros e diferente de todos os outros” (autoria desconhecida)
“Eu me reconheço no olhar do outro” J.P. Sartre
Desta forma, como dito na introdução desta coletânea que compõe este livro, reunimos profissionais do cuidado para refletirmos juntos sobre a contemporaneidade e como ela influencia suas práticas. Mas somente refletir e tentar analisar nosso tempo na perspectiva do cuidado em saúde não bastava: era preciso somar um sentimento de perplexidade comum a todos, devanear e provocar e debater, mas ainda mais pertinente: ensejar algo ou um caminho em que acreditamos.
Procuro fazer isso como mensagens lançadas ao mar em garrafas, ideia bem colocada pela companheira de organização deste livro: Geni Nader Vasconcelos, querida amiga, madrinha de casamento e inspiração nesta escrita. Que faça bom proveito o curioso que encontrar uma delas e tiver não apenas olhos que enxerguem, mente e coração para entender e sentir, mas desejo de também de apropriar-se destes sonhos e realizá-los conosco; que semeie esta energia junto a estudantes, colegas e pacientes. Para mudarmos na direção do percurso que hoje pensamos ser o “mundo melhor”, livre de bolhas de realidade que unicamente reflitam um eco de nossas preferências – abertos a tudo, sem julgar. Transcender o instinto, o prazer e o impulso e constituirmos o além de nós mesmos. “Um livro que leva a mudanças em sua época propaga também no campo das transformações futuras o germe da mudança” (VANEIGEM, 2016).
Quando escrevemos, imaginamos quem vai ler, ouvir - queremos conhecer esse nosso interlocutor ativo - a quem destinamos nosso livro (saber quem é esse alguém nos interessa; e aquele que está em busca, com humildade – e, muitas vezes, este alguém está em intenso sofrimento solitário). Sim, garrafas ao mar - a comunicação se completa com o outro. Escrita e ideia se completam com a leitura por estas pessoas que entendem estes pensamentos como seus. O que nos une não é somente algo típico de uma área, mas sim uma preocupação com o mundo: mensagem. Uma ponte para alternativas, que gosto de chamar de “Ponte da Ilusão”; portanto ilusão é a possibilidade de muitos desfechos. Mas que, para vivê-los, é necessário ter coragem para atravessar e deixar para trás o que não serve; as velhas roupas apertadas que insistimos em continuar usando. Estamos profundamente machucados e muito feridos, em especial no estudo e atuação em saúde, em cuidar; reconhecer isso é fundamental para transpormos abismos, construirmos pontes, sairmos de cavernas.
Nosso tempo, a contemporaneidade, envolve avanços científicos-tecnológicos e também na comunicação, política, economia, meio-ambiente e sociedade.
É, portanto, uma época penosa, em que as barreiras não são somente a falta de esforço pessoal, como prega uma cultura que inconscientemente absorvemos e replicamos, e suas culpas. O autoconhecimento (o “conhece-te a ti mesmo”, do templo de Apolo) é uma procura que pode transcender a duração temporal de uma existência, mas ainda acredito ser o trajeto para a clareza sobre o que se quer, por qual razão e, mais imprescindível: para quê. O difícil é tudo; viver já implica em um ato de coragem, pois não seria vida se assim não fosse - afinal, o que é fácil? O que não dá trabalho e não precisa de investimento de empenho e resolução de conflitos e superação? Sempre recordo da passagem bíblica segundo a qual devemos escolher a “porta estreita” (Lc. 13:24 / Mt. 7:13), isento de doutrinas, mas filosoficamente. “O que é fácil?”, “Para quê?”, “Conheço a mim mesmo?” - Provavelmente a base para qualquer propósito seria ao menos ter essas perguntas na mente para reflexão diária e não procurar já encerrar os assuntos com conclusões simplistas e reconfortantes. Encanta-me ficarmos nas perguntas e não as entendermos, para não assassinarmos a prática da busca reflexiva e humilde, das flexibilidades fluidas que permitam ressignificações e metamorfoses pessoais diárias, necessárias contra a rigidez que nos estagna e cristaliza.
“Homem nenhum entra no mesmo rio duas vezes” Heráclito
“Viva agora as perguntas” Rainer Maria Rilke
“O bom é ser inteligente e não entender” Clarice Lispector
“A dúvida é o atalho da inteligência. Sem a dúvida, não há mais o que aprender” Fabrício Carpinejar
“Crer é muito monótono, a dúvida é apaixonante” Oscar Wilde
Além destas angústias, dúvidas e questionamentos (genuínas e próprias a um acadêmico em construção), existem outras criadas pelo ambiente e pelas cobranças da “escola”, em seu conceito amplo. No campo da saúde e sua formação isso é ampliado e dói mais. Esgotamento, culpas e sensação de se ser incapaz, de não corresponder às expectativas de pacientes, família, professores e sociedade permeiam o cotidiano de nossos aprendizes, afora a distância da casa de origem e os olhares de todos esperando um desabrochar que não chega. Competição e sensação de eterno débito. Queimar até acabar (-se) - burnout, depressão, ansiedade, baixa autoestima, incapacidade de lutar e de subverter, enovelar-se, e uma realidade que não queremos encarar: a possibilidade do suicídio. Esse é também o discente com quem lidamos - um semelhante delicado neste transcurso e contexto. Precisamos com urgência e responsabilidade olhar para isso, conversar sobre o assunto e fazer algo a respeito. Este alguém não está sozinho. Pode ser você este alguém...
Nas instituições públicas tradicionais, parece que este assédio por resultado é ainda maior - o que não deveria ser, uma vez que estas escolas cumprem muito além do interesse econômico, voltadas com maior ênfase para a formação do profissional do sistema público visando à atenção e ao cuidado. Idealmente, atribuir-se-iam como o exemplo às demais organizações. Há instituições mais novas que são muito mais humanas e apoiam mais seus estudantes, talvez por serem livres desta tradição, que, não raro, mantém paradigmas tortos.
Há que se tomar muito cuidado com um ensino subliminar em que professores, através de exemplos e atitudes (que funcionam mais do que mil lições) acabam se clonando em seus “alunos”: o atraso frequente e sem motivo, o descaso, a preguiça, o ir embora mais cedo, a cultura de que sexta de tarde é para já estarmos deixando o ambiente de estudo e prática o quanto antes, o que o bom é cobrar o mínimo possível para ganhar a simpatia do estudante, que por sua vez evita o trabalhoso, o complicado. As posturas e atitudes serão alicerçadas justamente através destes desafios e escolhas.
