Ana Beatriz S Moura Siqueira

Ana Beatriz S Moura Siqueira Psicóloga Clinica e Psicanálise

Entro no quarto junto com a médica para atender uma paciente. CA de pulmão com metástase óssea recém-diagnosticada. Ela,...
01/08/2025

Entro no quarto junto com a médica para atender uma paciente. CA de pulmão com metástase óssea recém-diagnosticada. Ela, muito confortável após o controle de sintomas - feito por uma equipe atenta à pessoa que sente e não só ao câncer que a habita -, me conta sobre si e sua vida antes da chegada do "troço", forma como nomeia a doença oncológica. Nesse meio tempo, enquanto a médica examinava, a paciente pergunta:

- Dra, metástase tem cura?

O silêncio adentra.

Imagino que a médica possa ter f**ado pensando em como responder de prontidão algo delicado de ser dito. Assim, pergunto o que a paciente quer dizer com cura.

- Ah, cura é ter tratado essa metástase... me livrar da m0rte.

- Mas, *, é possível nos livrar da m0rte?

A partir daí, outro silêncio. Dessa vez um diferente do primeiro. Esse, o silêncio de quando se esbarra no Real, que escapa de representações e aparece em forma de uma profunda angústia. Esse silêncio que rasga o véu de imortalidade que comumente criamos para dar uma camuflada nesse fato castrador tão difícil de digerir: a finitude da vida.

Depois de um tempo, sua voz ressurge:

- É... não tem como se livrar, né?

Respondo que não. Mas que é possível construirmos formas de viver com conforto, dignidade e qualidade de vida até que o "inlivravél" (se me permitem o neologismo) chegue. É isso o que o acesso aos cuidados paliativos oferece - e não só.

Por aqui, desejo que possamos convidar nossos pacientes a pensarem não só na quantidade, mas na qualidade dos dias de vida. E digo qualidade não no sentido idealizado de uma satisfação plena, mas de um conceito que englobe na conta os preços que pagamos pela vida, tendo em vista o custo altíssimo de sofrimentoS que pacientes no Brasil pagam em seus últimos momentos.

Que possamos trabalhar no como tecer esse plano de cuidados — particular a cada caso, construído a partir de um sentido de vida subjetivo, ambíguo, contraditório, criado e recriado até o encontro com o inlivrável.

E que seja nessa costura de caminho que possamos alcançar, então, não apenas uma boa vida, mas também uma boa m*rte.

Você já pensou em como gostaria de ser cuidado no fim da sua vida?

Quem trabalha na análise é o analista ou o analisante?Já adianto que essa é uma pergunta capciosa.Ainda movida pela pass...
13/03/2025

Quem trabalha na análise é o analista ou o analisante?

Já adianto que essa é uma pergunta capciosa.

Ainda movida pela passagem de Lacan na Conferência de Genebra sobre o Sintoma, em 1975 (trecho mencionado no post anterior), comecei a pensar em alguns cenários que às vezes entramos quando estamos atendendo. Trarei exemplo de um.
Em trocas com colegas, percebi como no início da clínica pode ocorrer de nos preocuparmos demasiadamente em como fazer interpretações e intervenções dignas de um tweet ou no estilo de Selton Mello na série Sessão de Terapia. Inclusive, às vezes f**amos com alguns barulhos nos inquietando - “estou sendo psicanalista?”, “meu paciente não t**a algumas subversões, será que estou manejando errado?”, “talvez outro analista estaria conduzindo melhor esse caso” - o que nos deixa um tanto presos em querer saber como está sendo nosso desempenho, digamos assim, ou até achando que temos alguma autoridade na sessão e que, portanto, devemos deter de um saber maior sobre aquela pessoa que chega até o nosso consultório. Acontece que isso pode fazer com que apaguemos o analisante de cena, que não levemos em consideração que o processo analítico não é feito só pelo psicanalista, e sim que há um trabalho que cabe ao analisante e um tempo em jogo que não é o cronológico.
É crucial que construamos um setting que possibilite a entrada de uma análise, que propicie uma associação livre, mesmo que ela não seja tão livre assim, e que seja instaurada uma incitação ao saber, que o paciente se implique no processo, que passe a se perguntar e a trazer questões para análise. E escrevo implicação não no sentido de uma dita responsabilização subjetiva (que aliás pode trazer sofrimento ao falante), mas do candidato a análise t**ar o processo, apesar do incômodo que isso traz, afinal, não é um docinho se ouvir dizer coisas que tentamos esquecer. Mas é um caminho. E é um caminho costurado entre analista e analisante, com os dois tecendo juntos esse percurso.

