
21/08/2025
Certa vez, ouvi de um colega da área da saúde que “em comparação com as outras dr**as, o álcool ao menos é uma droga moralizante”.
“O que você quer dizer com isso?” indaguei.
Respondeu-me algo no sentido de que a ressaca do dia seguinte retificava (diga-se de forma clara: punia) o sujeito, transmitindo-lhe na carne a mensagem do excesso que havia cometido.
Não subscrevo a esta lógica obsessiva, esquemática, que quer ver no Universo um sistema que pune e recompensa. Trago este exemplo, o da Ressaca Alcoólica, para pensar um tipo de cansaço, aquele que é o mais óbvio, o “fez-cansou” (ou “fez-pagou”, na lógica de meu colega), refiro-me àquele cansaço que “vem na sequência” de um evento (por definição) cansativo.
Do ponto de vista da psicanálise, o cansaço mais interessante de analisar seria não o cansaço que é óbvio (no sentido de ser facilmente apreensível, ou referido a algum evento) mas sim o cansaço que traz consigo um Enigma - um cansaço que em seu estilo, natureza, ou proporção parece vir de um Outro Lugar.
Por que diabos isto me cansa tanto?
Ou então, às vezes a origem deste cansaço enigmático está tão apagada, recalcada, que o Enigma retrocede ainda mais um passo. A pessoa não é capaz primeiramente de relacionar, localizar seu cansaço em algum evento recente, nem que seja para a partir daí desconfiar de que o cansaço encontre nele sua origem e explicação.
Para além do modelo da Ressaca Alcoólica (imediato, evidente, unilinear), cabe apreender o cansaço de outras maneiras, por exemplo, como algo “que vem só-depois”, e não apenas na sequência imediata de um evento qualquer.
Neste último caso, pode ser útil referir-se à clínica do Trauma, aos efeitos latentes de um evento traumático, como um flashback que aparece apenas anos depois.
Talvez haja algo da natureza do cansaço que seja melhor representada por esse “depois”.
Um “depois” que não é uma conta a ser paga.
Um “depois” que não é um atraso. (Atrasado para quê, se no fim das contas o Cansaço chega no seu tempo?)
O cansaço como um simples eco a ser escutado.
(Mas cuja escuta nem sempre é simples assim).