10/05/2020
QUARENTENA: FREUD COM ÉDIPO ÀS AVESSAS - Paulo Rosa, Hospital Espírita, Caps Porto, Ambulatório Saúde Mental. prosasousa@gmail.com
Seis de maio não foi um dia qualquer na vida de Freud. Em 1856, nesse dia 6, mamãe Amalie ajudou-o a nascer, em Freiberg, hoje Pribor, vilarejo de, então, 628 casas, a uma distância Pelotas-Porto Alegre de Viena. Amalie era jovem e caiu de amores por seu primeiro filho. Isso fez diferença. O pequeno Sigmund desde cedo sobressaiu-se em estudos e em tratos familiares. Assim seguiu quando a família partiu para Viena. A capital era um centro cultural intenso, fato saboreado por Freud, que, depois de cursar Medicina, trabalhou em laboratório de patologia, em hospitais, onde chefiou um serviço de Neuropediatria e começou a saber ouvir sobre padecimentos íntimos de jovens que o procuravam. Foi nascendo aí a escuta freudiana, forma peculiar de ouvir, onde ele privilegiava observar, participar, pensar e propiciar o relacionamento com o paciente.
Nesse último 6 de maio passaram-se 164 anos do nascimento de Freud e 120 anos dos começos da Psicanálise, a primeira forma de escuta terapêutica a surgir no mundo. Que se saiba, foi também pioneiro ao escutar – várias consultas – a um guri de 5 anos, apelidado Hans, na verdade Rudolf Bing, que se tornou músico quando adulto. De pequeno, Hans tinha pânico ao ver cavalos e Freud percebeu que tal medo era um deslocamento de um temor original à figura do pai do menino que, também médico, interessou-se pela questão e alcançou, junto com a esposa, ajudar Hans a superar o terror e a voltar a sair de casa. ‘O Professor fala com Deus?’, perguntou ao pai ao sair de uma das sessões. Bobo não era.
‘Édipo às avessas ou da vingança deste espírito grego no Brasil’ é um livro de poesias, na verdade uma paródia da tragicomédia de um Édipo à brasileira, cujas andanças por este país são palco para uma crítica afiada, ampla e profunda sobre a cultura, o modo de ser, os costumes, os preconceitos, as hipocrisias nossas de cada dia. Thiago Perdigão, o autor, músico e escritor mineiro radicado em Pelotas, age ainda didática e ironicamente com o leitor, dando informações ilustrativas ao pé de página. Dedicando o livro a Lord Byron, e vendo sua obra como original, ‘sem querer sê-lo’, consegue ‘instruir deleitando’, por ser um admirador de Horácio: ‘o que nos impede de, rindo, dizer coisas sérias?’.
O fato de que Pelotas disponha há mais de trinta anos de duas instituições ligadas ao conhecimento freudiano – a Sociedade Científica e a Sociedade Psicanalítica – justifica que toquemos aqui não só sobre a data de Freud, mas ainda sobre o avesso paródico do mito do Príncipe Édipo, agora tratado com o sabor brasileiro, de dizer rindo coisas sérias. É que o humor é uma dimensão fundamental do espírito humano, assinalada por Freud, mas pouco valorizada como indicador clínico da integração psíquica do paciente. É um canal para ver a ‘ausência de si das pessoas’, diz Perdigão, seguindo fiel ao humor de Freud e ao seu próprio.