09/04/2025
Estamos todos atraídos pela imagem do Eu e pela forma como somos reconhecidos. E nenhum transtorno terrível se localiza aí! A constituição do Eu está articulada ao reconhecimento. Quando os pais olham para o bebê e enxergam mais do que um pedaço de carne desengonçado, oferecem à criança palavras que lhe dão contornos, identificações, orientações, lugares… muitas vezes, a gente se agarra nisso para se posicionar na vida. “Essa menina é esperta, ela não incomoda, ele é tranquilo como o avô, ele é chorão, ela é forte quando sente dor, esse menino é sensível, bravo, bonzinho…”
O imaginário e o simbólico revestem o nosso corpo desajeitado, amenizam o colapso diante da incompletude e constituem o que chamamos de Eu com suas identificações, ideais e fantasias. Quantas vezes estufamos o peito para dizer “eu sou isso e aquilo…”? O narcisismo possibilita que tenhamos alguma consistência diante das incertezas, das incongruências e do sem sentido da vida. Sem o suporte narcísico, cairíamos no desamparo toda vez que nos deparássemos com alguma adversidade. Se não for possível reconhecer em si alguma potência, não será possível supor que daremos conta em alguma medida e, assim, nenhum passo será dado. Não é à toa que muitos autores situam a depressão ao lado do narcisismo.
Porém, não é apenas a falta de consistência na imagem do Eu que nos amortece. A necessidade de um Eu 100%, consistente e completo, também nos joga no abismo quando a imagem é desmontada.
Se a captura pela imagem do eu ideal é excessiva, há um esforço desesperado em protegê-la. E, sim, somos capazes de absurdos em nome do narcisismo. Tudo que ameaça essa ilusão é rechaçado porque indica que há insuficiências intoleráveis. Ao perder o emprego, ser rejeitado, não ser o preferido, não saber tudo, a gente se depara com o abismo que separa o eu do ideal. Quando a imagem que gostaríamos de ter é abalada, nosso narcisismo é afetado. Quanto mais alguém resiste em abandonar a imagem de um eu completo, mais a angústia lhe consome e paralisa, afinal não há solução para a nossa incompletude fundamental.
Só caminham aqueles que se topam o risco de cair.