Esse trecho me chama muitíssima atenção em como, na contramão de uma pós modernidade em que há a proclamação de um jeito...
12/03/2025

Esse trecho me chama muitíssima atenção em como, na contramão de uma pós modernidade em que há a proclamação de um jeito certo de se viver, a nossa atuação não deve ser a de moldar um saber e passar um script da novela Como-se-deve-viver, que nada mais é do que um roteiro moralizante nosso e do que julgamos ser o jeito certo. - E atenção ao plot twist: não tem certo ou errado, quiçá um jeito.

Se a pessoa deitada no divã que faz a demanda de análise é quem trabalha e se não cabe ao analista a função de moldar alguém, o que nos cabe? O que fazemos com o que ouvimos e lemos de um texto clínico? O que esperamos que aconteça com o analisante em seu processo analítico? Como imaginamos que seja o analisante ao final de uma análise? Como vai se entrelaçando os efeitos desses nossos atravessamentos no jogo analítico?

Por aqui, tenho me feito essas perguntas. E por aí?

Olá!Estou com novos horários disponíveis para atendimentos online e/ou presencial na cidade do Rio de Janeiro!
30/10/2024

Olá!

Estou com novos horários disponíveis para atendimentos online e/ou presencial na cidade do Rio de Janeiro!

Hoje fui para a análise com uma pedra no sapato. Não, não é no sentido figurado. Bom, é sim também, mas de fato tinha um...
29/10/2024

Hoje fui para a análise com uma pedra no sapato.

Não, não é no sentido figurado. Bom, é sim também, mas de fato tinha uma pedrinha no meu tênis.

Achei interessante ter uma pedra no sapato enquanto estava a caminho da minha sessão de análise.

Deitada no divã, falei sobre essa dualidade, em como para a psicanálise realmente uma pedra no sapato não é (só) uma pedra no sapato.

Lá pelas tantas, já estava em outro assunto (será?) quando minha analista me perguntou "você não vai tirar a pedra?". Eita! Eu nem havia me tocado que não tinha tirado. Depois, respondi algo que, me ouvindo dizer, fez com que toda a justif**ativa criada na minha cabeça para não ter tirado a m* da pedra do meu sapato já me parecia tipo "mona???? nada a ver isso aí 🤨🤦🏽‍♀️".

Ahh, os efeitos do se ouvir...Falamos sobre.

E é isso.

Nessa sessão de análise tirei uma pedra do sapato (e não só do sapato)

E detalhe: quando tirei, vi que o negócio era minúsculo!Como pode um trocinho desse incomodar tanto??

Agora já nem sei de qual pedra tô falando.

Enfim... haja pedraS, sapatos e análise.

" 'Mas você sabe que a pessoa pode encalhar numa palavra e perder anos de vida?' - pergunta Clarice Lispector. 'É que as...
27/05/2024

" 'Mas você sabe que a pessoa pode encalhar numa palavra e perder anos de vida?' - pergunta Clarice Lispector. 'É que as palavras, com essa coisa de se plantarem na nossa vida, nos alimentam e nos matam, são remédio e veneno, e, como os produtos de uma farmácia, são dr**as que podem matar ou curar' - responde Affonso Romano de Sant'Anna." (passagem do livro "A descoberta do Inconsciente", de Antonio Quinet, p. 45)

Depois de ler esse trecho fiquei pensando em como algumas coisas que ouvimos sobre como deveríamos ser/fazer adentram tão fortemente em nossos ouvidos e se tornam uma verdade absoluta sobre nós e nosso destino.

Quantas coisas não se desenrolam em nossa vida a partir do que nos dizem e f**a fixado, e camuflado, em nós, só regendo como a banda vai tocar? Desses ditos que se presentif**am, inconscientemente, nas escolhas que fazemos que vão desde a decisão do que tomar de café da manhã à profissão que se vai escolher, qual roupa vestir, etc...

Isso também me remete à frase de Freud, onde diz que o "eu não é senhor de sua própria morada", e me faz pensar como a vida parece aqueles cenários onde tem vários soldados de verde e marrom camuflados em meio à floresta, atentos e vigilantes. Bem encobertos. Os ditos, essas coisas que ouvimos e viram quase leis de funcionamento da nossa existência, seriam tipo esses soldados camuflados dentro de nós.

Que bom termos a análise como um lugar que usa lupas pra que possamos ver se é árvore mesmo ou o soldado camuflado, e para que questionemos essas certezas absolutas construídas do que ouvimos que devemos ser e fazer, abrindo então possibilidades de novos dizeres e caminhos.

Hoje faz uma semana da defesa desse projeto que, no momento em que escrevi, parecia ainda distante a possibilidade de to...
24/05/2024

Hoje faz uma semana da defesa desse projeto que, no momento em que escrevi, parecia ainda distante a possibilidade de torná-lo uma prática no SUS.

