27/03/2020
Economia não é ciência exata!
(por Douglas Pivatto, economista)
Lembro que, aos meus 18 anos, quando eu entrei para o curso de Economia, eu não tinha muita noção dos fenômenos econômicos. Não dominava o funcionamento de um sistema de preços, por exemplo. Mas já entendia que com dólar alto há quem se dê bem e há quem se dê mal. Também entendia que a inflação corroía o parco salário da maioria população brasileira. Para completar, gostava (e ainda gosto) de matemática, percebia que muita coisa que se falava na imprensa era, digamos, estranha, e gostava de partir da premissa de acreditar na capacidade dos indivíduos. Eu lembro, ainda que eu via pessoas na rua, mesmo desconhecidas, numa dada situação, e que após algum tempo dava para perceber que o sujeito havia melhorado de vida, seja num emprego melhor, com família constituída, ou frequentando disciplinas universitárias, e que isso me deixava de certa forma feliz. Eu f**ava feliz em ver pessoas buscando pela sua própria felicidade.
Nas rodas de conversas de amigos em um ambiente universitário, era natural perguntarem uns aos outros que curso faziam, se estavam gostando ou não, fazer piadas com outros cursos ou com o seu próprio, sempre de forma sadia. Naturalmente, quando chegava a minha vez, falava que cursava Ciências Econômicas (ou Economia, se quiser), que tinha algumas cadeiras legais, outras nem tanto, explicava alguma coisa aqui e ali para quem perguntasse, caso eu soubesse a resposta. Lembro bem que vez por outra alguém dizia, “Tem bastante matemática, né? E tu sempre gostou”. Eu dizia que havia sim cadeiras de matemática, mas que infelizmente não havia tantas como numa engenharia, por exemplo. Hoje acredito que a realidade deva ser diferente, pois já há mais ênfase em métodos quantitativos nos cursos (pelo menos é o que eu espero).
Muito bem, como dito antes, respondia que sim, que havia cadeiras assim, que alguns dos problemas são resolvidos dessa forma, mas sempre dizia um negócio que deixava meus interlocutores surpresos: “cara, Economia não é ciência exata”. Pessoal me olhava estranho, perplexo, daí eu tinha que explicar que Economia era uma ciência do campo das “ciências sociais aplicadas”, assim como ciências como a Contabilidade, Administração, Direito, Jornalismo e outras. Nome bonito, não é mesmo? Mas o que raios é isso? Eu comentava que Economia era uma ciência social, humana, que buscava entender relações entre os indivíduos, ainda que para muitos problemas o instrumental seja matemático.
Um exemplo simples: podemos colocar uma relação entre dois indivíduos, dois indivíduos que estão em situações diferentes, i) um querendo vender algo, e ii) outro querendo comprar algo. Para isso, temos o que chamamos de oferta e demanda, algo que é visto logo nas primeiras aulas do primeiro período da graduação, e que vai acompanhar o aluno durante toda a sua formação. Com a oferta e demanda, calcula-se o preço de equilíbrio, que satisfaça tanto quem vende quanto quem compra, assim como a quantidade de equilíbrio, que satisfaça tanto quem vende quanto quem compra. De forma bem resumida, é simples assim. Não vou entrar em mais detalhes.
Muito bem, muito bom, mas onde queremos chegar? Sim, no assunto que a imprensa bate todos os dias, o dia todo, no assunto que fez até com que os campeonatos de futebol parassem, no assunto que contribuiu para acirrar as discussões políticas “nas internets da vida”: o coronavírus. A atual pandemia do “novo coronavírus” começou no final de 2019, na província de Hubei, mais especif**amente na cidade de Wuhan, interior da China. Para se ter uma ideia, Wuhan é a oitava maior cidade da China e sua população se equipara à cidade de São Paulo, a maior do Brasil.
Tá, e daí? E daí que, graças à ineficiência (será mesmo? só o tempo dirá) da ditadura do Partido Comunista Chinês, não houve o devido controle do parasita naquele país, sabe-se que o governo por lá omitiu informações, e também se, digamos, desconfia que os dados informados por eles não correspondem à realidade. Assim como não sei se os dados italianos são reais, nem os brasileiros. Lembrando que não sou especialista da área da saúde e não vou tecer comentários sobre algo que não domino.
Bem, acertadamente ou não, erradamente ou não, não sei, começou-se há alguns dias a se fazer no Brasil uma chamada quarentena (ou lockdown, utilizando o termo em inglês), para se conter o avanço do vírus no nosso país. Claro que todo cuidado é pouco, o assunto é realmente sério, não vou negar isso. Fecharam universidades, escolas, estabelecimentos comerciais dos mais diversos, mantendo-se abertos supermercados, postos de combustíveis, hospitais (obviamente) e mantidos serviços como transporte público e coleta de lixo.
