05/03/2019
A primeira vez que eu vi o quadro A Jangada da Medusa, de Théodore Géricault (1791-1824) foi em 1999, printada numa tela de computador. É impressionante como o artista francês consegue captar a partir de uma história verdadeira* a condição humana. Nele podemos ver retratados basicamente três formas do espírito humano mediante suas localizações em diferentes espaços da balsa. Com o desconforto que o quadro pode produzir (a mim mesmo, e como ainda produz!) E com que tenho lido a respeito, podemos apreciá-la seguinte forma:
A balsa em si, representa o mundo, nosso planeta. Por se tratar de uma jangada e sendo sua estrutura à base de madeira, e estando no mar, podemos imaginar que ela não durará muito! Ainda mais em contato com a água salgada que irá consumí-la. ..... O mar representa o que nos é forçoso a encarar, nossas questões existenciais. O mar é a força externa que produz no ser humano, o que lhe é caracteristicamente humano (Divino?), o seja, o propósito que damos às nossas vidas que escapa a temporalidade da mesma e a obscuridade do mar. Produzindo algo cujo valor não é e nem se aprecia no atacado, mas escapa também à experiência objetiva.
Dito isso, observamos as três características básicas do ser humano na balsa e na vida. Reparem primeiro que no quadro não há onde a jangada atracar, e isso aumenta o tom dramático da existência. NÃO HÁ ONDE ATRACAR! Na parte traseira da jangada existe um homem contemplativo. Envolto de pessoas mortas, ele mesmo apoia-se em um defunto. Seu semblante demonstra categoricamente a tristeza da sua existência. Seu corpo está curvado, típico de quem não possui entusiasmo para nada. Imagina-se que as pessoas mortas são as que fizeram parte da sua caminhada e que trazem a sua experiência atual um desalento em relação a vida. Pessoas assim podem permanecer muito tempo apáticas, e/ou paralisadas, remoendo de forma negativa todas as circunstâncias. Cada novidade torna-se motivo para uma introspecção mórbida. Quem não lembrou do desenho da hiena Hardy.
Do lado direito (a partir da nossa perspectiva) deste homem triste, um rapaz se vira. Seu olhar ainda não está em acordo com o olhar dos que estão na posição mais dianteira do barco. Ele se encontra, diria, na parte mediana do barco, e junto com alguns outros. Sua aparência é de surpresa. Seu semblante parece um pouco mais auspicioso, típico da pessoa que começar a se abrir para avalições mais positivas. Percebe-se então uma gradação, um movimento do espirito do primeiro homem (triste) para este segundo (surpreso, mais aberto) que culminará, caso as circunstâncias permitam, que ele se torne um entre aqueles na posição mais dianteira do barco. Os homens na posição mediana do barco se apoiam em outros mais afrente, estes parecem ser os que ajudam estes homens a se elevarem um pouco mais. Muito embora estes estejam na mesma situação de entendimento.
Perceba que existe algo de natural nos homens que se achegam para frente, contudo, ainda não é um ato muito espontâneo, e somente pela curiosidade e pela pressão da realidade do mar é que eles caminham. Muitas pessoas antes de conseguirem algo de genuíno, elas experimentam algo novo, no começo elas emitem um comportamento que lhes parecem forçado para si e para os outros. Entretanto, para qualquer novo empreendimento o ser necessita de uma reserva de esforços para aguentar as pressões contrárias daqueles que se encontram, por exemplo, na parte inferior da balsa, do desânimo, da falta da força de vontade, etc. Por isso, me parece que A Jangada da Medusa não é algo estático, ou seja, uma mesma pessoa pode ocupar todas as situações, ora no topo, ora retornando para o fundo da jangada. Entretanto, aqueles que estão na parte dianteira, parecem que conseguiram algo extremamente valioso e eterno, cuja perenidade da jangada e a tormenta do mar não podem retirar.
* Pois a fonte de inspiração do quadro é um naufrágio de uma fragata francesa chamada Medusa que se dirigia a Senegal no início do século XIX, quando sobreviventes ficaram à deriva pelo oceano sobre uma balsa.