Que agora, com a PNCP, mais e mais profissionais sejam capacitados para atuarem com cuidados paliativos em todos os setores da saúde pública🙌🏼

A Política Nacional de Cuidados Paliativos foi aprovada no dia 22 de maio desse ano, após muita luta do coletivo revolucionário que contou com diversos profissionais, pacientes e familiares atravessados pelos cuidados paliativos no Brasil. É um marco muito importante para a promoção e manutenção de um cuidado digno a todos os pacientes e seus familiares. Vamos seguindo batalhando por mais!

Você pode acessar a portaria GM/MS N° 3.681, que institui a Política Nacional de Cuidados Paliativos, nesse link: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-3.681-de-7-de-maio-de-2024-561223717

Hoje faz uma semana da defesa desse projeto que, no momento em que escrevi, parecia ainda distante a possibilidade de to...
24/05/2024

Hoje faz uma semana da defesa desse projeto que, no momento em que escrevi, parecia ainda distante a possibilidade de torná-lo uma prática no SUS.

Que agora, com a PNCP, mais e mais profissionais sejam capacitados para atuarem com cuidados paliativos em todos os setores da saúde pública🙌🏼

A Política Nacional de Cuidados Paliativos foi aprovada no dia 22 de maio desse ano, após muita luta do coletivo revolucionário que contou com diversos profissionais, pacientes e familiares atravessados pelos cuidados paliativos no Brasil. É um marco muito importante para a promoção e manutenção de um cuidado digno a todos os pacientes e seus familiares. Vamos seguindo batalhando por mais!

Você pode acessar a portaria GM/MS N° 3.681, que institui a Política Nacional de Cuidados Paliativos, nesse link: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-3.681-de-7-de-maio-de-2024-561223717

Já que hoje é o dia oficial do  , compartilho o registro da minha primeira apresentação em pôster no congresso da Socied...
25/01/2024

Já que hoje é o dia oficial do , compartilho o registro da minha primeira apresentação em pôster no congresso da Sociedade Basileira de Psicologia Hospitalar, em setembro do ano passado. Nesse dia aí eu estava com tanto frio na barriga (o sorriso da foto é tb de nervoso), e junto me sentia em êxtase de poder falar daquilo que mais tem me atravessado nos últimos anos: o hospital e cuidados paliativos.

Desde o início de 2023, tenho estado imersa na UFRJ e na UERJ, buscando me aprofundar nas especificidades da atuação psi no hospital e nos CP, aprendendo muito com as aulas, mas, mais ainda, com cada paciente e familiar que atendo leito a leito, corredor a corredor no HU. Eles têm sido meus maiores mestres, compartilhando comigo suas histórias de vida e de finitude, com seus modos tão particulares e únicos. Aqui f**a o meu agradecimento a cada um que deixou em mim um pouco de si, porque a escuta e a palavra são arte e afeto, deixam marcas em nós.

Ainda nem me despedi do HU, mas já ando me nutrindo de saudades... 🤧🫶🏽

Estar na sua própria companhia é um impeditivo para você ir ao cinema/bar/show/praia?Qual é a primeira coisa que você pe...
08/11/2023

Estar na sua própria companhia é um impeditivo para você ir ao cinema/bar/show/praia?

Qual é a primeira coisa que você pensa quando passa por um bar e vê alguém sentado bebendo sozinho?

Esses dias tenho estado às voltas de como, apesar de termos a nós mesmos, precisamos sempre da companhia de um outro para ter prazer. E de como por vezes pensamos que a pessoa sozinha bebendo no bar é um alguém solitário e triste. Quase como um deprimido. Um pobre coitado. E a partir disso, comumente entramos em um mecanismo de sermos refém de outra pessoa para fazer o que nos der na telha, contando com a sorte desse alguém t**ar e assim fazermos o que desejamos.

Qual é o sentido dessa "dependência", digamos assim, em ter alguém para que você faça alguma atividade que queira? Porque, afinal, você é a única pessoa que estará consigo mesmo até o fim.

Nós somos seres coletivos, estamos em sociedade e nós constituímos a partir dela, mas somos mais do que isso. Somos só também. E somos desimportantes.

Quantas vezes você se levou para uma viagem? Quantas vezes foi a um show sozinho?

Lidar com a sua desimportância na vida tem um quê de solitude, mas também de liberdade. Talvez não sejamos a coisa MAIS importante para alguém. Talvez não sejamos (ou não deveríamos ser) o top 1 de prioridade na vida de alguém. E o que fazer a partir disso então?

Nem quando estamos juntos com alguém deixamos de só. Nesses casos, nós somos juntos-sozinho. E a vida vai caminhando desse jeito...