No momento em que enfim entendermos: aprenderemos mais através dos casos mais difíceis, das pessoas mais refratárias, das condições mais adversas, começaremos, em verdade a ganhar a coragem e clareza que estamos vencendo a nós mesmos então – aí então preferiremos e abraçaremos com gratidão os obstáculos, os reais mestres - escolheremos o caminho difícil, que é onde aprenderemos. Aí sim, a roda começa a girar. É evidente que o exemplo virtuoso também contagia os pupilos para um trajeto menos tortuoso para movermos a mesma roda, infelizmente mais raro. Estar preparado para todos eles é o que desenvolveremos.
Na vida real, situações aparecerão diferentemente da didática de qualquer livro, que exigirão jogo de cintura, experiência da derrota (com aprendizado), tenacidade e resiliência do outrora principiante. Quem apenas estudou técnica não passará neste teste.
“Always go with the choice that scares you the most, because that's the one that is going to require the most from you” Caroline Myss
Diante de tantos conflitos e sofrimentos, em um cenário de exigências, faz-se necessário cultivarmos nossas esperanças e possibilidades; desnaturalizarmos o que nos impacta e não nos conformarmos com o existente. Não podemos permitir que a tendência em nos colocarmos como vítimas ofusque a nossa vontade de pensar e subverter esta ordem natural - negando esse movimento, faremos de nossa resignação um álibi para jamais nos apropriarmos de nós mesmos, e não estaremos presentes na nossa existência: uma não-vida, portanto um desperdício de nós mesmos (ARANTES, 2016; PLATÃO, 2009; VANEIGEM, 2016). Precisamos fomentar a reflexão e não somente o conhecimento, pois devemos evitar o “vazio do pensamento” (NOVAES, 2009); é, portanto, necessário que a postura de olhar e debater o “nosso tempo” não venha a reboque dos acontecimentos, para que, apáticos fiquemos à mercê deles e meramente cumpramos um papel passivo e defensivo.
A vida contém tudo. Neste todo, nossas inadequações, imperfeições e muitas emoções a serem gerenciadas. Nossas e da pluralidade e diferenças dos tais “outros”.
Assim que tudo for exaustivamente superado, chegará então o momento do voo. Ninguém “se forma”, pois estamos sempre incompletos, mas acaba o tempo de estudos e precisamos fazer esses jovens se lançarem no abismo e confiarem em suas próprias asas. Perspectiva de um futuro muito mais idealizado do que será, mas que deve mesmo ser assim, utópico, sonhado. Natural, inerente ao neófito e notável ímpeto em direção à vida.
“O que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?” Paul Valèry
“Nós somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos” William Shakespeare
“O encantamento não está no que se vê. Está no que se imagina” Rubem Alves
Anseia-se tanto pelo tal “sucesso”. Mas o que é sucesso, afinal? Como deve ser construído? Qual o tempo de maturação? Como deve ser esse progresso e quais os alicerces necessários para tanto? Como lidar com tantas variáveis e que envolvem tempo, esforço, zelo, dificuldades, frustrações...? O que realmente importa nesta luta? Se viver é estarmos em nós mesmos, inteiros e presentes, como acolher o nosso próprio desamparo, a precariedade e prosseguir? Sucesso para quê ou para quem? Essa é a maturidade que será testada visceralmente e implacavelmente em cada um. Para isso precisamos nos preparar e ver razão e propósitos na batalha. Acreditarmos em nós mesmos, termos fé de sermos capazes. É necessário que permitamos que o melhor que cada um mais gosta em si venha à tona e se espalhe. A competição real é compreender-se e superar-se, para os objetivos reais. E isso não é claro e nem simples - penso que aí é o ponto em que o professor pode amparar seus estudantes. Em despertar e revelar aquilo que já se encontra dentro de cada um, como uma escultura em um bloco de pedra bruta.
Prefiro a palavra estudante (que é quem estuda, sujeito ativo) à palavra aluno, termo ultrapassado de um indivíduo “sem luz” (ad lumen), que não existe; portanto, entendo que não deva ser tratado desta forma por estas subliminaridades que absolutamente não fazem sentido. Todos têm luz. Vamos usá-las.
Existe, entretanto, uma identidade obscura inerente aos futuros profissionais de saúde, no que diz respeito a suas vocações naturais para o cuidado, o que acredito ser genuíno, mas que pode dar margem a uma incoerência perigosa, quase que natural e comum. De um lado, estão aspirações pessoais e admiração pelo cuidar, esperanças e uma inclinação de “missão para o outro”; do outro lado, um encantamento vaidoso pelo statuse poderes que podem decorrer desta escolha e posição em seus meios familiares e sociais, pela possibilidade de ganhos econômicos e pelo glamour da profissão, com seus adereços e forma de se vestir, de falar e maneirismos blasé. Tudo isso é inconsciente e compõe um conjunto de atrativos que fazem o jovem chegar às universidades destes cursos de formação de profissionais na área de saúde. A autoestima é positiva para nossos propósitos; a vaidade não.
Sou convicto de que a base do vocacionado nasce no querer, em desenvolver-se para saber a razão do que se quer e no propósito baseado nisso, aí então em assumir a responsabilidade e o trabalho que isso envolve e então mudar o mundo.
As resistências são inúmeras, mas não passam escassamente por um simples “querer mais ou menos”; ser profissional de saúde não envolve o mero recurso natural de atender a provas, estágios e obrigações acadêmicas, mas passar por um portal de te**es e confrontos conosco mesmo; com espelhos e com o que somos (nosso melhor e nosso pior): onde ocorre uma iniciação quase que espiritual. Esse ritual seleciona os verdadeiros vocacionados: aqueles que sabem o que querem e estão firmes em seus propósitos mais íntimos. Os que têm clareza de que não se trata de apenas querer para que seja possível. Aqueles que não se preocupam tanto com o juízo que os outros farão da verdade que procuramos professar, com a humildade e flexibilidade para reconhecer falhas e evoluirmos. Os iniciados. Ao menos deveria funcionar desta forma.
Há uma imaturidade grande também nos recém-egressos, um mercado de trabalho disputado e cruel, que nem sempre está alinhado às necessidades epidemiológicas locais. Isso cria uma angústia maior ainda, fora o fato de que não há estimulo a planejamento de carreiras, empreendedorismo e gestão pessoal ou de empresa nas graduações, o que gera uma visão romântica de uma dura realidade, com sérias consequências pessoais e impacto iatrogênico. Reflete-se até na saúde pública. A ponto de verificar-se como uma causa de morbidade justamente o acesso da população a esses serviços – excesso de intervenções dos profissionais de saúde, por vezes desnecessárias e prejudiciais. Os interesses econômicos de mercado utilitarista e de consumo, ao que somos postos como instrumentos, se opõem às carências reais da população, suas demandas e condições epidemiológicas.
