22/09/2023
Individualização dos transtornos mentais
Chegado o mês de setembro entramos em contato com campanhas relacionadas a prevenção do suicídio e questões sobre saúde mental. Segundo a OMS, em 2019, quase um bilhão de pessoas viviam com um transtorno mental e o suicídio foi responsável por uma em cada 100 mortes. Dado estes fatos, os transtornos mentais se tornaram cada vez mais pautados pela mídia assim como a busca por atendimento psicológico e psiquiátrico.
Os transtornos mentais podem ter consequências amplas na vida de uma pessoa, comprometendo o bem-estar físico, psíquico, o desempenho no trabalho ou na escola, suas relações familiares e sociais. De forma geral, o sofrimento psíquico prejudica a vida da pessoa como um todo. Quando negligenciado e suas causas não tratadas pode chegar a situações extremas que colocam a vida da pessoa em risco.
As causas dos transtornos mentais são diversas, envolvem questões biológicas, sociais, culturais e históricas. Atribuir apenas causas biológicas, como disfunções de certos neurotransmissores e ignorar a influências externas e materiais como o contexto social, econômico, histórico e também a singularidade e subjetividade de cada pessoa, acaba limitando a compreensão sobre a complexidade do sofrimento humano, banalizando os transtornos mentais e limitando-se a rotular e classificar sintomas: TDAH, TDM, TAB, TPB, etc.
Ao reduzirmos de forma estritamente biológica podemos ser induzidos a acreditar que um medicamento ou terapia específica poderá reajustar essas disfunções neuroquímicas e reestabelecer o bem-estar geral da pessoa, entretanto se abordado desta forma, podemos incorrer na negligência de questões importantes e estruturais envolvidas no processo de adoecimento.
Quando uma campanha sobre saúde mental propõe soluções que individualizam as causas e o tratamento do sofrimento psíquico, elas acabam por ignorar problemas estruturais na sociedade ou no mundo corporativo que tem grande impacto na saúde das pessoas, como o desemprego, a fome, a desigualdade social, a violência, condições precárias de trabalho, baixos salários, assédio moral, preconceitos, conflitos familiares, etc.
Desta forma individualizada a responsabilidade e iniciativa de tratar o sofrimento recai sobre a pessoa adoecida para se readaptar e retornar às suas atividades ou conseguir trabalho e viver bem socialmente, sem levar em consideração que o meio em que se vive é parte intrínseca das causas do sofrimento e adoecimento.
É confortável e conveniente às empresas responsabilizar seus empregados pelo seu esgotamento retirando sua responsabilidade pelas condições de trabalho, da mesma forma, um governo que não garante os direitos fundamentais para a sociedade é parte do problema.
É preciso uma reflexão ampla sobre o assunto para dividir esta responsabilidade de forma justa. Enquanto os problemas não forem tratados de forma estrutural, continuaremos remediando e sedando o sofrimento humano sem de fato tratá-los, criando a cada dia uma nova sigla para uma nova categoria de transtorno e novas fórmulas de uso contínuo para suportarmos viver. Se questões sociais implicam na saúde mental, devem ser tratadas de forma social também para não incorrermos numa medicalização generalizada que trata sintomas mas não atinge a raiz dos problemas.
Não podemos banalizar os transtornos mentais, é importante que desenvolvam medicamentos e psicoterapias eficazes, encaminhar as pessoas para avaliação e tratamento com profissionais da saúde com capacitação para lidar com esta demanda, mas não deixar de refletir sobre causas estruturais para pensarmos também em transformações sociais que melhorem a condição de vida das pessoas para quem sabe assim, reduzir os números de adoecimento apresentados pela OMS e por fim melhorar a condição e qualidade da vida das pessoas.
Psicologia, sociedade, reflexões.