O que f**a é: o que se pode fazer quando assume esse lugar de ser só? O que se abre a partir disso? O que se ganha e o que se perde?

Ah, desculpe se você leu até o final procurando por respostas... eu só tenho perguntas.

Por vezes notei que, quando falava com as pessoas à minha volta sobre querer seguir na área de Cuidados Paliativos, algu...
04/03/2023

Por vezes notei que, quando falava com as pessoas à minha volta sobre querer seguir na área de Cuidados Paliativos, algumas - as que sabiam o signif**ado dessa linha de cuidado, uma vez que ainda é pouco conhecida e muito interpretada equivocadamente - me olhavam um tanto assustadas e diziam "Nossa! Mas Cuidados Paliativos é barra pesada! Você tem estômago pra isso?!".

Nos momentos em que ocorriam essas reações, não me dei conta de perguntar o que seria a "barra pesada" que se referiam, mas imagino que seja o fato de lidarmos recorrentemente, enquanto profissionais atuantes em Cuidados Paliativos, da maneira como a m0rte é: natural e inevitável.

É necessário que naturalizemos a conversa sobre o m0rr3r da mesma forma que o nascer. Até porque toda fala sobre a m0rte é uma fala sobre a vida - seja a de quem se foi, seja a de quem ficou.

F**a muito mais fácil temer e se angustiar com o que não é discutido, refletido, falado.

Como traz Lacan, é na linguagem que podemos articular simbolicamente aquele Real da situação que escapa de representações, aquela angústia que, de início, não sabemos de onde veio, para onde vai, nem o que quer dizer..

Para concluir: barra pesada mesmo é, em nome de um saber biomédico curativo, ignorar que saúde *não é* ausência de doença (reflexão para outro post). E que TODOS, inclusive o paciente com câncer metastático, tem o direito a um cuidar com dignidade, promoção de alívio de dor e outros sintomas, assim como respeito e autonomia para decidir como deseja prosseguir com o seu acompanhamento e seus cuidados em fim de vida.

Não existe isso de "não há nada que possamos fazer".

Sempre há.

E aí? Como anda a sua relação com a finitude da (sua) vida?

Ana Beatriz S. de Moura Siqueira - Psicóloga CRP 05-71454

Para quem não sabe, Comunidades Terapêuticas(CT's) são instituições privadas, em sua maioria de cunho religioso, que vis...
10/02/2023

Para quem não sabe, Comunidades Terapêuticas(CT's) são instituições privadas, em sua maioria de cunho religioso, que visam a segregação, a partir do isolamento, de pessoas que fazem uso abusivo de substâncias psicoativas, como álcool e outras dr**as, com fins à abstinência. Nesses locais, muito comumente, percebemos, para além da falta de condições sanitárias, grandes violações aos princípios dos Direitos Humanos e da Lei 10.2016, que fala sobre a Reforma Psiquiátrica, onde ocorrem violências físicas e psicológicas às pessoas internadas; exclusão desses indivíduos do meio social; torturas e forte presença da religião como """tratamento""".

⚠️ É de suma importância que frisemos alguns pontos:

▫️ Isolar *NÃO* é tratar. Não é excluindo o sujeito da sociedade, privando-o de sua cidadania, autonomia e dignidade que haverá cuidado.

▫️O Estado é laico por direito.

▫️ Não existe cura, comprovada cientif**amente, para pessoas que desenvolveram questões de abuso ou dependência de substâncias psicoativas. O acompanhamento é realizado a partir do monitoramento da relação que a pessoa faz com a substância e também pode ser através do trabalho de Redução de Danos.

▫️Jamais, em hipótese alguma, qualquer tipo de violência pode ser usada em prol de algum tratamento ou linha de cuidado.

Essas características da maioria das CT's estão intimamente ligadas ao que aconteciam nos manicômios antigamente. Ou seja, não é preciso ter um hospício para que lógicas manicomiais ocorram e promovam uma dessubjetivação nos indivíduos internados. Ainda nos dias de hoje, são utilizados dispositivos violentos como esses aos sujeitos em sofrimento psíquico - e agora com o incentivo do Governo com a criação de um Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas 🤦🏽‍♀️.

Não podemos deixar que toda uma luta antimanicomial e de Reforma Psiquiátrica, presente há 20 anos, sofra um retrocesso como esse. O cuidar deve ser pautado na Integralidade do ser, com vistas à proteção e promoção de liberdade, dignidade, respeito à individualidade, afeto e promoção de qualidade de vida 🌼.

"A forma inicial de ver uma coisa determina todas as nossas relações subsequentes com ela" - Paulo Amarante

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Rio De Janeiro, RJ

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