28/06/2025
Tem gente que ainda se espanta quando vê uma criança com duas mães. Ou com dois pais. Ou com uma pessoa não-binária, ou com uma família que não parece ter saído de um comercial de margarina.
Como se a questão principal fosse como essas pessoas vão dar conta de educar uma criança. Adivinha? Elas dão conta (e muito bem). Porque o problema nunca foi a família. O problema sempre fomos nós.
Enquanto parte da sociedade segue tentando entender “como funciona” uma família LGBTQIA+, o que não está funcionando é o nosso sistema de saúde. Que não sabe onde encaixar essas famílias nos protocolos. Que pergunta quem é o pai, mesmo quando há duas mães de mãos dadas no pré-natal. Que não se atualiza sobre terapia de hormonização de gênero.
Na prática clínica, eu não preciso entender como aquela família se formou, ou como vai criar uma criança. Preciso garantir que ela seja respeitada. Preciso oferecer um pré-natal completo, atualizado, com acolhimento de verdade. Preciso usar os nomes e pronomes com que eles se sentem bem. Preciso criar um ambiente onde ninguém se sinta desconectado de si, só porque o sistema não soube onde colocá-lo.
Parentalidade não é teste de múltipla escolha, com resposta certa. É vínculo, presença, escuta. E se tem algo que uma família LGBTQIA+ costuma ter de sobra é isso: presença ativa, intencionalidade, e muito amor. O que falta, na maioria das vezes, é o entorno: uma rede de apoio que as acolha e um sistema de saúde que não as invisibilize.
Não é a criança com duas mães que está com problemas. É a nossa estrutura, que precisa urgentemente se atualizar para dar conta delas.