29/02/2024
Assistindo ao filme da barbie eu senti que algo tinha sido feito pra mim, e foi uma sensação contrária a todo resto da vida que sempre me passou a mensagem ao contrário. Numa das inúmeras aulas sobre gênero que eu assisti ao longo da vida, um professor disse que ser mulher era algo complexo de ser definido, mas poderíamos condensar essa categoria em " todas aquelas oprimidas pelos homens". No filme da barbie um coadjuvante do roteiro se questiona: se ele é um homem sem nenhum poder, isso faz dele uma mulher? Essas duas frases se juntaram na minha cabeça, vindas de contextos tão distantes, pra questionar: seria eu outra pessoa se não tivesse nascido com um corpo que foi atribuídos a esse gênero? Depois de 10 anos de clínica, de atendimentos a homens cis e trans, mulheres cis e trans, e todas as outras identidades que se estendem ao longo e para além dessas, uns bons pares de anos de psicoterapia e análise, eu só consigo ficar com a interrogação. Como ser uma mulher cis, com o meu corpo e aminha corporeidade, atravessaram a minha vida? E como o gênero atravessa a experiência e formação da identidade de todos? Eu idealizei durante muito tempo uma vida em que ser homem bastaria, ( e deve ter bastado para alguns), mas como o próprio Ken descobriu, só isso não basta, hoje em dia é necessário ter diplomas e cursos e saber fazer alguma coisa. Além de reconhecer que ser branca, de classe média e com ensino superior também me protegeu de muito e proporciona outro tanto, e sem tentar hierarquizar sofrimentos, eu me proponho a uma reflexão sobre qual o meu papel, hoje como psicóloga, e ocupando o lugar de analista. Como toda essa vivência e esse atravessamento me colocam nessa cena de transformação, transferências e contratransferências? A gente já chegou no consenso que esse lugar nunca é de neutralidade, né? Posso partir daqui? Então, como receber pessoas também atravessadas por suas vivências de muito e pouco poder, dentro de uma sociedade que segrega as experiências a partir do gênero? Como falar disso de uma forma acolhedora, coerente e em 30 segundos de reels nesse espaço? Lembrando que sempre fui justamente acusada de falar demais, de falar muito, de rir demais..