Sempre presumo que há que se viver com propósitos claros - o que não é fácil pela própria condição humana e suas “tragédias” - aliás vivemos sob uma tensão entre o “destino” e nosso “livre arbítrio”, entre a tragédia e o drama (MAFFESOLI, 2003). O tal “conhecer-se” é talvez o segredo maior que nos leva a outros desdobramentos, mas a base é essa. Uma vez isso mais ou menos claro (em mutação flexível, ressignificação, metamorfose e reconstrução constantes), há que se buscar outros conceitos em tudo o que se faz: o que é essencial? O que faz sentido? O que é significativo? Quais minhas prioridades? Como, no quê e para quê investirei meu tempo, dedicação, labor, alma e verdade?
Não há condições para se questionar muita coisa nesta contemporaneidade e ansiosa fluidez. Muito menos para se “olhar as flores do campo” (Mt. 6, 25-34). Há apenas “que se arrumar a mala” (Álvaro de Campos - Fernando Pessoa). Nossos estudantes estão sem espaço de reflexão, sem arte e sem poesia. Vivem num eterno “arrumar malas” e corresponder às expectativas de professores que, inconscientemente, como eles mesmos foram educados, agem como no clipe da música “Another Brick in The Wall”, do Pink Floyd. O bom aluno (aqui mantenho o implacável “ad lumen”) é o cordeirinho obediente e uniformizado que se “enquadra” neste “jogo” e não aquele que pensa, que se individualiza e mostra sua essência através do que estuda e faz. Quem não reflete, não se sobressai por si e não incomoda; é aquele que aprendeu as regras do sistema e as segue (uma inteligência e estratégia de sobrevivência dentro da caverna – o próprio vestibular já seleciona os que, de certa forma, aprenderam como funciona a dinâmica deste tempo, o que não é, segundo o que tento dizer com este texto, um grande mérito de autoexpressão autêntica).
Minha postura pessoal é que isso mata a alma do futuro profissional de saúde, perpetuando uma doença social de quem é cuidado (mal) e de quem cuida, pois ele mesmo reproduz com pacientes e equipe uma violência subliminar que aprendera justo no ambiente que o “formou”. Isso é grave e pouco discutido; olhos vendados e ouvidos tapados para o que grita e se ilumina escancaradamente diante de nós.
Não estaria, assim, ocorrendo uma retroalimentação perversa em atitudes pretensamente didáticas que reforçam o assédio terapêutico, a vaidade e a atitude arrogante de um futuro profissional que se descaracteriza como humano ao longo sua formação? Uma espécie de massificação de frieza, indiferença e autoridade? Sem que nos percebamos conscientemente, como profissionais do “cuidado” somos engolidos e reproduzimos a perversão do pretenso generoso.
Onde abrimos mãos de nossa liberdade neste caminho e acabamos por nos perder de nós mesmos? Passamos a supor ser normal não termos coragem e suavidade para bancar uma atitude e escolha. Enquadrarmo-nos para sermos aceitos nesta irmandade secreta requereu um grande preço para nossa iniciação. Nossa essência primordial da vocação que paradoxalmente deixamos de lado em prol da artificialidade à qual nos forçamos a sermos moldados. Quanto mais especialistas e mais graduados, menos humanos. Sentimos o desconforto, mas negamos. Ao encontrarmos colegas não comentamos insucessos e dificuldades; pouco pedimos ajuda. Limitamo-nos a contar vantagens, muitas vezes exageradas.
Paira no ar um torpor para uma continuidade de algo que “é assim mesmo”. É até confortável na matrix, na caverna - sair para quê?
A Ponte da Ilusão é uma passagem aberta para acessarmos a nós mesmos. Marchemos.
É tempo de despertar. Enxergar o despercebido. Vimos que o impacto epidemiológico dessa falha na própria população e de suas demandas pode vir a ser desastroso. Incentivo essa apropriação do sentido no que se faz e em que investimos tempo (vida). Críticas e elogios a serem vividos; com consciência, além de reforços comportamentais – maturado sem se identificar com melindres de um ego vulnerável – saber ouví-las e aproveitá-las a nosso favor requer um sólido coeficiente emocional. Acreditando na essência da vocação que nos trouxe aqui e na chance real de vivermos um futuro protagonizado por todos nós, agentes conscientes e responsáveis por nossas ações. Adaptar-se e saber “se dar”. Quem lida com a fragilidade do outro, e se propõe a “estar com” (junto), ainda que não se possa “fazer por” (resolver), precisa desenvolver humildade e compaixão para consigo mesmo e para quem é cuidado por nós. Limitações próprias junto com confiar e acreditar no potencial de quem cuidamos, protagonizando-o, tornando-o copartícipe de sua atenção e cuidado, sem passividade, trazendo-o para o diálogo: promovendo saúde e potência nesta relação. Essa escolha de atitude é um trajeto por vezes solitário e sofrido, reservado a quem entende que a dignidade própria não se vende por nada.
“Ê, ô, ô, vida de gado. Povo marcado, ê! Povo feliz!” Zé Ramalho
Atualmente, buscam-se cursos de especialização, mestrado e doutorado não mais sob o paradigma de se responder a dificuldades vividas (como seria o processo científico). Ao contrário: o objetivo é se preparar para obstáculos supostos que nem foram experimentados ainda - como um escudo contra um monstro desconhecido. O mercado de trabalho amedronta tanto os estudantes e futuros profissionais que a academia se apresenta como um refúgio, uma bolha que os acolhe e protege da vida. O arranjo das políticas da “ciência” incentiva esses precoces, sem alicerce (e não por culpa essencialmente deles). O próprio sistema que rege os cursos de pós-graduação incentiva a competição e o produtivismo acrítico. Então, formam-se professores que não viveram o que praticam e ensinarão outros educandos da mesma forma. As seleções para universidades públicas (concursos docentes) e o mercado de cursos privados absorve estes egressos imaturos (sob uma competição onde o critério é justamente este produtivismo - uma competição “fálica” sobre quem é maior). Muito do atrativo é um verdadeiro espetáculo com pirotecnia e efeitos gráficos, tornando a aula em um showem detrimento de conteúdo e formação. E isso é perigoso para a sociedade. Criaremos um exército de replicantes de uma ciência não vivida, com pouco impacto no social, no humano. Há que haver maturidade para reflexão e coragem para transformação.
