17/05/2025
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🌌⚡👽 👁 A CASA ONDE AS MÃES NÃO AMAM
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Em um bairro esquecido de Itapira, interior de São Paulo, onde o mato crescia até nas calçadas e o ar parecia carregar segredos antigos, vivia Mayra. A casa onde ela cresceu tinha cheiro de gordura velha, água sanitária e mágoas — uma mistura que grudava na pele, nos móveis e na alma. Ali, o amor era artigo de luxo, e ela entendeu isso antes mesmo de aprender a escrever seu nome.
A mãe de Mayra, dona Alice Pimentel — ou simplesmente dona Lica, como era chamada por todos no bairro — era o tipo de mulher que falava alto para ninguém perceber o vazio que carregava por dentro. Tinha uma voz que não assustava, mas envergonhava. Cada grito dela parecia dizer: “Você é o erro do mundo. E esse erro é todo seu.”
— Nem queria ter você, sabia? — cuspiu dona Lica, certa vez, enquanto puxava os cabelos da filha com uma escova, as mãos calejadas trabalhando com fúria. — Mas seu pai não deixou tirar... e olha só agora. Tenho que aguentar suas frescuras e lágrimas nojentas.
Mayra tinha sete anos. Não chorou. Aprendeu cedo que chorar era dar vitória. E dona Lica não merecia ganhar. Em vez disso, trincou os dentes e engoliu o desprezo como quem engole caco de vidro.
Dona Lica era mais faca do que mulher. Dava a comida e o tapa com a mesma mão. Quando você caía, era pra aprender a levantar sozinha. Mas ninguém ensinou a ela que ninguém se levanta quando todo mundo te pisa. O pai de Mayra... se é que dava pra chamá-lo de pai, era um motorista de aplicativo, desses que vivem na rua. Fraco, omisso, calado demais pra reagir, mas sempre pronto pra sumir quando o clima apertava.
Bastava um estalo da língua de dona Lica e ele virava poeira.
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— Vai encher o galão, inútil! — ela gritava na frente de quem estivesse. E ele ia. Calado, envergonhado, como um cachorro enxotado.
Mayra cresceu sendo faxineira das emoções da mãe. Quando dona Lica estava de bom humor, ela era uma boneca que penteava enquanto fofocava sobre a vizinhança. Quando estava de mau humor, Mayra virava o tapete onde ela esfregava a frustração. Não havia espaço pra Mayra existir por si só. Era só um apêndice da dor alheia.
— Igualzinha ao seu pai: fraca, inútil — dizia, atirando um pano molhado nos pés da filha adolescente. — Vai, limpa esse chão. Pelo menos pra isso você serve.
Mayra, nessa época, achava que isso era amor. Servir. Calar. Obedecer. Acreditava que, se fizesse tudo certo, um dia mereceria ser amada. E então, ele apareceu.
Raul. Do bairro mesmo, fazia uns bicos de encanador, tinha os olhos vivos e voz mansa. Tratou Mayra com carinho. Chamava de "minha princesa", dizia que ela não merecia aquele inferno. E Mayra acreditou. Não por ser ingênua. Mas porque, pela primeira vez, alguém a olhou sem desprezo.
Mas dona Lica não ia perder sua propriedade tão fácil. Não ia deixar a filha virar gente. Não ia permitir que a sombra criasse luz própria.
— Já tá se achando mulherzinha? — berrou ao flagrar um beijo escondido — Aprende a lavar essa sua bunda antes de abrir as pernas, sua p***a!
E arremessou o ferro de passar. Não acertou, mas o susto paralisou Mayra por dias. Doeu mais a palavra do que o calor do ferro.
Quando Raul descobriu que ela estava grávida, quis levá-la embora. E ela quis ir. Mas, como num roteiro já escrito, dona Lica ficou doente. De uma hora pra outra, "problema no intestino", segundo os médicos. Segundo Mayra, medo de ficar sozinha.
Dona Lica sabia manipular. Inventava desmaios, dores, crises. Era mestra da culpa.
— Vai embora. Não ligo. Se eu morrer, a culpa vai ser sua — sussurrou com voz fraca, enquanto Mayra fazia a mala.
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E ela ficou.
Raul cansou. Foi embora. Como vão embora os homens bons das casas onde o amor fede a m**o. Rápido. E pra nunca mais voltar.
