
01/08/2025
Entro no quarto junto com a médica para atender uma paciente. CA de pulmão com metástase óssea recém-diagnosticada. Ela, muito confortável após o controle de sintomas - feito por uma equipe atenta à pessoa que sente e não só ao câncer que a habita -, me conta sobre si e sua vida antes da chegada do "troço", forma como nomeia a doença oncológica. Nesse meio tempo, enquanto a médica examinava, a paciente pergunta:
- Dra, metástase tem cura?
O silêncio adentra.
Imagino que a médica possa ter f**ado pensando em como responder de prontidão algo delicado de ser dito. Assim, pergunto o que a paciente quer dizer com cura.
- Ah, cura é ter tratado essa metástase... me livrar da m0rte.
- Mas, *, é possível nos livrar da m0rte?
A partir daí, outro silêncio. Dessa vez um diferente do primeiro. Esse, o silêncio de quando se esbarra no Real, que escapa de representações e aparece em forma de uma profunda angústia. Esse silêncio que rasga o véu de imortalidade que comumente criamos para dar uma camuflada nesse fato castrador tão difícil de digerir: a finitude da vida.
Depois de um tempo, sua voz ressurge:
- É... não tem como se livrar, né?
Respondo que não. Mas que é possível construirmos formas de viver com conforto, dignidade e qualidade de vida até que o "inlivravél" (se me permitem o neologismo) chegue. É isso o que o acesso aos cuidados paliativos oferece - e não só.
Por aqui, desejo que possamos convidar nossos pacientes a pensarem não só na quantidade, mas na qualidade dos dias de vida. E digo qualidade não no sentido idealizado de uma satisfação plena, mas de um conceito que englobe na conta os preços que pagamos pela vida, tendo em vista o custo altíssimo de sofrimentoS que pacientes no Brasil pagam em seus últimos momentos.
Que possamos trabalhar no como tecer esse plano de cuidados — particular a cada caso, construído a partir de um sentido de vida subjetivo, ambíguo, contraditório, criado e recriado até o encontro com o inlivrável.
E que seja nessa costura de caminho que possamos alcançar, então, não apenas uma boa vida, mas também uma boa m*rte.
Você já pensou em como gostaria de ser cuidado no fim da sua vida?