No campo do ensino-aprendizagem em saúde, há também problemas inerentes à gestão e pessoal que penso ser interessante olharmos para alguns deles com maior atenção. Nas instituições públicas, a seleção dos docentes pouco abrange sua versatilidade e jogo de cintura, bem como a contribuição genuína para a construção de um curso, pois não é raro o então admitido tender a se acomodar no perfil negativo de funcionário público, que tem a sensação de estabilidade e cuida mais de sua carreira e currículo como um bico fixo e uma aposentadoria (em detrimento do curso) - “conquistei a minha vaga e agora é só administrar e ir levando”. Nas instituições privadas, em contraposição, o professor vive com medo de ser mandado embora se desagradar os discentes, que o sustentam através de uma popularidade condicionada a não atrapalhar a vida dos estudantes com limites e rigidez apropriados, o que também tira a autonomia do docente em fazer o que se deve - “faço pela avaliação mais do que por minha prática, pelo paciente e pelo futuro profissional”. Um contraste entre extremos, que prejudica em última análise a formação desses profissionais, bem como a população a ser coberta por eles. Pior, cria um exemplo a ser perpetuado pelos futuros mestres e doutores a conquistarem suas vagas de então docentes. Cabe a quem romper esta inércia?
Ocorre, pois, o horror do desencontro de anseios e propósitos entre aquilo que o estudante busca e sonha e com o que professores e instituições pregam, fazem e do que todos podem oferecer no campo da formação para o cuidar de uma população carente de cuidado. Frustra a todos: estudantes, professores e população. Há ainda mais uma pressão neste cenário; a de que lidamos com uma geração mimimique não aguenta pressão e que não pode ouvir o não. Uma guerra fria se instala procurando culpados em tudo o que não dá certo e que reflete em todos.
Considero ser atribuição nuclear da universidade a de “ombudsman” de si mesma; atenta para que possa identificar e refletir sobre seus papéis e autocriticar-se o tempo todo. Da mesma maneira, deveria ser cada estudante, cada profissional, cada ser humano, em uma marcha de evolução humilde. Quais os rumos que estamos tomando e suas consequências? Estamos atingindo esse público-alvo? É claro o que se faz e suas finalidades? Novamente nos vemos às voltas com as questões esfíngicas que nos devoram quando não procuramos a busca por decifrá-las. Eventualmente esse seja o empreendimento que nos traga o sentido e que nos coloque presentes e inteiros - uma missão e destino cumprido íntimos a uma existência plena.
“A única finalidade da ciência está em aliviar a miséria da existência humana” Bertold Brecht
Enquanto buscarmos por objetivos rasos e mesquinhos, teremos que nos contentar com notas, coeficientes de rendimento, certificados, títulos acadêmicos e seus pronomes (professor, doutor, etc...), dinheiro, fama e selfiesem redes sociais. Uma vida repleta de vazios, uma vez que não há consistência e significado. O mundo pictórico de imagens e fotografias com filtros e bumerangues “engraçados” para serem postados no efêmero espetáculo que observamos (do lado de fora, geralmente, mas que por vezes pretendemos imitar e duplicar). Sombras na caverna confortável, voluntariamente servis em troca da segurança de uma realidade da qual se desconfia, mas que não se encara. Selfiessem conhecimento do self.... É muito dolorido atravessar pontes...
Não tratamos lesões cariosas, condições periodontais, necessidades de próteses ou disfunções temporomandibulares. Cuidamos daqueles que trazem estas questões, de acordo com suas histórias, comportamentos e contextos individuais. Cuidamos de pessoas; para que vivam experiências reais: beijos, brigas, sorrisos, perdas, encontros e desencontros. Para que se usem, para que se gastem – muito mais do que para se congelarem em ilusões de eternidade, em imagens pós-operatórias que negam a inexorabilidade do fluxo. Cuidamos para a vida (delas) e não para nossas fotografias e vaidades. Queremos o bem delas e não que sejam mostruário ambulante de nossa habilidade e conhecimento em saúde, no então conjectural cuidado.
No caso de enfim ousamos a aventura de acessamos a nós mesmos, passamos a tratar os desafios, aos quais o tempo todo somos submetidos, de maneira suave. Os medos e fantasmas de cujas sensações provocadas em nós também fugimos e evitamos passam, pois, a ser relativizados. Entendemos e acolhemos quaisquer dúvidas interiores e encontramos uma naturalidade e segurança nova, diferente em enfrentar reveses e a vida. Constatamos o equilíbrio interno em um caos externo, pois, se há sentido para nós, não há batalha perdida e nem derrotas, pois tudo será experiências e aprendizados. Estaremos prontos, ainda que não com maestria (ainda). Compostos para a jornada; a de atravessar pontes. Preparados aliás até para a derrota, uma vez livres da obrigatoriedade falsa de êxitos constantes. Não procuraremos agradar a ninguém e nem cultivar imagens vazias. Apenas quem passou por vivências ruins, sabe lidar com quase tudo, inclusive com as adversidades que virão (ao menos tentar; administrar – sem fugir ou negar). E assim então começa-se a acertar. Aceitemos com honra e coragem esta iniciação em nós mesmos para, portanto olharmos (e cuidarmos) dos “outros” agora, com essa percepção, nem mais tão outros assim. Cultivemos o estado de atenção, o viver o presente, alertas; sem ansiedades, mas com disponibilidade e disposição. Prontos para seja lá o que vier. Centrados e potentes. Esta construção requer maturidade e tempo; aquele que se começa hoje: agora. Para que se procurem direção e sentido. Uma revolução suave em cada um.
“O homem pode suportar tudo, menos a falta de sentido” Viktor Frankl
Por que existe o treinamento e a repetição na Odontologia, por exemplo? Por que não pedir que o aprendiz sugira como resolver uma questão e apresente seu embaraço no seguimento e evolução? Por que não estimular criatividade ao invés de seguir o mero modelo visual-cópia em que, ao final, todos os trabalhos devam sair semelhantes, tal qual uma linha de produção mecânica e acrítica, onde pouco se aprende com os erros e o decurso? Por que somente o resultado final é valorizado, ignorando-se as dificuldades e não as debatendo para entendê-las e superá-las? O estudante é pouco crítico nesse regime? Não se pode errar...??? Será que quem “acerta” (de primeira) reconhece sua conquista da mesma forma que quem lutou, enfrentou e prosseguiu? Estamos na “escola” para quê? Futuros profissionais do cuidar do outro... Noto a ansiedade por uma “perfeição instantânea”, um sucesso sem processo, que se torna um fardo de ser sustentado, pois o treinamento requer tempo, maturação e aperfeiçoamento. Precisamos ser gentis com nossa condição de aprendizes; humildes, mas atentos. Aceitarmos que nossa natureza é imperfeita, falhas e limitações (“conhecermo-nos”), para que possamos superar a nós mesmos e seguir, conscientes de nossos potenciais. Sem nos abatermos e sem fantasiarmos o que não somos (ainda). Quem sabe se conseguirmos trocar perfeição por totalidade, por estarmos inteiros e presentes seja já tudo o que precisamos.
