05/12/2019
Energia no espaço Vazio - Parte III
Espaços curvos
A força da gravidade é a única interação fundamental que os físicos não conseguem explicar por meio de campos quânticos. “Ela é melhor descrita como um dos resultados da deformação da geometria do espaço e do passar do tempo em torno de uma porção de matéria ou energia, como ao redor de uma estrela”, explica Vanzella, do IFSC-USP. Quanto mais concentrada a energia de uma estrela, por exemplo, mais intensa é a deformação espaço-temporal que ela provoca. No caso extremo, a deformação pode fazer a própria estrela entrar em colapso, criando uma região de espaço vazio altamente distorcida em seu lugar – são os famosos buracos negros.
Matsas e Vanzella são especialistas em calcular como os campos quânticos que dão origem a partículas elementares são afetados pelas deformações espaço-temporais de uma estrela ou de um buraco negro. Em seus estudos, eles aplicam a mesma combinação de relatividade geral e teoria quântica de campos que o físico Stephen Hawking usou para descobrir em 1974 que buracos negros emitem partículas elementares.
Vanzella e seu então aluno de doutorado William Lima, atualmente trabalhando como pós-doc no IFT, assinaram dois artigos na revista Physical Review Letters, o segundo com participação de Matsas, demonstrando como a curvatura do espaço e do tempo poderia, em certas circunstâncias, amplificar as flutuações da energia de vácuo dos campos quânticos.
Uma dessas circunstâncias poderia acontecer durante a contração de uma estrela de nêutrons. Com massas comparáveis à do Sol, mas feitas de nêutrons espremidos em uma esfera com mais ou menos 20 quilômetros de diâmetro (a distância entre o centro de São Paulo e o bairro de Itaquera), as estrelas de nêutrons nascem da morte de uma estrela maior em um evento explosivo chamado de supernova. Quando uma estrela com massa cerca de 10 vezes superior à massa do Sol esgota seu combustível nuclear, suas camadas externas explodem ao mesmo tempo que seu núcleo sofre uma implosão. O resultado desse evento é o surgimento de um buraco negro ou uma estrela de nêutrons na região mais central. Por serem muito pequenas, as estrelas de nêutrons são difíceis de observar – elas são estudadas com frequência por suas emissões de ondas de rádio e raios X.
Lima, Vanzella e Matsas descobriram que, se uma estrela de nêutrons encolher até determinado diâmetro, sua gravidade passa a causar perturbações no espaço que alimentariam um crescimento exponencial nas flutuações de energia do vácuo de um campo quântico. Isso significa que, mesmo que a energia total do campo permaneça o tempo todo quase igual a zero, alguns pontos do espaço concentrariam momentaneamente quantidades enormes de energia positiva, enquanto outros concentrariam quantidades similares de energia negativa.
A situação é quase inimaginável. É como se pequenas ondulações sobre um lago, de repente, começassem a subir e a descer freneticamente a alturas e profundidades cada vez maiores. “Em milissegundos, a densidade de energia dessas flutuações seria grande o suficiente para curvar o espaço-tempo mais do que a própria estrela”, conta Vanzella. “Esse crescimento, porém, não poderia continuar para sempre e alguma coisa precisaria acontecer com a estrela e o campo para reestabilizar a curvatura do espaço-tempo.”
Depois da tempestade
Para saber exatamente o que pode acontecer às estrelas e aos campos quânticos, os pesquisadores precisam lidar com equações da relatividade geral combinadas às da teoria quântica de campos, quase impossíveis de resolver diretamente. Os teóricos encaram o desafio aos poucos e por partes, usando princípios gerais da física e cálculos aproximados que revelam pouco a pouco detalhes sobre o problema.
Em 2012, o físico André Landulfo, atualmente na Universidade Federal do ABC, juntou-se à equipe para demonstrar que, não importa o que aconteça à estrela de nêutrons no final do processo, uma boa parte da sua energia será transferida para o campo quântico, criando novas partículas. “A flutuação que cresceu muito na fase instável fará com que o campo não volte a uma configuração de vácuo quando o sistema se reestabilizar”, explica Vanzella. “O campo produzirá um monte de partículas no final.”
Essas novas partículas elementares seriam invisíveis aos telescópios, mas extrairiam uma quantidade imensa da energia da estrela de nêutrons – ou do que sobrou dela. E essa perda de energia poderia ter consequências observáveis.
“É uma possibilidade interessante”, comenta o físico italiano Paolo Pani, da Universidade Técnica de Lisboa, em Portugal, que trabalha com a relação entre teorias físicas alternativas e observações astrofísicas. Pani gostaria que algum pesquisador incluísse o efeito do despertar do vácuo nas simulações de explosões de supernovas. “Essas simulações seriam importantes para entender se o efeito pode explicar explosões de raios gama”, diz Pani.
Matsas e Vanzella, entretanto, ressaltam que, mesmo sem a realização de simulações astrofísicas sofisticadas, os resultados de seus cálculos já poderiam ser comparados com as observações. “Podemos descartar de uma vez a existência de certos campos livres que ainda são considerados teoricamente”, explica Vanzella. “Se observamos, por exemplo, estrelas com uma certa razão massa-raio que deveriam ter sido destruídas pelo despertar do vácuo de um certo campo, é porque esse campo não existe.”
O trabalho mais recente da equipe, conduzido pela física Raíssa Mendes, que está concluindo sua tese de doutorado sob supervisão de Matsas, também foi publicado na Physical Review D. Nele, o grupo determinou que é possível aproveitar os resultados de estudos sobre a instabilidade de estrelas e buracos negros feitos por outros pesquisadores desde os anos 1970 para descobrir o que o despertar do vácuo quântico provocaria nas estrelas de nêutrons.
Foi a partir desses cálculos feitos por outros pesquisadores que a equipe determinou que a estrela de nêutrons pode, em alguns casos, sobreviver ao despertar do vácuo. Segundo Vanzella, esse efeito só ocorre quando são adotados certos valores para um dos termos da equação que determina como o campo livre interage com a curvatura do espaço-tempo. “O efeito ocorre para certos intervalos de valores desse termo, alguns positivos e outros negativos”, diz o físico. “Cálculos de outros pesquisadores sugerem que, para valores negativos, a criação de partículas seria suficiente para interromper o crescimento da energia do vácuo e a estrela sobrevive.”
No momento, Vanzella e o físico Raphael Santarelli, que faz pós-doc com Vanzella em São Carlos, estão analisando o caso de esse termo assumir valores positivos. Os resultados preliminares sugerem que a estrela seria destruída. “O que já sabemos é que a criação de partículas não será o suficiente para reestabilizar o sistema”, conta Vanzella. “Alguma outra coisa precisará acontecer, talvez a formação de um buraco negro.” Em 2010, Matsas apostou uma caixa de garrafas de vinho na hipótese de que uma estrela de nêutrons sempre seria destruída pelo despertar do vácuo. “Agora”, ele diz, “parece que ganharia metade da caixa e perderia a outra metade”.
Projeto
Física em espaços-tempos curvos (nº 2007/55449-1); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável George Emanuel Avraam Matsas (IFT-Unesp); Investimento R$ 181.501,15 (FAPESP).
Artigos científicos
MENDES, R.F.P. et al. Quantum versus classical instability of scalar fields in curved backgrounds. Physical Review D. v. 89, p. 047503. 24 fev. 2014.
LANDULFO, A.G.S. et al. Particle creation due to tachyonic instability in relativistic stars. Physical Review D. v. 86, p. 104025. 2012.