29/06/2020
Reportagem publicada na Science a respeito do ensaio clínico randomizado fase 2b publicado no JAMA há algumas semanas para o tratamento da COVID-19, comparando duas doses de cloroquina levanta uma série de questões sobre o planejamento de estudos de intervenção, do tipo ensaio clínico randomizado. Que fique claro, para testagem de tratamento, é usualmente o melhor tipo de estudo que temos. O estudo foi interrompido por uma análise interina (no meio do estudo) pelo comitê independente que monitorizava a segurança dos pacientes. Identificaram um aumento significativo de arritmias cardíacas e mortes no grupo que recebeu a maior dose de cloroquina, quando comparado ao grupo que recebeu a dose menor. Justamente o contrário do que se estava sendo testado como hipótese de trabalho pelos investigadores. O estudo sofreu críticas pesadas pela imprensa e de alguns segmentos da sociedade. Ao meu ver, muitas delas, injustas! Chegaram a dizer que os pesquisadores testaram as pessoas como se fossem Guinea Pigs. Absurdo! Como havia me pronunciado aqui, desde o início da epidemia, eu achava que não havia racional biológico e médico para se realizar um ensaio clínico com cloroquina e hidroxocloroquina. Mas essa é a minha opinião. Eu não faria. Mas os investigadores fizeram e testaram doses elevadas de cloroquina base, com efeito biológico e de toxicidade mais importante que a cloroquina fosfato, ambas com perfil de efeitos adversos mais intenso do que a hidroxicloroquina. Mas é uma droga amplamente acessível em regiões que sofrem com a malária, como o norte do Brasil. Testaram, interromperam o estudo de maneira responsável, seguindo as orientações do comitê e publicaram de forma transparente os achados. Nesse sentido, que exemplo! A testagem da hipótese para o tratamento da COVID-19 deve levar em conta que o vírus causa miocardiopatia, e a droga... cardiotoxicidade! E essa cardiotoxicidade pode ser aumentada potencialmente quando a cloroquina interage com azitromicina, droga que estava sendo corriqueiramente usada nesses pacientes, naquele momento. No entanto, na época, muito pouco se sabia sobre a doença. A hipótese do trabalho era de que se precisava doses maiores para reduzir a replicação viral e se mudar o curso e a mortalidade da infecção. Os pesquisadores seguiram a risca a recomendação do comitê que monitorizava a segurança do estudo e que identificou um aumento do número de mortes e de arritmias numa fase relativamente precoce de estudo no grupo que recebeu a dose maior da cloroquina. Esses resultados, mais uma vez, demonstram como é importante se construir uma hipótese experimental da maneira correta para um ensaio clínico, com muita discussão e troca de idéias. E muito estudo para consolidar a hipótese de trabalho e diminuir o risco de erros. É muito pior se usar, como muito ouvimos ao longo da epidemia, qualquer medicação, por que ouvimos falar que alguém que a tomou, ficou curada. Ou estava mal e ficou bem rapidamente! Ouvi muito isso nos últimos 3 meses. Infelizmente ouvi. Não tem como saber se isso é ou não verdade. Não se segue esse modelo, nesse contexto, em Medicina, há 7-8 décadas. Todo o benefício que a Medicina causou nesse período, com aumento de décadas na expectativa de vida do homem, foi, pelo desenvolvimento de estudos epidemiológicos e de intervenção bem conduzidos, por investimento maciço em ciência e tecnologia pelas universidades, instutos de pesquisa, pela indústria farmacológica, por modelos de políticas de estado com intervenções sociais e de saúde sensatas e pela testagem da eficácia e da eficiência de um tratamento com os estudos do tipo ensaio clínico. Olhem que bonito a união da comunidade científica mundial em torno do COVID. Como a sociedade tem ajudado a apoiar esse movimento. Mesmo assim, o caso da COVID-19 que melhorou por que fulano de tal usou tal coisa ou por que um youtuber defendeu o uso, ou até mesmo usou tal coisa e que todos deveriam seguir aquele modelo, pois aquele modelo funcionava... reinou! tristemente reinou! isso foi usado por muita gente nessa epidemia, para o espanto da comunidade científica. Pior, ouvi autoridades no assunto defendendo isso, baseado na sua experiência pessoal. Chocante! isso demonstra que a sociedade, em muitos casos, deveria escolher melhor as suas lideranças, incluindo as médicas. Vi muita incompetência nesse processo. Mesmo quando se testa dentro de um ambiente científico rigoroso de um ensaio clínico randomizado, o resultado pode ser ruim, como foi aqui. E temos que cuidar com as fakenews, com o que presidentes e primeiros ministros de grandes nações acreditam. Acreditar não é testar. Não é ciência. O progresso da humanidade ocorreu por que a ciência foi aplicada de maneira sistematica. As hipóteses devem, obrigatoriamente, serem testadas, para se avaliar a segurança em primeiro lugar e depois o benefício. Não o contrário! como foi muito defendido de maneira errada nessa epidemia. A COVID-19 vai ser dominada por nós. Com ciência. E ciência de boa qualidade. Paciência! temos que ter paciência. E nos proteger. Evitar o contato social desnecessário. Usar máscaras, não tocar no rosto a medida do possível. Finalmente, nossas lideranças da economia têm uma enorme responsabilidade. Exerçam ela! É fundamental para a nossa sociedade o papel de construção nesse momento. Cuidem com as críticas e os interesses políticos. Tenho visto eles serem a nova onda de pressão e de fake news contra aquelas lideranças políticas que tem acertado mais que errado. Que sirva para reflexão!
Researchers accused of killing patients after using a high dose to treat coronavirus infection