Eduardo Kives

Eduardo Kives Psicólogo. Mestrado e Especialização pela Universidade Paris-Diderot Sorbonne Paris Cité
Atendimentos online e presencial (agenda aberta)

Certa vez, ouvi de um colega da área da saúde que “em comparação com as outras dr**as, o álcool ao menos é uma droga mor...
21/08/2025

Certa vez, ouvi de um colega da área da saúde que “em comparação com as outras dr**as, o álcool ao menos é uma droga moralizante”.
“O que você quer dizer com isso?” indaguei.
Respondeu-me algo no sentido de que a ressaca do dia seguinte retificava (diga-se de forma clara: punia) o sujeito, transmitindo-lhe na carne a mensagem do excesso que havia cometido.

Não subscrevo a esta lógica obsessiva, esquemática, que quer ver no Universo um sistema que pune e recompensa. Trago este exemplo, o da Ressaca Alcoólica, para pensar um tipo de cansaço, aquele que é o mais óbvio, o “fez-cansou” (ou “fez-pagou”, na lógica de meu colega), refiro-me àquele cansaço que “vem na sequência” de um evento (por definição) cansativo.

Do ponto de vista da psicanálise, o cansaço mais interessante de analisar seria não o cansaço que é óbvio (no sentido de ser facilmente apreensível, ou referido a algum evento) mas sim o cansaço que traz consigo um Enigma - um cansaço que em seu estilo, natureza, ou proporção parece vir de um Outro Lugar.

Por que diabos isto me cansa tanto?

Ou então, às vezes a origem deste cansaço enigmático está tão apagada, recalcada, que o Enigma retrocede ainda mais um passo. A pessoa não é capaz primeiramente de relacionar, localizar seu cansaço em algum evento recente, nem que seja para a partir daí desconfiar de que o cansaço encontre nele sua origem e explicação.

Para além do modelo da Ressaca Alcoólica (imediato, evidente, unilinear), cabe apreender o cansaço de outras maneiras, por exemplo, como algo “que vem só-depois”, e não apenas na sequência imediata de um evento qualquer.

Neste último caso, pode ser útil referir-se à clínica do Trauma, aos efeitos latentes de um evento traumático, como um flashback que aparece apenas anos depois.

Talvez haja algo da natureza do cansaço que seja melhor representada por esse “depois”.

Um “depois” que não é uma conta a ser paga.
Um “depois” que não é um atraso. (Atrasado para quê, se no fim das contas o Cansaço chega no seu tempo?)

O cansaço como um simples eco a ser escutado.

(Mas cuja escuta nem sempre é simples assim).

As provas de amor, apesar de clássicas, românticas, belas, não estão imunes a se tornarem um tipo de armadilha. Isso qua...
20/08/2025

As provas de amor, apesar de clássicas, românticas, belas, não estão imunes a se tornarem um tipo de armadilha. Isso quando a ênfase recai em excesso sobre o “precisar ser provado”.
O risco é que a prova fique tanto no centro dos holofotes que o amor que estaria a ser provado acabe verdadeiramente ofuscado.
Colocar muito o amor no registro da demanda, converte-lo em provas, tarefas - em outras palavras, torná-lo chato. Parece algo até bobo, mas obstrui outras vias pelas quais a substância “amor” poderia fluir, circular.

“No peito dos desafinados também bate um coração”, diria João Gilberto.

O desejo de esquecer percebe estar em boa companhia quando encontra a pergunta “o que lembrar?”.O recorte da memória é t...
07/08/2025

O desejo de esquecer percebe estar em boa companhia quando encontra a pergunta “o que lembrar?”.

O recorte da memória é também o corte de que o esquecimento precisa para prosperar.

“Não se pode tudo esquecer” deveria ser tão evidente quanto “não se pode tudo lembrar”.

Há uma alegria do esquecimento quando ele não é perverso.
Há uma alegria da lembrança quando ela não é ressentida.

O sucesso de uma história está em ela se tornar um modelo a ser seguido,Ou em que ela possa ser reapropriada e retomada ...
04/08/2025

O sucesso de uma história está em ela se tornar um modelo a ser seguido,
Ou em que ela possa ser reapropriada e retomada em outro sentido?

(F**a para pensar as relações entre psicanálise e apropriação cultural).

Um paciente vem consultar por questões relacionadas à paternidade. Convém, em alguns casos, entender se abrir mão (às vezes, parcialmente) de um modelo ou ideia de paternidade embutidos em sua história não seria também abrir caminho para que ele possa se apropriar de seu lugar de pai - aquele lugar onde ele se encontra hoje, numa espécie de caixa de ressonância onde gritam os ecos de sua história - de um modo que seja mais interessante.

Em um story, algumas semanas atrás, eu havia escrito isto:“ ‘A Felicidade só é verdadeira quando compartilhada’, porém é...
22/07/2025

Em um story, algumas semanas atrás, eu havia escrito isto:

“ ‘A Felicidade só é verdadeira quando compartilhada’, porém é a Infelicidade, quando ela tem a felicidade de estar bem acompanhada, que é capaz de produzir vínculos com que a Felicidade tem até dificuldades em sonhar”.

Por isso resolvi reescrever o dito popular colocando o “(in)” junto com “felicidade”. Para que se veja que efeito é produzido quando a “infelicidade” vem tomar o lugar da “felicidade” e figurar como protagonista do dito.

Porque, talvez, a felicidade se baste mais a si mesma…
Enquanto que a infelicidade precisa muito mais do outro.

A clínica (e não só ela) mostra a cilada que pode ser um luto que se faz individualmente, isto é, quando se agrega ao luto o ingrediente da solidão. Quando a solidão se torna o ingrediente dominante no prato do luto.