Penso nas rotinas de repetições exaustivas de exercícios de uma arte marcial, por exemplo. Não seria o treinamento de um ideal (manequins, simulacros, realidade virtual, etc...) a forma de, baseado nesse “ideal”, futuramente compararem-se situações do dia-a-dia, práticas, atípicas e fugir desses padrões de maneira flexível (porém não irresponsável ou volúvel)? Aí então, construíra-se uma percepção crítica errando, refletindoe corrigindo. Adaptar-se ou reproduzir? Em um treinamento de arte marcial, na hora da luta real usa-se o fundamento aplicado às situações, inconscientemente em cada movimento. Na profissão que exige a técnica, da mesma forma. Necessária a repetição para aí transcender-se do modelo para as particularidades. A percepção dos próprios erros, a humildade em superá-los, trabalhar a própria vaidade e arrogância, a compreensão da finalidade, a disciplina, a compreensão e noção de que dependemos de muitos outros para avançarmos (interdependência), a modéstia, a autocrítica, duvidar-se e questionar-se para evoluir, a delicadeza e muitas outras; características estas sim, dignas de atenção e lucidez, durante a formação inicial e o tempo todo na prática do cuidado. O erro é fundamental para a atenção, reflexão e mudança, com vistas a propósitos nobres. Assim, pode-se assumir as rédeas das próprias vidas e superarem-se adversidades quaisquer.
Sem vítimas e sem algozes; livres. Sem dívidas a benfeitores e nem gratidão servil perversa. Abraçar compromissos conosco mesmos, sem “lágrimas na chuva” e sem cortinas. Sem esperar que a fiscalização deva partir de conselhos ou de qualquer Leviatã, mas que cada um faça seu melhor. Com humildade e consciência de quais as fragilidades que devem ser trabalhadas. Fazer o que se deve, o certo, o ético meramente pelo medo de sanções ou por querer aplausos é fazer pelo motivo errado - é o caminho do fraco.
Outra questão seria: por qual razão então o discente não opina, ou pondera pouco, no progresso do ensino-aprendizagem e não se empodera como partícipe desse sistema? Qual seria a razão de ser assim extremamente passivo e de não exercitar a reivindicação de uma alternativa melhor? Perceberia a si mesmo pouco potente (ou até agente passivo) no contexto, dando muito mando aos docentes, que apreciam esse poder e contribuem para fortalecer a discrepância?
Técnica como fim ou como instrumento? Para qual fim então? Já nos perguntamos esse óbvio ou continuaremos a fechar nossos olhos para o simples que é tudo? Nós nos refugiamos na técnica (onde somos bons) para evitar o humano do outro (que reflete o nosso e faz pensar), onde não somos assim tão bons. Não seria o caso de então tentarmos nos tornar “bons” nisso? Investirmos estudo e prática inclusive nestas habilidades. De tantas ambições e sonhos juvenis, poderíamos ter esse objetivo maior. “Bondade também se aprende”, dizia a poeta Cora Coralina. Fazer procedimentos e executar protocolos é muito fácil; difícil é acessar as dimensões do humano, com vistas ao “cuidar”.
Aprender a ouvir, amparar e ajudar, muito mais do que a resolver ou curar ou reabilitar. Desenvolver aprimoramento pessoal, aprofundar-se nas camadas de si mesmo e do humano, cuidar-se para então oferecer o que se tem de melhor. Melhor do que “construir sorrisos”, como é moda na Odontologia, é sorrir junto, um sorriso brotado de quem se sente junto, amparado. Real, além de facetas; puro, além de clareamentos. Cuidar do biológico; melhor dizendo: da pessoa. Em sua totalidade (biológica, emocional, social, familiar e espiritual), muito além de empregar materiais e equipamentos sofisticados e técnicas automatizadas. Tudo isso, recursos para um fim maior, uma ferramenta para o cuidar, a serviço do cuidador, para quem precisa ser cuidado. Um curso tão caro, que demanda tanto afinco e estudo, não pode se restringir a materiais, técnicas e habilidades psicomotoras. Muito menos condicionar sua excelência à disponibilidade destes artifícios. Priorizar a ética e a saúde antes da “estética”, com delicadeza e serenidade.
Parece-me que a realização profissional nessa área do cuidado ao outro passa mais pela postura ética e caráter, bem como pela convicção do nosso papel social e político na sociedade em oposição a realizar bem protocolos e procedimentos. Desenvolver a capacidade de executar técnicas aprendidas está ligada ao treino, à prática, como já dito, enquanto que a consolidação das virtudes morais é um movimento interno, mais significativo (e difícil) que as habilidades cognitivas e que as do fazer descontextualizadas. A resposta e atuação inteligentes são éticas e não epistêmicas. A consciência clara das questões e propósitos de cada um na vocação para o cuidado é o que legitima os valores que defendemos no que escolhemos fazer como profissão, o que requer profundo autoconhecimento e não é simples. Constrói-se.
“Queremos ter certezas e não dúvidas, resultados e não experiências, mas nem mesmo percebemos que as certezas só podem surgir através das dúvidas e os resultados somente através das experiências” Carl Jung
“Ofereça a um peregrino um atalho e ele terá certeza de que você não é um companheiro de jornada” Nilton Bonder
Em um tempo que se enaltece o “ciborgue” substituindo partes e “melhorando” o humano precário, como ampliar e retornar o devotamento às essências? Olhar com olhos de ver, ouvir com ouvidos de escutar. Perceber, considerar e atuar sabendo e individualizando o ser humano, o semelhante e não cuidando de doenças ou problemas, mas de quem os tem. Da pessoa (que é como cada um de nós). Desenvolver interação em equipe, multi, inter e transdisciplinarmente. Entender-se na posição de colega, de chefe e de subordinado, cultivando deferência e valor. A percepção de todos estarmos interligados e codependentes. Saber se comunicar, indicar o que é preciso, necessário e entender quando o não intervir muitas vezes é o melhor cuidado. Mínima intervenção com mínima invasão e máxima conservação. Orientar, educar e perceber têm igual ou maior importância que atuar invasivamente. Transmitir confiança. No momento em que formos executar algo que exija técnica, saber a razão, a finalidade e o como para fazer bem feito - daí sim: o estudo e treinamento farão todo o sentido. O bom profissional é também humano, mas apenas segurar na mão do paciente também não basta.
