07/03/2018
Somos descartáveis? Será??
Muito se fala sobre : "-como as relações amorosas estão ficando mais vazias nesse mundo atual'!
Normalmente quando leio ou escuto algo sobre isso, vejo que as pessoas culpam, em geral, a internet (mas também o feminismo, que, em tese, libertou as mulheres sexualmente, e o consumismo). O argumento costuma ser que toda essa facilidade que a internet proporciona para conhecer alguém teria contribuído para as relações físicas se tornarem mais rápidas, fáceis, sem depender muito de amor entre o casal, nem promessas de um relacionamento mais prolongado.
Tem até um filósofo polonês, Bauman, fala que, atualmente, as sociedades são voltadas para o consumo, prezando sempre pela novidade. Isso significa, na prática, que estamos sempre trocando televisores, aparelhos celulares, computadores, tablets, entre outros produtos, por algo que pareça melhor – mesmo que o anterior ainda esteja em perfeitas condições. Por isso, esse filósofo acredita que essa relação que temos com produtos é transferida pra nossa vida pessoal: as pessoas e nossas relações com elas.
Segundo ele , as pessoas tornaram -se descartáveis também, pois estamos sempre em busca de algo melhor.
O Bauman também fala (em um livro muito bom chamado Amor Líquido) que as relações não requerem intimidade e envolvimento, porque vivemos em uma era que, quando cansados, basta apertar o botão de deletar. Muita gente, hoje em dia, não se preocupa em terminar um relacionamento com uma conversa; se contenta em excluir ou bloquear das redes sociais ou simplesmente para de responder. Isso dificilmente acontece pessoalmente..Imagina deixar a pessoa falando sozinha ou virar as costas e ir andando. Seria, no mínimo, falta de educação. Até já ouvi uma história de um namoro que terminou assim: o casal estava no ônibus, o cara achou que aquilo não estava mais dando certo, e o que ele fez? Puxou a cordinha e desceu. E deixou a menina lá. Essa história me soa muito absurda. O que acontece é que, na internet, muita gente acha normal o equivalente a “puxar a cordinha e descer do ônibus”.
Mas será que isso tudo é verdade mesmo? Estamos deixando de nos importar com as pessoas? Nossas relações estão vazias de significado? Nós usamos e somos usados por outros como se todos fôssemos produtos descartáveis? Hum, acho que há uma forma mais positiva de se falar disso.
Não vamos negar que certas facilidades dos dias de hoje tenham provocado algumas mudanças na sociedade e nas relações.
Mas podemos enxergar essas mudanças de maneiras diferentes.
Vamos à discussão de duas afirmações levantadas por muitos:
Dizem: “As pessoas se conhecem pela internet, por aplicativos e por sites para encontrar alguém, como se fossem produtos, ninguém se valoriza.”
Olha, não existe nenhuma ligação direta entre conhecer alguém por uma dessas formas e o valor dos indivíduos envolvidos nessa relação. Considero uma afirmação extremamente preconceituosa. Segundo, porque esses meios de se conhecer alguém são muito produtivos para pessoas mais tímidas ou mais caseiras. Uma pessoa muito tímida nem sempre tem coragem de se aproximar de alguém pessoalmente, mas por trás da tela do computador ou do smartphone, se sente mais à vontade. Igualmente, pessoas que não saem muito para festas, shows e coisas do tipo acabam tendo oportunidades limitadas de conhecer outras, pois ficam restritas a meios que já frequentam e onde já conhecem todo mundo.
Também considero essa afirmação hipócrita, pois o que acontece nesses meios é o mesmo que acontece na rua, no shopping, na balada: olhamos as pessoas em volta, refletimos sobre se as achamos interessantes atraentes e analisamos o "valer a pena" em tomar uma iniciativa . O meio virtual não é diferente do que acontece no dia a dia quando estamos de corpo presente. É só um facilitador.
Dizem: “Mas, antigamente, as relações duravam mais. Hoje em dia, todo mundo só quer saber de ficar e ninguém permanece em um relacionamento sério por muito tempo.”
Acho que existe uma grande confusão por trás dessa afirmação. Parte-se de uma premissa de que, antigamente, as relações duravam mais pois as pessoas se empenhavam, se amavam mais, eram mais românticas e tal. Só que, na verdade, anos atrás, o costume era ter um relacionamento amoroso para casar e ficar juntos para sempre, independentemente do sucesso da relação e da felicidade do casal. Sendo assim, as pessoas ficavam mais tempo juntas, não porque o amor era mais valorizado do que é agora, mas, muitas vezes, porque elas simplesmente não tinham outra opção.
Então, ok, o Bauman até tem razão , hoje em dia, é tudo mais fácil mesmo e isso pode fazer com que as pessoas valorizem menos as coisas. Mas, focando no positivo, acho muito mais interessante, significativo e até mesmo romântico, saber que a relação é estabelecida com uma pessoa que, mesmo sendo livre pra fazer outras escolhas, mesmo vivendo nesses tempos em que é tão fácil terminar com alguém, prefere estar envolvido afetivamente. Pensando assim, as relações estão muito mais “preenchidas”, na verdade. Não estão mais vazias, apenas não se sustentam mais em mentiras e sentimento de obrigação e prisão – quando é o caso, podem se romper. E é isso que deve ser realmente valorizado em uma relação: não a obrigação, mas a escolha de ficar.
Sheyla Monteiro
Psicóloga / coaching de relacionamentos