Mas é possível que, em outra vertente, “A felicidade só é verdadeira quando compartilhada” signifique não apenas procurar um outro a quem cantar narcisicamente minhas glórias, mas que este compartilhar com o outro busque de fato causar felicidade nele. Como forma talvez de reconhecer que a felicidade só é verdadeira na medida em que ela é causada por um outro. Ela é minha, mas não tão minha assim, talvez, de alguma maneira, tão mais consistentemente minha quanto mais for dos outros.

(Dá pra entender os milhares que se reúnem em um estádio de futebol, 50.000 torcendo para 11, quando se pensa que muitos entre os 50.000 podem já ter feito essa experiência que lhes permite se identificar com aqueles que “jogam para a sua torcida”)

Pouco se fala sobre a sala de espera.     Espaço menos importante que a sala “em si” do consultório do analista? (Existe...
11/04/2025

Pouco se fala sobre a sala de espera.
Espaço menos importante que a sala “em si” do consultório do analista? (Existe mesmo uma hierarquia?)

Será que alguém já escreveu sobre esta (normalmente) diminuta sala, onde, se bem que não há divã, há, pelo menos, uma cadeira, uma poltrona… quer dizer, onde quando alguém se senta ali podem se passar coisas?

Como recriar nos atendimentos online esta sala de espera? Pois, muitas vezes, faz falta…

Aliás, que falta de criatividade nomeá-la “de espera”, quando é também sala de tantas outras coisas…

Um paciente me lembra que uma criança, quando viaja, não tem muita noção da distância percorrida. Não entende que viajou para outro país, é como se saltasse de um lugar para outro: foi teletransportada.

Um adulto bem ajuizado sabe que o elevador vai levá-lo a outro andar, do mesmo prédio - e não a outro “mundo”, como poderia acontecer nos desenhos animados (fidedignos do ponto de vista da criança) em que alguém cava, cava, cava… e acaba, por exemplo, no Japão.

Então, se esse elevador, ao se abrir, deixasse esse adulto no Japão - e se esse sujeito desse logo com uma tradicional Cerimônia do Chá, jóia ancestral da cultura japonesa, então o único jeito que ele teria para chegar até o aposento onde lhe aguarda sua xícara de chá seria passando, antes, por um caminhozinho, um ‘roji’.

Como nos conta o clássico Livro do Chá, de 1905, o ‘roji’ “foi planejado para quebrar a conexão com o mundo externo e para produzir uma sensação de frescor apropriada à indução do gozo estético pleno no interior do aposento de chá. Aquele que palmilhar essa passagem do jardim jamais se esquecerá da maneira como seu espírito se elevou sobre pensamentos corriqueiros no momento em que, em meio à penumbra das sempre-vivas, pisou lajotas de harmoniosa irregularidade rodeadas de agulhas secas de pinheiro e, em seguida, passou por lanternas de granito cobertas de musgo. Você pode estar no meio de uma cidade e ainda assim se sentir numa floresta, distante da poeira e do bulício da civilização. Grande foi a engenhosidade dos mestres do chá”. (continua nos comentários)

Pouco se fala sobre a sala de espera.     Espaço menos importante que a sala “em si” do consultório do analista? (Existe...
11/04/2025

Pouco se fala sobre a sala de espera.
Espaço menos importante que a sala “em si” do consultório do analista? (Existe mesmo uma hierarquia?)

Será que alguém já escreveu sobre esta (normalmente) diminuta sala, onde, se bem que não há divã, há, pelo menos, uma cadeira, uma poltrona… quer dizer, onde quando alguém se senta ali podem se passar coisas?

Como recriar nos atendimentos online esta sala de espera? Pois, muitas vezes, faz falta…

Aliás, que falta de criatividade nomeá-la “de espera”, quando é também sala de tantas outras coisas…

Um paciente me lembra que uma criança, quando viaja, não tem muita noção da distância percorrida. Não entende que viajou para outro país, é como se saltasse de um lugar para outro: foi teletransportada.

Um adulto bem ajuizado sabe que o elevador vai levá-lo a outro andar, do mesmo prédio - e não a outro “mundo”, como poderia acontecer nos desenhos animados (fidedignos do ponto de vista da criança) em que alguém cava, cava, cava… e acaba, por exemplo, no Japão.

Então, se esse elevador, ao se abrir, deixasse esse adulto no Japão - e se esse sujeito desse logo com uma tradicional Cerimônia do Chá, jóia ancestral da cultura japonesa, então o único jeito que ele teria para chegar até o aposento onde lhe aguarda sua xícara de chá seria passando, antes, por um caminhozinho, um ‘roji’. (continua nos comentários…)

Hoje recebi alta médica depois de uma longa jornada que envolveu fratura, cirurgia, complicações, etc.Experimento esta “...
09/04/2025

Hoje recebi alta médica depois de uma longa jornada que envolveu fratura, cirurgia, complicações, etc.

Experimento esta “alegria da alta”, vou chamar assim este sentimento, e me lembro desta questão da alta, que, no contexto da psicanálise, a meu ver, é uma questão muito mais ingrata.

Neste ponto específico da alta, a psicanálise não deve conseguir ter a mesma eficiência que tem a medicina em proporcionar esta alegria.

Concluir, separar-se, passar a outra coisa…

O paciente anseia por uma alta vinda da parte do analista, isto é, que este seja uma espécie de mestre desta decisão.

Mas concluir, separar-se, passar a outra coisa… Em muitos processos, não seria isto parte importante, ou até fundamental, do trabalho do paciente?

Trabalho do qual a alta poderia (infelizmente?) poupá-lo.

18/03/2025
10/03/2025

Endereço

Porto Alegre, RS
90035-141

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