A interação com pacientes, colegas, familiares e equipe exige uma pessoa que domine habilidades cognitivas, emocionais e relacionais. Compreender e vivenciar o melhor que se pode ser ou fazer com o mínimo que se tenha; infraestrutura e recursos passam a ser secundários nesta diferente perspectiva.
“Em um mundo em que você pode ser qualquer coisa: seja bondoso” (autoria desconhecida)
“Para ser grande, sê inteiro. Nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.” Ricardo Reis (Fernando Pessoa)
Acredito que o estudante da área da saúde possua um dom inato: o de cuidar deste igual, e, para tanto, busca ferramentas com a tecnociência para exercer justamente este seu “servir”, que envolve proteção e respeito, bem mais do que realizar procedimentos (o ser antes do fazer - fazer este, muitas vezes apenas para parecer). Diferente do que vê statuse cifrões, e daquele que quer agradar o outro para ser reconhecido (correntemente há uma estranha moda de se posar para fotos como profissional, vestido a caráter, de braços cruzados e virados a quarenta e cinco graus, por vezes mostrando o relógio, em geral caro). Professores que abrem mão de seus princípios para serem validados por homenagens efêmeras e sem lastro real - a busca por ser querido a qualquer custo. Um jogo de egos frágeis que não combinam com a postura do cuidador ou também com a daquele que deveria se portar como um mestre que pretende ensinar para o cuidado em saúde.
“O atrelamento da educação a critérios meramente econômicos e de mercado traz o risco de empobrecimento da experiência formativa, abrindo espaço para uma perigosa banalização da vida. Ou seja, a educação continua requerendo algo mais que a dimensão técnica de preparo de competências, que rompa, por um lado, com a letargia da repetição do mesmo e, por outro, com o incessante ímpeto pelo consumo, a obsessão pelas sucessivas produções de autoimagens, que impedem a criação da nossa própria interioridade. Isso nem sempre é compreendido na urgência da vida e nas diferentes demandas profissionais do mundo contemporâneo. (...)” Nadja Hermann
Na odontologia, a ética e retidão serão testadas sempre. Diferentemente de outras profissões do cuidado, é até possível exercer a prática assistencial de uma maneira errada pretendendo ser a correta em vários aspectos: biossegurança, indicações e decisões terapêuticas, planos de tratamento, quantidade de sessões, honorários.
Aprendi que dá para viver dignamente cuidando, mas que enriquecer não é algo que combine com essa vocação e nem possível atualmente, como profissional de saúde. Há estudantes curiosos e dedicados, que mal se importam com formalidades como notas e frequências. Outros muito preocupados com isso e com formalidades e documentos que o levem a diplomas, inscrições em conselhos, licenças e habilitações legais, etc. Eu me preocupo com o primeiro grupo e busco o brilho no olhar destes e inspirar o mesmo em outros. Aquele que vê a dedicação ao outro além da ciência, incluindo-a, é claro; absolutamente necessária à prática de promoção de saúde, mas que, sozinha, não explica muita coisa. O que compreende o maior valor da experiência humana, e não da técnica. Quando a tecnologia já não é o foco primário, o humano se faz ainda mais inescusável.
“Numa terra de fugitivos, aquele que caminha na direção contrária parece estar fugindo” T.S. Eliot
As pessoas estão carentes de gentileza, de cuidado, de atenção e de carinho. A ciência sozinha pode ser violenta, pode subjugar e enquadrar o individual em padrões, protocolos e algoritmos dicotômicos. Talvez a inteligência seja a flexibilidade para entender e adaptar os parâmetros e paradigmas que vemos nos livros e artigos para a expressão variável e contextualizada em diferentes dimensões, individualizada, dinâmica, modificada ou mascarada por síndromes de outras questões que não somente o que buscamos. Ver e nos relacionar com a pessoa, além da doença. As terapias integrativas (que vem sendo pejorativamente consideradas até de pseudociências) ganham terreno aqui, pois de um lado nem tudo são evidências científicas e nem tudo é explicado com exclusividade pela ciência; do outro lado, preenchem lacunas para as carências de atenção, de tempo, de reconhecimento e de amor, além de metas e indicadores numéricos e frios apenas. Há ao menos a intenção do cuidado, enquanto que, com o jeito ortodoxo, pode estar tão somente a vaidade em acertar (ao menos em primeiro plano, o que é desumano, ainda que científico). Possivelmente equilibrar atenção com a boa técnica seja o rumo, com seriedade ética. Ciência em excesso pode também ser muito prejudicial à saúde. O herói a ser admirado deve ser o que é dócil com um olhar afável e amoroso, mais do que o carrancudo, ao contrário do que vemos nos quadrinhos. Todos queremos e precisamos desta troca energética, sem nos abandonarmos, mais ainda do que “êxitos” e parâmetros insensíveis. Cuidar e sermos cuidados. Há uma grande falta de tudo isso.
Não se trata de dicotomizar e nem de hierarquizarem-se práticas tradicionais ou alternativas, mas de perceber, considerar, ampliar e incluírem-se outros valores e sutilezas de igual ou maior relevância em nossa atividade diária, em especial quanto à atenção e olhar. O paciente que foi humilhado pelo bambambãvai ao Reiki, à benzedeira, vai receber o “passe” e se sente bem, pois é visto, é tratado com respeito - é justamente aí que o perdemos. Há ainda muito presente a arrogância do estudioso ou experiente em dizer que só trata se for de determinado jeito, inflexível, prepotente e sem criatividade para adaptar sua forma de agir. Ficamos bravos e até ofendidos a cada vez que a pessoa não se encaixa do jeito que presumimos que “tem que ser”, na forma que aprendemos, que estamos acostumados. O professor reproduz modelos autoritários aos futuros profissionais, o que perpetuam práticas e atitudes perversas e obtusas, ampliando o exército de profissionais que não cuidam, caso o que necessita não se “conformar” aos modelos que os livros, a ciência e a academia determinam - ignora-se o particular, a essência; se o tratamento dá errado e o paciente não melhora é então culpa do paciente e lavamos as nossas mãos.