— Sua mãe não tá doente, Mayra. Tá vazia. E você é quem tá preenchendo ela — disse Vitória, a vizinha, uma tarde, tomando cerveja na calçada.
Mas Mayra não entendeu. Ou não quis entender. Porque o pior ainda estava por vir.
Com o tempo, dona Lica começou a falar sozinha. Trancava-se por horas. Saía com as mãos cheirando a terra e vela queimada. O ar na casa pesou. Um dia, Mayra chegou mais cedo do trabalho e viu algo que nunca tinha visto: um altar. Mas não era pra Deus. Nem pra Santo. Era pra Santa Morte. Uma figura esquelética, branca, com uma balança numa mão e uma foice na outra. Ao redor, velas pretas e ci****os.
— O que é isso, mãe?
Dona Lica não respondeu. Só olhou com olhos vazios, como se Mayra fosse uma estranha. E começou a murmurar:
— Seu pai se foi. Aquela vagabunda levou ele. Você me tirou a vida. Você e essa praga que pariu... Mas vai acabar. Vai acabar tudo.
A partir desse dia, o inferno se instalou de vez.
Dona Lica escrevia com sangue em papéis que depois queimava. Cortou um pedaço de cabelo de Mayra enquanto ela dormia. Escondia bonecas furadas com agulhas dentro do sapato da neta. A menina começou a adoecer. Febres sem explicação. Hematomas que surgiam do nada. Pesadelos que a faziam gritar até ficar rouca.
Mayra buscou médicos. Padres. Benzedeiras. Nada adiantava. A cada volta pra casa, encontrava novos símbolos nas paredes. Novas orações sussurradas atrás das portas.
Até que veio a noite final.
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Mayra entrou no quarto da mãe e viu o altar. Fotos dela e da filha queimadas. Uma boneca com o rosto derretido. E dona Lica, ajoelhada, arranhando o chão com as unhas.
— Leva elas. Leva agora. São pragas. Castigos. Não merecem essa vida.
Mayra tentou segurá-la. Mas dona Lica virou o rosto com os olhos completamente brancos. E riu. Uma risada de cemitério.
— Vão morrer, igual a mim! Que a Morte leve vocês. Que sintam o que é parir lixo!
O grito da filha veio do quarto. Um berro inumano. Quando Mayra chegou, a menina tremia, gelada, os lábios roxos. Mayra a abraçou como nunca. E ali entendeu: se não saísse daquela casa, não morreriam só no corpo. Perderiam a alma.
Trancou-se com a filha. Dona Lica passou a madrugada batendo na porta, arranhando, amaldiçoando.
De manhã, silêncio.
Mayra abriu a porta. Encontrou a mãe morta, sentada à mesa, diante do altar. Os olhos abertos, mirando o nada. A Santa Morte ao lado. Como testemunha.
Mayra não chorou. Não gritou.
Vomitou.
Vomitou toda a raiva, o nojo, o medo. Depois, desmontou o altar. Queimou tudo. Cada vela, cada papel, cada retrato. A fumaça cobriu a casa como um exorcismo atrasado.
Disseram que foi infarto. Que ela era esquizofrênica. O enterro foi triste, mas não pela morte. Pela ausência de vida que ela representava. Só um tio apareceu — pra roubar biscoito e ir embora.
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No quarto da mãe, Mayra achou um caderno: “Metas 2024”.
Entre rabiscos, uma frase:
“Me reconciliar com minha filha antes de morrer.”
Era isso? Um pedido de perdão enfiado entre “comprar frango” e “pagar a luz”?
— Vai pro inferno, dona Lica — sussurrou com o caderno nas mãos. — E se nos encontrarmos lá… fique calada.
A cura não veio rápido. Nem mágica.
Mas naquela noite, ao se olhar no espelho, Mayra não viu mais uma criança partida.
Viu a mulher que sobreviveu.
Porque entendeu algo: não era quebrada. Era ferida. E o que é ferido… ainda pode ser curado. Costurado.
Ela também era mãe. Mas uma diferente. Uma que escolheu quebrar o ciclo, mesmo que suas mãos sangrassem.
Porque nem toda mãe ama.
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Algumas só sabem desfazer.
E a Mayra coube se amar aos pedaços… se reconstruir nas ruínas…
Para ser, por fim, a mãe que ela mesma sempre precisou.
FIM 🛸🕰️
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