17/09/2020
"Na verdade, o nosso corpo é a nossa sombra na medida em que ele contém a história trágica das mil maneiras como estancamos e reprimimos o fluxo espontâneo da energia vital até que o nosso corpo se transforma num objeto morto. A vitória da racionalização extrema da vida é conseguida às custas da vitalidade mais primitiva e natural.
Para as pessoas que conseguem "ler" o corpo, ele mantém o registro do nosso lado reprimido, revelando aquilo que não ousamos falar e expressando nossos medos presentes e passados. O corpo como sombra é principalmente o corpo como "caráter", o corpo como energia represada que permanece não reconhecida e não-utilizada, que não é admitida nem está disponível.
Embora Jung fosse um homem vibrante, alto e "corpóreo", na verdade ele pouco falou sobre o corpo. Quando construiu a torre em Bollingen, ele voltou a uma vida mais primitiva, bombeando a sua própria água de poço e rachando a sua própria lenha.
Sua corporalidade, espontaneidade e encanto indicavam certa satisfação e um "estar-em-casa" com o seu próprio corpo. Diversas de suas declarações ocasionais mostram uma atitude em relação ao corpo que, embora mais desapegada e mais metafórica, estava em harmonia com as idéias de Wilhelm Reich.
Reich, aquele que nos ensinou a observar e a trabalhar com o corpo, era direto e concreto. Ele via a mente e o corpo como "funcionalmente idênticos".3 Reich trabalhou a psique como uma expressão corporal e ofereceu uma alternativa e antídoto brilhantes aos sofisticados psicanalistas analíticos de Viena que, pelo menos no início, não percebiam o poder da expressão corporal na psicanálise.
A natureza de Reich era intensa, um tanto rígida, sem muita tolerância pelos jogos da mente metafísica e literária.
Já que a "sombra" de Jung e a "segunda camada" de Reich correspondem, ambas, ao "inconsciente" de Freud, podemos admitir pelos menos certa correspondência entre elas. Reich via a segunda camada, ao refletir-se no corpo, como contrações rígidas e crônicas dos músculos e tecidos, uma couraça defensiva contra assaltos do interior e do exterior, uma "comporta" que reduzia de modo drástico o fluxo de energia no corpo.
Reich trabalhava diretamente sobre a camada encouraçada do corpo e, assim, liberava o material reprimido. O corpo como sombra refere-se, então, ao aspecto encouraçado do corpo."
Livro: Ao Encontro da Sombra, Cap.16: O corpo como sombra, JOHN P. CONGER.
Arte: William-Adolphe Bouguereau (1825-1905) - The Wave (1896).