“E o que é a verdade?” J. 18, 38
“A ausência da evidência não significa evidência da ausência” Carl Sagan
“Cérebros brilhantes também podem produzir grandes sofrimentos. É preciso educar os corações” Dalai Lama
Essas palavras que escrevo me emocionam porque se conectam à minha história. Lutei muito mesmo para chegar aqui. Vim de uma família de professores, que ainda batalham e ensinam muito – sou fruto do amor deles. Para isso, abri mão justamente do que disse há pouco: fama, sucesso financeiro e conforto. Foi a vereda mais difícil, onde ainda enfrento dores, saudades, solidão, perdas, dificuldades financeiras, a queda e a reconstrução. Porém, encontro todos os dias o essencial e o significativo; o certo, que muitas vezes não é o bom, nem o ideal. Estudar e desenvolver-se com totalidade em uma Profissão de Saúde não é aprender sobre materiais, técnicas e treinar procedimentos; é muito mais (esses aspectos são meios hábeis para objetivos muito além; maiores). Ao finalmente pudermos perceber isso, aí então estaremos diante de algo bastante transformador. O convívio com jovens que carregam olhos que ainda brilham, que sonham o que já sonhei me nutre. Vejo aí meu nicho; a oportunidade de contribuir com sementes ao vento. Germinarão neles e passará a ser o sonho e vida deles. De você que me lê; seus sonhos, sua vida.
Dirijo-me a todos por acreditar muito na integridade de nossas ações e intenções, bem como por considerar e respeitar cada ser humano, independentemente de sua função, cargo ou condição socioeconômica. Sempre acreditei e vivi de modo visceral alguns ideais (até utópicos) de que o esforço que plantamos será recompensado. Também pensei que qualquer pessoa poderia atingir qualquer objetivo, desde que assim desejasse e se empenhasse muito para isso, pois o “universo conspiraria” para que as metas assim fossem alcançadas. Sempre confiei nesta integridade e honestidade de se fazer o que é certo, ainda que não agradasse a todos, o que, aliás, é impossível, definitivamente, pois o agradar a todos esbarra em interesses pessoais muitas vezes não contemplados por uma ética de se fazer o correto. Aquilo “que se pode, se quer e se deve, conjuntamente” é difícil e árduo. Com flexibilidade e alteridade, sempre que cabível e possível. Houve um tempo em que eu tinha como certo que mesmo aqueles que fossem prejudicados ou que não concordassem, respeitariam minhas atitudes e até os meus enganos; veriam que o que teria sido feito por integridade e acreditando-se de corpo e alma, com a melhor das intenções, seria mais relevante e sobrepujaria seus interesses de conforto e vantagens, ainda que inicialmente egoístas. Dessa forma, eu seria apoiado. Reconheceriam assim, empenho, trabalho e luta de alguém imbuído de ideais altruístas, pois afinal enxergariam o “bem maior”. Em troca, eu receberia o respeito que dei, o amor que investi e o justo reconhecimento por ter sido inteiro no mínimo que fizesse, como diria Fernando Pessoa.
No presente, percebo muitas falhas nesse raciocínio e nessa filosofia. A primeira delas é que nem sempre conseguiremos tudo, ainda que nos esforcemos muito mesmo. Temos que nos render ao fluxo, ao movimento, ao inesperado e ao que não controlamos e aceitar isso muitas vezes. Sinal até mesmo de maturidade isso é. A segunda é que em geral somos julgados e hierarquizados ou de cima para baixo ou de baixo para cima segundo tanto por aparência, cargo e riqueza, bem como por algo que podemos oferecer em permuta a alguém, muito mais pelo que somos: o ter e o poder, mais do que o ser. A terceira é que, baseado nas duas primeiras, geraremos inveja, disputas, raiva, competição negativa e decepções ao não fornecermos o que é esperado para cada um que pretende conviver conosco. As consequências dessas frustrações de expectativas podem ser: o desprezo, a inimizade e o desrespeito. Vejo que é preciso coragem e estrutura para suportar e para pagar este preço, ao precisar discordar, negar e contrariar muitas vezes aqueles que nos cercam, defendendo o que seria o ético, o “certo”. Também será necessário compreender que decepções mútuas, muito dolorosas, às vezes estarão presentes, mesmo que queiramos um mundinho harmonioso e lindo, idealizado por nós – e é justamente aí que poderemos nos corromper, para não sofrer essas “represálias” e “punições” sociais e nos sentirmos queridos, pois o contrário disso é solidão, o que torna a luta muito mais difícil por “ser inteiro e total” (e, seguramente: imperfeito). A competição e o julgamento ultrapassam o que se pode realizar de fato: faça o que acredita ser o melhor ao invés de penosamente criticar ao redor; já bem difícil controlar a nós mesmos. Cada um trava uma busca pessoal por um lugar ao sol - até nosso “inimigo” quer mesmo é ser feliz, e não tem como missão primária nos atrapalhar.
Há coisas que não “se resolvem”. Muito menos na marra, na violência, na truculência. Cultivemos o respeito pelo outro, pelo seu entusiasmo, pela sua luta, por suas dificuldades, pois afinal queremos isso quando é conosco. Quem sabe não estejamos, em realidade, carentes de nós mesmos, e, inconscientemente transbordamos essa carência para o outro? Cobramos e exigimos aquilo que na verdade falta em cada um de nós mesmos. Conceitos de “tem que” ser de um jeito e de “padrões” que foram impingidos em cada um de nós, moldando nossa educação e convívio social distorcidos (domesticação), que atrapalham nossas próprias expressões individuais genuínas. Nunca o Grego antigo do “conhece-te a ti mesmo” sussurrou tanto em nossos ouvidos. Ouçamos e procuremos conhecer-nos...
“(...) Cê conhece tudo, cê conhece o reggae, Cê conhece tudo né? Cê só não se conhece” Banda musical: Karnak (música: Alma não tem cor)
Não tenho a pretensão de ser panfletário. Oferecer soluções para tantos questionamentos. No entanto, acredito com muita convicção ser de fundamental relevância refletirmos um pouco sobre isso tudo. Sempre; o tempo todo. Sobre o que importa, o que desejamos e o que ou quem somos. Exercitar a pausa, o olhar, a percepção, a consciência e o pensar; fugir do automático. Eu, em minha enorme imperfeição, com falhas, insucessos e perdas, somente agora vejo meus acertos e momentos de “glória” com outros olhos. O que perseguir? Como se comportar, o que dizer, em que hora, para quem...? Nunca é fácil, e erro na maioria das vezes. Que possamos aprender sempre com os erros para sermos capazes de construir a integridade e a humildade de buscar as causas de nossas ignorâncias. Não é um manual para viver e nem um texto motivacional. É uma conversa para despertar as perplexidades e ensejar algo novo a partir de nós, do importuno. A vida não é composta de reforços pavlovianos de castigo e recompensas. É ampla e possível de ser aproveitada em plenitude, sem economias, mesmo nas adversidades.
