08/08/2020
Por que apresentar Kali como “a esposa de Shiva” é um insulto!
Kali é um dos poucos arquétipos sobreviventes de um feminino feroz e impiedoso, não-maternal: tudo que o arquétipo judaico-cristão de “esposa” NÃO representa. Sua lenda guarda profunda sabedoria e coloca uma figura feminina em uma postura ativa e agressiva.
E aí, a primeira coisa que se fala dela, a maneira de apresentá-la ao mundo é como “esposa de Shiva”?!
Pra começar, nunca encontrei em lugar nenhum a palavra ‘casamento’ descrita entre eles. Mas sim união ritualística, Maithuna. Inserir a ideia de ‘casamento’, de ‘esposa’… É uma imposição ideológica da qual possivelmente poucos estão se dando conta. Nossa cultura, aqui, judaico-cristã, com nuances de ‘american way of life’, associa união espiritual profunda a casamento. Mas essa visão é muito questionável. O casamento, enquanto instituição, não é sobre união espiritual ou sexual. É sobre administração de patrimônio através das gerações entre famílias. É sobre repressão sexual da mulher. Não significa que os casamentos todos sejam desprovidos de amor e significância espiritual, mas é preciso não sermos politicamente ingênuos de achar que é sobre isso que ele se trata.
…E aí querem meter um véu e grinalda na Senhora que degolou uma orda de inimigos com as próprias mãos e bebeu deles o sangue.
Estão transformando um dos últimos arquétipos femininos furiosos de que ainda se tem notícia e conhecimento, pouquinho a pouquinho, em algo ‘higiênico’, ‘polido’… Um eufemismo em nome de um pudor em dizer que na verdade, ela não ‘se casou’ com Shiva: ela ‘montou’ sobre ele.
E é essa uma das técnicas de apagamento deste feminino selvagem, implacável, feroz, furioso da qual a lógica colonizadora faz uso há séculos! Podem reparar: as imagens mais ‘ousadas’ das Deusas são sempre as mais antigas! Sobreviventes de invasões, colonizações e censuras (do cristianismo ou da própria ‘ciência’). Nessas imagens mais antigas, essas Deusas estão geralmente nuas, e não raramente com a Yonni (v***a) bem aberta e à mostra (quando não em um ponto central da obra), enquanto empunham espadas, flores, e outros símbolos. Se continuarmos nesse ritmo, daqui a alguns milênios, Kali ser