Quanto à eficácia de tais medidas, não vou entrar no mérito. Isso os próximos meses nos dirão, com análises e dados decentes. Mas a questão a qual escrevo, amigo leitor, é da galera que está defendendo que as pessoas fiquem em casa, para diminuir o avanço do vírus, esperar o tempo de resposta do vírus no organismo de cada pessoa, essas coisas. Uma pesquisa rápida no Google resolve essas dúvidas. Continuando, acho muito nobre quem possa f**ar em casa, quem possa dar atenção aos idosos, pelo que eu vejo, quem puder, que continue pelo tempo necessário.
No entanto, há aquela galera mais radical (sempre há), dizendo para que se fique 14, 15, 30, até 60 dias em casa, para que o vírus não avance como avançou na própria China, na Itália ou nos EUA. Afinal, vidas importam. Legal, “mas e a economia?”, perguntam. Isso a gente resolve depois. Resolve mesmo? Fácil assim, não sei. Tem gente que diz que apenas os serviços essenciais devem continuar (serviços de saúde, alimentos e combustíveis, não vou discutir), mas afinal, o que é um serviço essencial? Lanço a provocação, porque “economia”, como alguns incautos acham, não é só a Bolsa de Valores, os grandes empresários, o “agronegócio” (que adoram usar no sentido pejorativo), essas coisas aí. A economia real também compreende o pequeno empresário, o dono do mercadinho da vila, da padaria, o motoboy que financia a moto em 60x, fazendo corridas 11h por dia, sem carteira (seja ela a CTPS ou a CNH), que precisa alimentar uma família.
Retomando, ainda que todo cuidado seja pouco, que se faça necessário prevenir, para diminuir o risco de internações hospitalares, para essa galerinha que gosta de falar em empatia mas nem a m***a manda o sujeito que pede um prato de comida, pergunta-se: a vida do caixa do supermercado, do frentista, do profissional da companhia de energia elétrica, do enfermeiro ou do médico, valem menos que a tua? Pois eu tenho percebido que o pessoal defende que todo mundo fique em casa como se fosse o fim do mundo, mas o entregador de comida pedida pelo Ifood tem que estar na rua, o frentista do posto tem que estar lá disponível para abastecer o carro, o caixa tem que estar lá para me atender, afinal eu não posso me expor, pois estou de quarentena. Mas essa gente citada antes, e tantos outros, esses sim tem que se foderem se expondo? Eles também não são gente?
Outra, primeiro nos importamos com as vidas, depois com a economia. E aquele pequeno comércio, que o casal trabalha junto com o filho e que é o único sustento daquela família? Ou aquela empresa que fechou, que já demitiu gente porque não vai conseguir pagar aos seus funcionários pois não obteve faturamento? Para essas pessoas, esses negócios não são essenciais? Para elas, com certeza são. Ou como eu vi por aí “patrão quer que empregado volte a pegar ônibus lotado enquanto anda de carro importado”. Não sei da realidade das pessoas, mas por pior e mais indigno que seja pegar um ônibus lotado porque o poder público impede que operadores privados possam ofertar o serviço, ainda sim é pior não ter nem ônibus para pegar pois não há emprego para sustentar a família e não há mais nem a empresa para o empregado se dirigir.
Tudo isso, saliento que eu me preocupo com a economia sim, não porque só penso no lucro. Isso é consequência. Eu me preocupo com a economia porque me preocupo com as pessoas, as pessoas reais, com seus problemas reais, seus boletos (bem) reais, seus aluguéis reais, suas despesas reais. O que se tem plantado é que vida e economia são coisas antagônicas, que se preocupar com um implica automaticamente não se preocupar com o outro. É evidente que não, p***a! É óbvio que eu também me preocupo com essa doença, que ainda vai piorar muito no Brasil, infelizmente (torço para estar errado), mas eu também tenho que me preocupar com o pequeno empresário (que é de onde sai mais de 90% dos empregos privados do Brasil), com o autônomo, o profissional liberal, o prestador de serviços.
Se não ficou claro, em Economia se estuda relações humanas, trocas voluntárias entre indivíduos, pessoas querendo comprar algo com pessoas querendo vender esse mesmo algo. E sim, seguimos utilizando instrumentais de Cálculo, Álgebra, Estatística, pois o economista também possui formação quantitativa. Mas, como dito no título, Economia não é ciência exata!