“Não reze por uma vida fácil, mas por força para que se enfrente uma vida difícil” Bruce Lee
“Aquele que luta contra monstros deve acautelar-se para que também não se torne um monstro. Quando se olha muito para um abismo, o abismo olha para você” Friedrich Nietzsche
Que Deus nos dê a todos muita sabedoria, através do Deus de cada um, nossa dimensão espiritual além qualquer crença, religiosidade, ou pela ética dos ateus - pelo que cada um de nós defende e nos valores que professamos. Que possamos reconhecer nossos erros e falhas, tentar sermos melhores, mas que saibamos de nossos limites humanos. E também que possamos ver o outro da mesma forma, com as mesmas dificuldades e questões, e assim agirmos como irmãos de verdade que somos, pois, essa vida é curta demais para energias a serem gastas com o que for periférico, com o que não for essencial e com o que não for significativo. Cultivemos o perdão, a gratidão, a solidariedade e a compaixão. O mundo precisa muito disso, e quem faz o mundo somos cada um de nós. Muito mais necessário no campo da saúde, do cuidado. Aqui, nossa capacidade de ofensa ou de contribuição são mais potentes – que consigamos discernir e escolher com sabedoria. A tal felicidade que se busca é, em realidade, o equilíbrio nesta corda bamba. Tudo é bonito ao conseguimos prestar atenção aos detalhes.
No bojo do que praticamos, somos prestadores de serviços que possuem conhecimentos diferenciados, com limites. Nossa prática urge ser pensada, sentida e vivida em plenitude nas diversas dimensões do humano, com delicadeza, gentileza, suavidade e amor. A intenção e pretensão de incorporar estes quesitos, já abarca uma totalidade do que sabemos jamais ser perfeito. O necessário a cada um.
Se a sua responsabilidade como profissional da saúde ou estudante da área é grande, sinto que minha missão como professor, facilitador de processos, motivador e multiplicador de futuros colegas, que, como eu, um dia sonharam fazer o melhor, é ainda maior e mais delicada. Honremos essas responsabilidades com muita sabedoria. É bem possível que estudar/atuar em qualquer área do cuidado seja a forma que encontramos para lidar com a solidão e a solitude implacáveis que formam esta condição humana. Com a fragilidade de nossa matéria, a complexidade de nossas emoções. A história de cada um de nós redimida com a honestidade imbuída em nossas vocações. Ver o outro, que somos nós, iguais. Papéis transitórios estes de professor, estudante, paciente ou acompanhantes. No fundo, todos e cada um de nós mesmos em diferentes perspectivas. Há, portanto que se cultivar um autorrespeito por esses “eus”, não? No cuidado, lidamos com os pontos fracos de quem cuidamos, e expomos os nossos - não nos abusarmos, com autorrespeito e sem exercer poder sobre os outros é uma arte a ser desenvolvida também. Somos iguais nisso também.
Ampliem este debate, conversem sobre isso, aprofundem-se, interajam e transformem(-se). Incomodem também os outros com esse mal-estar que espero ter provocado com esta leitura. Mudemos o mundo. Deixemos nossas cavernas e cruzemos pontes a partir de nós mesmos. Começando dentro de cada um. Pílulas vermelhas (filme Matrix).
Com amor; o único caminho (aprendi com a Maria Júlia Paes da Silvaisso, cujo capítulo consta desta coletânea). Com paciência, persistência e resistência, mas também com leveza e curiosidade, protagonizando nossos bons propósitos que nos trouxeram aqui: presentes e inteiros; íntegros e dignos. Aceitem o que não for possível mudar, mas não se furtem em intervir cada vez que necessário, quando se quer e sempre que se deve (ainda que não logrem sucesso ordinariamente). Assim, motivados e com firmeza de propósitos, conhecendo-nos a nós mesmos. Cada um em seu processo individual e amparando-nos mutuamente no convívio. As dificuldades são grandes oportunidades para irmos além de nós. Ocupemos nossos espaços.
“(...) and in the end, the love you make is equal to the love you make” The Beatles
Somos os mesmos na profissão, em casa e na vida. Nossa profissão é nossa expressão no mundo, nossa identidade. Apenas isso – nossas almas em ação na vida e no que fazemos. Se assim é, sejamos cuidadores também na vida, cuidando de nós mesmos e de um ao outro, acreditando no potencial disso, também nas relações do dia a dia, e não somente na carreira. Que possamos fazer o melhor que pudermos – sempre.
“Menina, vou te ensinar como é que se namora: Põe a alma num sorriso e o sorriso põe pra fora”
Antonio Nóbrega
“Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo” Walter Franco
Obrigado pela companhia e atenta leitura. Na verdade, lemos a nós mesmos. E foi bem isso o que pretendi. Foi um bom café que simbolicamente tomamos juntos. Utilizemos o melhor da ciência para aliviarmos a miséria e sofrimento humanos. É possível. E não acaba aqui nem nunca. É preciso enfrentar-se e reconstruir-se eternamente. Assim os olhos que enxergam o futuro podem voltar a brilhar com esperanças.
Estejamos dispostos a atravessar a nós mesmos, e assim a cruzar todas as Pontes, de qualquer Ilusão.
Referências:
ARANTES, Ana Cláudia Quintana. A morte é um dia que vale a pena viver.1a. ed. São Paulo: Leya - Casa da Palavra, 2016.
NOVAES, Adauto. A condição humana - as aventuras do homem em tempos de mutações. 1a. ed. São Paulo: SESC - Agir, 2009.
PLATÃO.O banquete. 1a. ed. São Paulo: L&PM, 2009.
RIMBAUD, Arthur. [Carta] 15 de maio de 1871, Charleville [para] DÉMENY, Paul. Douai. 2p. Carta do Vidente (à Paul Démeny).
VANEIGEM, Raoul. A arte de viver para as novas gerações. 1a. ed. São Paulo: Veneta, 2016.
Sugestão de filme:
Matrix (1999 – EUA – Warner bros.) – dir.: Wachowski bros.