08/10/2020
Quando as palavras de uma talentosa amiga Psicóloga e escritora nos representa!!!
Diálogos internos de um a psicóloga em terapia
Escrevo essa carta... carta?
Vou começar de novo.
Endereço aos meus pacientes e a mim mesma, esses escritos de diálogos que travo comigo, acerca dos nossos atendimentos.
Reflexões e questionamentos que surgem após o encontro terapêutico.
Emoções e sentimentos que são mobilizados, aflorados, após alguns pacientes tocarem em algum lugar dentro de mim.
Que lugares são esses? Como eles tocam? Por que tocam?
Procuro respostas dentro de mim.
Procuro o fio da meada, que se emaranha na minha frente.
Enxergo a mim mesma, através do abismo do outro.
Me vejo ali dentro, acompanhada por eles, mas muitas vezes sozinha.
Não tenho medo.
Entro dentro deles, com a permissão e generosidade de cada um. Encontro morada ali. Encontro estranheza. Encontro acolhimento. Encontro dor. Encontro eco. Encontro vazio. Encontro luz.
Ora a luz vem da minha lanterna apontada para eles. Ora me deparo com a luz deles apontadas para a minha escuridão.
Encontro.
Encontro de almas afins, de almas não tão afins.
Afinidades.
Conexão.
Por vezes, sem conexão. Mas sempre, encontros.
Encontro a mim mesma, através do desencontro deles.
É uma cura mútua. Não tenho medo. Não sinto frio. As vezes sinto dor, muita dor. Ela é minha? Ela é deles?
Muitas vezes é uma dor que se sente junto. Eles com as deles e eu com as minhas.
Carrego meus pacientes dentro de mim, pela semana a fora. Uns perduram mais tempo, dependendo de como foi a sessão. Outros nem estão mais comigo, no trabalho terapêutico, mas continuam dentro de mim. Em algum lugar eles me transformaram.
Hoje sinto que fiz a escolha certa.
Sou psicóloga.
Sou escritora.
Escrevo linhas que não fazem sentindo para uns. Que fazem sentido pra outros. Que fazem sentido pra mim.
Sou uma leitora também. De alma e de livros.
Leio para sentir, escrevo para viver.
Escrevo e reescrevo histórias.
Reescrevo a minha história. E seguro a mão de cada paciente, até que eles descubram dentro deles, que já sabem segurar no lápis da vida sozinhos e passam a escrever letras cursivas, com a maestria de um calígrafo esmerado.
Hoje reescrevo a minha história, com as minhas próprias mãos. Mas não sem sentir o peso da mão de cada um deles. Meus generosos e corajosos pacientes.
Pacientes, sem passividade.
Pacientes ativos.
Pacientes.
Eles não deveriam ser chamados de pacientes. Os psicólogos é que deveriam ser chamados de “Pacientólogos”.
Aprendemos a ter paciência com o tempo do outro.
“Não apresse o rio, ele corre sozinho”.
Nunca fez tão sentindo essa frase. Para mim e para eles.
As vezes me pego querendo adiantar os passos deles, porque conheço o caminho e sei que se eles forem por ele, chegariam mais rápido. Então eu paro. Respiro. E espero.
Espero.
Esperancio e experencio o caminhar deles.
Sento ao lado, para que eles possam descansar e recuperar o fôlego.
Dou passos largos e espero lá na frente, com o farol aceso. Esperando que eles enxerguem e venham na minha direção. Nas suas próprias direções.
Conheço o caminho, não porque sou melhor e mais sábia que eles. Mas é porque já passei por essa estrada. Sozinha. Com alguém. Levei alguém. Fui levada.
Eu sei o caminho. Ele não é inteiramente lindo, com girassóis e tulipas. E ele não tem fim.
Essa estrada é sinuosa. Com trechos áridos e longos. Existem túneis, existem pontes. Há também muros que precisam ser quebrados e outros que é melhor deixá-los lá. Pega-se um desvio, um retorno e encontra-se outra estrada. Mas não tem atalhos! Eles só servem para esconder o trecho que precisamos passar, mais cedo ou mais tarde.
E existem trechos que são realmente lindos. De uma beleza emocionante. Coloridos, floridos, cheios de vida. São nesses trechos que devemos parar para apreciar, respirar, cochilar embaixo da sombra de uma grande, generosa e acolhedora árvore. É nesse lugar, que podemos nos nutrir, para seguir.
Eu conheço uma estrada real, que é considerada difícil de dirigir. F**a na patagônia. Ela existe. É de rípio, um tipo de terra com areia cheia de pedras. Ela pode ser muito perigosa, se você apressar o passo e enfiar o pé no acelerador. Você pode morrer ou matar. Mas ao mesmo tempo, ela é uma das mais belas estradas que já passei. Se você souber apreciá-la, você verá as cores mais lindas e os animais selvagens mais encantadores. E um pôr-do-sol, inesquecível.
Assim é a estrada que te leva até você. Você pode escolher como quer cruzá-la.
Agradeço a generosidade e a coragem dos meus pacientes, por me darem carona na viagem deles. Levo minha bagagem, ela pode servir para alguma coisa. Para mim e para eles.
Obrigada!